Homilia Quinta-Feira da 2 Semana do Tempo do Natal | Ano C

Restaurados na força do Espírito

Quinta-feira do Tempo do Natal depois da Epifania – C – 1 Jo 4,19-5,4; Sl 71; Lc 4,14-22

E se alguém lhe dissesse que você está errado há muitos séculos? No mínimo seria um exagero. Foi exatamente isso que um professor de moral costumava dizer aos seus alunos: “estamos equivocados há muitos séculos porque pensamos que a moral é fazer algumas coisas boas”. Eu imagino o olhar expectante dos alunos rumo ao professor experimentado, mas que talvez deixassem notar através das próprias feições alguma censura ao velho professor. Nesse momento, o catedrático continuava: “Não! A moral cristã não é de obrigação, mas uma moral de surpresa, moral de salvação”.

Moral de surpresa?! Eu estou de acordo. Efetivamente, Deus nos surpreende constantemente. A graça, a salvação, a ação do Espírito Santo nas pessoas é uma surpresa maravilhosa. Mas, será que dessa maneira não estaríamos suprimindo a colaboração humana na própria salvação? É muito conhecida aquela frase de S. Agostinho: “Deus que te criou sem ti, não te salvará sem ti”. E é verdade! No entanto, não deixa de causar surpresa que nós possamos fazer obras que mereçam a salvação eterna. Essa afirmação já deixou a mais de uma pessoa deslumbrada, até mesmo escandalizada. Martinho Lutero aceitava que toda a obra da salvação é de Deus, mas se esquecia de que Deus, pela sua infinita bondade e generosidade, capacita o próprio ser humano para poder realizar ações meritórias.

Vejamos esse assunto com mais calma. Santo Irineu disse que Deus, no principio, plantou a vinha do gênero humano; amou muito a humanidade e se propôs estender sobre ela o seu Espírito e conferir-lhe a adoção filial. E esse plano de Deus cumpriu-se! Desta maneira, o Pai olha as obras daqueles que são os seus filhos por graça, aceitando-as, prévio auxilio de seu próprio poder, de Deus.

Uma ideia comum que aparece nos Santos Padres é a seguinte: assim como existe um único Deus, existe também uma única humanidade e uma única fraternidade humana. Assim como Deus é três Pessoas distintas, de maneira semelhante há variedade no gênero humano: as muitas pessoas humanas. Essa variedade não se opõe à unidade da humanidade. No entanto, esse projeto de unidade foi despedaçado pelo pecado logo nos inícios. Logicamente, assim como não se perdeu totalmente a imagem de Deus com o pecado original, tampouco a unidade fundada nessa imagem. Não obstante, as relações do homem com Deus e do homem com os demais se viram mudadas a pior como fruto podre da desagregação que o homem experimentou dentro de si mesmo. O homem, segundo os Padres da Igreja, foi disperso em vários pedacinhos. A salvação de Cristo, nesse contexto, seria uma restauração, um recolher o homem disperso. Cristo é o homem singular, mas também é o homem universal, ou seja, leva em si toda a humanidade.

O ser humano, quando se encontrava disperso, e quando se encontrava em pecado mortal, logicamente, não podia realizar obras meritórias. Mas quando se encontra em graça, restaurado pelo amor de Deus, as suas obras luzem diante do Senhor que as vê com agrado. Um ser humano restaurado pelo Espírito é algo simplesmente maravilhoso, fruto da ação de Deus. Hoje, ao observar Jesus na “força do Espírito” (Lc 4,14), desejemos ser restaurados por Jesus, Homem Perfeito e Deus Perfeito, na força do seu Espírito Santo.

Padre Françoá Costa
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