Homilia Domingo da 3ª Semana do Advento | Ano C

Alegria realista

Terceiro Domingo do Advento – C – Sf 3,14-18; Is 12 (Salmo); Fl 4,4-7; Lc 3,10-18

O povo estava “na expectativa e todos cogitavam em seu coração se João seria o Cristo” (Lc 3,15). João Batista, contudo, conhece-se a si mesmo e, em momentos de escuridão na sua própria fé, envia discípulos seus para perguntarem a Jesus: “És tu aquele que há de vir ou devemos esperar um outro?” (Mt 11,3). Na verdade, havia entre o povo judeu uma alegria contida pela chegada do Ungido (Messias) de Deus. Isaías já havia anunciado essa alegria com as seguintes palavras: “Ergue alegres gritos, exulta, ó morada de Sião, porque grande no meio de ti é o Santo de Israel” (Is 12,6). E, hoje, neste terceiro domingo do Advento, a Igreja, diante da aproximação do Senhor que vem, também quer despertar em nosso coração essa alegria da salvação: “Alegrai-vos sempre no Senhor! Repito: alegrai-vos!” (Fl 4,4).

E, contudo, essa nossa alegria não é a gargalhada superficial dos que riem em seus pecados. Por outro lado, como afirmava Jean Daniélou, não devemos escandalizar-nos a respeito de João Batista quando manda perguntar a Jesus se é ele mesmo quem devia vir; ao contrário, é preciso ver nessa pergunta a profundidade, por parte de João Batista, da vivência do Mistério de Cristo e, ao mesmo tempo, do mistério do homem. As almas santas levam a sério a miséria real da humanidade e, do fundo de seus corações, deixam sair um grito sincero, ainda que silencioso, e que é expressão da dor que sentem diante daquelas situações que não admitem soluções fáceis: o sofrimento dos inocentes, a desigualdade social alarmante, o terror das guerras e dos desastres naturais, a miséria do pecado que vai consumindo o ser humano sem que ele perceba.

Como se disse, é de gelar a superficialidade de algumas pessoas em sua superficialidade. Gúrshehka, aquela personagem dos Irmãos Karamázov, pode servir de paradigma. Já bêbada e delirante, dizia: “Quero fazer loucuras, gente boa. O que importa? Deus me perdoará. Se eu fosse Deus, perdoaria a todo o mundo e diria: ‘meus simpáticos pecadores, desde hoje eu vos perdoo a todos. Eu, pelo menos, pedirei perdão”. Com isso não se afirma se a nossa personagem em questão é má ou não, simplesmente se enfatiza a pouca profundidade da vida de Gúrshehka diante da realidade de Deus e diante do pecado. É certo: Deus é bom! Também é certo: Deus é justo!

O mesmo teólogo francês, Daniélou, alertava contra um otimismo fácil e superficial. O realismo cristão, sem deixar de ser otimista e alegre, é também uma visão da vida e das coisas que leva a sério a dureza das distintas situações. O cristão deve gritar desde o profundo do seu coração a Deus, que tem a solução. No fundo, esse grito que surge de uma espécie de desespero, é uma expressão de esperança. Esse grito é um grito de confiança semelhante ao de Cristo na Cruz: “Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27,46). Temos que “obrigar” a Deus a manifestar-se – dizia Daniélou – pelo ardor da nossa oração e pela intensidade do nosso desejo.

Parece que há momentos nos quais tudo é escuridão. Parece que Deus não nos escuta, que há um obstáculo entre ele e nós. Surge uma espécie de revolta interior diante de um Deus que se diz todo-poderoso, mas não atende aquelas coisas que “eu” julgo como boas “para mim”. Esse é o momento de pedir ao Senhor que reviva em nós a fé. No “Diário de um pároco de aldeia”, de Georges Bernanos, há um momento em que o protagonista fala da sua própria fé. Como é sabido, trata-se de um sacerdote que experimenta em meio do seu trabalho apostólico, a solidão e o tédio. É um livro realista e dramático, cujas perspectivas estão abertas à esperança porque Deus está presente em toda a obra. O personagem diz que o que nós chamamos perda de fé é, no fundo, o fato de que a fé “deixa de informar a própria vida, e nada mais. (…) Eu não perdi a fé! (…) Onde ela está? Não a posso alcançar. Não a encontro no meu pobre cérebro incapaz de associar corretamente duas ideias e que não tem mais que imagens delirantes; tampouco na minha sensibilidade; nem mesmo na minha consciência”. No entanto, entre as últimas palavras do livro, encontram-se essas de enorme significado: “Que importa? Tudo é graça!”.

Às vezes, do fundo do nosso ser podem vir umas perguntas que brotam de uma espécie de desespero: será que Deus existe mesmo? Será que ele escuta as pessoas? Será que está me ouvindo? Deveríamos aproveitar esse desespero para clamar com mais força, para “obrigar” a Deus a manifestar-se, para que a nossa oração cheia de ardor ganhe de Deus aquilo que parece impossível e – o que é muito importante – para que saibamos aceitar as disposições de Deus crendo que ele sabe o que é melhor em cada momento. Isto é entrega total nas mãos do nosso Pai do céu! Tudo é graça! E isso é motivo de grande alegria!

Para ser bem práticos na alegria, é de grande importância viver o dia-a-dia, o hoje, o momento presente. Vejam como João Batista é prático: “Os soldados, por sua vez, perguntavam: “E nós, que precisamos fazer?” Disse-lhes: “A ninguém molesteis com extorsões; não denuncieis falsamente e contentai-vos com o vosso soldo” (Lc 3,14). O Batista pede conversão naquilo que as pessoas vivem em sua vida, em seu cotidiano. Para alguém ter a verdadeira alegria, deve enfrentar-se com si mesmo, ainda que isso cause certo drama, certo realismo, certo conflito. Há algo de desespero nesse confronto interno. Por isso falávamos antes do otimismo realista, da alegria verdade, da exultação fixada no chão e que aspira a feliz eternidade.

Por último, não deixa de ser de grande interesse considerar que não somente nós nos alegramos pela aproximação da nossa salvação, que é o próprio Jesus Cristo, mas também o fato de que Deus também se alegra com a nossa conversão: “O teu Deus está no meio de ti, um herói que salva! Ele exulta de alegria por tua causa, estremece em seu amor, ele se regozija por tua causa com gritos de alegria” (Sf 3,17). Não parece escutar nessa profecia as palavras do próprio Jesus Cristo que dirá na sua pregação: “Haverá mais alegria no céu por um só pecador que se arrepende, do que por noventa e nove justos que não precisam de arrependimento” (Lc 15,7). Já pensou? Deus se alegra com a sua conversão.

Padre Françoá Costa

E-mail: [email protected]
Instagram: @padrefcosta

Facebook
Twitter
LinkedIn

Biblioteca Presbíteros