Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – XXVII Domingo do Tempo Comum – Ano C

A fé como um grão de mostarda

Lc 17, 5-10

 

Caros irmãos e irmãs,

Todos os textos da liturgia deste domingo nos falam sobre a fé, que é o fundamento de toda a vida cristã.  Lançando um olhar para o Evangelho, encontramos um pedido feito pelos apóstolos a Jesus: “Aumenta a nossa fé!’ (Lc 17,5-6). E o Senhor responde: “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria” (v. 6).  Sem responder diretamente ao pedido dos apóstolos, Jesus recorre a uma imagem paradoxal para expressar a incrível vitalidade da fé. Com isto, podemos dizer que a fé, mesmo que seja em pequena medida, é capaz de realizar coisas impensáveis, extraordinárias, como erradicar uma árvore frondosa e transplantá-la no mar. É suficiente ter um pouco de fé, mas precisa ser verdadeira, sincera. 

A fé do cristão envolve uma escolha concreta: a de seguir o Mestre. Este seguimento do discípulo pode ser rápido, mas também pode ser lento e até interrompido. Ao longo da caminhada cristã podemos necessitar de reforço.  O que os apóstolos pedem a Jesus, neste sentido, é uma maior firmeza na decisão de segui-lo. Jesus, com frequência já havia assinalado para eles uma caminhada difícil. São eles convidados a tomar a cruz todos os dias, a deixar tudo para seguir o Mestre, renunciando a família e os bens (cf. Lc 14,26ss). Muitos sentem-se tentados a rever a própria escolha (cf. Jo 6,60).  Diante desses desafios necessitam de uma maior firmeza na fé, por isto pedem: “Senhor, aumenta a nossa fé” (v. 5).

No entanto, os discípulos têm consciência de que essa adesão não é um caminho cômodo e fácil, pois supõe um compromisso radical, a vitória sobre a própria fragilidade, a coragem de abandonar o comodismo e o egoísmo para seguir um caminho de exigência. Pedir a Jesus que lhes aumente a fé significa, portanto, pedir-lhe que lhes acrescente a coragem de fazer uma opção; significa pedir que lhes dê a decisão para aderirem incondicionalmente à proposta de vida que Jesus lhes veio apresentar.

Inicialmente Jesus faz uma referência a um grão de mostarda. Lembremos que, para uma semente se desenvolver, faz-se necessário a ação do homem, elemento fundamental para que o pequeno grão venha se tornar grande árvore. O serviço de lançar a semente na terra exige a disposição para preparar o solo e, ao mesmo tempo, o cuidado constante para que a semente lançada encontre as condições necessárias para germinar, crescer e produzir frutos.  Assim também com a fé, que é dom de Deus: faz-se necessário cultivá-la para que ela possa se desenvolver. Como a semente, que para crescer necessita desse empenho e dedicação do agricultor, exigindo dele serviço generoso e perseverante, alimentado pela esperança dos futuros frutos, também a fé no coração do crente deve crescer em vista da salvação, da implantação do Reino de Deus. 

Quando Jesus diz sobre a amoreira: “‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela obedeceria” (v. 6), dentro do conjunto de ensinamentos do texto, isto não quer insinuar que a fé seja uma força mágica, utilizada para gestos ou mesmo manifestações fantásticas. Esta imagem utilizada por Jesus quer mostrar que, com a fé, tudo é possível. O símbolo da amoreira, árvore que atinge até 6 metros de altura, de raízes profundas, que ninguém consegue desarraigar, serve para dizer que a fé, sendo um dom de Deus, produz em quem crê, uma verdadeira conversão, pois é capaz de desenraizar o ser humano até mesmo das situações mais profundas de pecado e conduzi-lo para uma nova situação de vida, talvez impensável segundo cálculos humanos.  

Porém, a fé, acolhida como dom de Deus, exige do crente uma atitude de humildade, por isto, Jesus, na segunda parte do texto, faz uma alusão ao trabalho realizado pelo servo (v. 7-10).  Na verdade, cada discípulo de Jesus deve assumir de forma perseverante e fiel a sua condição de servo, que reconhece o serviço prestado aos demais, levando-os ao crescimento.

Estejamos conscientes disso: Somos servos de Deus.  O servo está sempre sujeito à vontade de seu patrão.  Não basta servir a Deus durante apenas uma época da vida.  Não basta cumprir a vontade de Deus em algumas realizações e por algum tempo somente, mas toda a nossa vida deve ser consagrada ao serviço de Deus. A atitude do discípulo fiel deve ser a de quem cumpre o seu papel com humildade, sentindo-se um servo que apenas fez o que lhe competia. 

Jesus educou os seus discípulos para crescer na fé, acreditar e confiar cada vez mais nele, para que pudessem edificar a própria vida sobre a rocha. Por isso, os próprios apóstolos solicitam: “Aumenta a nossa fé” (Lc 17,6). Os discípulos não pedem dons materiais, nem privilégios, mas sim a graça da fé, para que ela seja a base de tudo e os oriente e os ilumine ao longo da vida.  Como de fato, o Senhor atendeu a esse pedido, pois todos eles acabaram por dar a vida em testemunho supremo da firme adesão a Cristo e aos seus ensinamentos.  

Nós também nos sentimos por vezes enfraquecidos na fé, diante das dificuldades, da carência de meios e, como os apóstolos, precisamos de mais fé.  Ela pode aumentar, mediante nosso pedido assíduo, com a oração diária e com a prática das boas obras, em nome de Cristo. A nossa fé não pode ficar adormecida, mas deve reanimar a cada momento, sendo fortalecida pela prática da oração.  A oração é o respiro da fé: numa relação de confiança, de amor, não pode faltar o diálogo, e a oração é o diálogo da alma com Deus.

Quem reza caminha como um peregrino que busca a luz, entra na vontade de Deus.  Em alguns momentos, quando estamos na noite longa do sofrimento e do ódio erigido contra nós, pode acontecer nossa súplica: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste” (Mc 15,34). É uma oração, um grito de fé para Deus.  É o grito de Jesus na Cruz, um grito de abandono filial à única vontade do Pai. Enquanto rezava no Gólgota, Jesus disse: “Abba, Pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice! Contudo, não se faça o que eu quero, senão o que tu queres” (Mc 14,36).  Estar em oração é olhar para Deus e deixar-se olhar por Ele, é procurar Deus e deixá-lo mostrar o seu rosto e revelar a sua vontade. Na oração é Deus que fala e nós escutamos atentamente nos colocando em busca da sua vontade. É nestes momentos de provação que precisamos que ele reanime a nossa fé.

Que possamos sempre lembrar de pedir: “Senhor, eu creio, mas aumentai a minha fé”. Sempre que uma dificuldade bater à nossa porta, ou mediante uma situação de perigo, quando estivermos fracos, diante da dor, das dificuldades, peçamos em oração esse acréscimo de fé.  O pedido dos Apóstolos a Jesus “aumenta a nossa fé” é uma bela oração também para nós pois, para aquele que tem fé, tudo é possível. E principalmente, quando alguma dificuldade surgir, tenhamos força, fé e humildade para acolher a mão de Jesus, que vem nos levantar sempre. A fé é um dom gratuito de Deus ao homem e para viver, crescer e perseverar na fé é necessário que cada cristão procure se alimentar da Palavra de Deus. A nossa fé precisa ser sustentada pela esperança (cf. CIgC 162). Somente pela luz da fé e pela meditação da Palavra de Deus é possível sempre e por toda parte proclamar as maravilhas do Senhor.

Saibamos olhar com esperança para o futuro e viver com coragem os valores do Evangelho, para fazer resplandecer a luz do bem. Com a força da fé tudo é possível!  Que o Cristo venha em nosso auxílio e alimente em cada um de nós o desejo de proclamar, com as palavras e as obras, a sua presença e o seu amor e que possamos viver com coragem os valores do evangelho, para fazer resplandecer a luz do bem.  Assim seja.

 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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