Celebramos hoje São Josemaria, sacerdote espanhol, nascido em 1902, que recebeu a missão divina de pregar a vocação universal à santidade e ao apostolado, como filhos de Deus, no meio do trabalho profissional e nas circunstâncias da vida corrente, para «servir com amor ardente a obra da Redenção», mediante um trabalho apostólico pessoal de amizade e confidência.
Essa sua mensagem era uma novidade na sua época e ainda hoje, para muitos é uma ideia revolucionária: na verdade, todos os cristãos, de qualquer condição social ou estado de vida, são chamados à plenitude da vida cristã, à plenitude da caridade, ou seja, à santidade.
São Josemaria ensinou sempre que todos os cristãos são chamados a estar com Deus, dialogando incessantemente com ele. Todos são chamados a terem uma alma contemplativa, dentro do mundo. Isso implica que as realidades cotidianas não são um obstáculo para a contemplação amorosa de Deus, mas um meio para o encontro com Cristo e com o próximo.
Quem busca a santidade, seguindo o exemplo de São Josemaria, procura viver a caridade no seu dia-a-dia. São Josemaria disse: “para sermos contemplativos no meio do mundo, temos de nos preocuparmos sempre com os outros, por amor a Deus, e a não pensar em nós mesmos; de modo que, ao final do dia, vivido os afãs diários, no nosso lar, na nossa profissão ou ofício, poderemos dizer, ao fazer o nosso exame de consciência: Senhor, não sei o que dizer de mim mesmo; só pensei nos outros, por ti!” Segundo São Josemaria, quando vivemos o dia pensando somente nos outros, aproveitamos o dia e colocamos em prática os dons recebidos de Deus.
As leituras de hoje são textos muitas vezes meditados e pregados por São Josemaria, que revelam o centro da espiritualidade transmitida por ele aos seus filhos, especialmente no Opus Dei.
A primeira leitura nos fala que “o Senhor Deus tomou o homem e colocou-o no jardim de Éden, para o cultivar e guardar” (Gen. 2, 15). São Josemaria diz que a vocação original do homem é ao trabalho, ao cultivo do jardim. Ele fazia notar que o mandamento do trabalho é prévio ao pecado original. Logo, o trabalho bem feito, por amor a Deus, é nossa vocação original, e não um castigo pelo pecado. Consequência do pecado é a fatiga que ele gera e, principalmente, a morte, mas o trabalho mesmo é um dom divino, uma forma que Deus nos dá de participar na sua Providência no mundo. Por isso o trabalho é um meio de santificação para nós, e não um obstáculo para servir a Deus.
Nesse sentido, disse Dom Álvaro, primeiro sucessor de São Josemaria: “Nosso caminho de santidade é o corrente. Nisso, nas coisas aparentemente insignificantes, temos de nos esforçar por encontrar o sinal de Deus e amá-lo com piedade de filhos”.
O Salmo de hoje é o segundo, que os fiéis do Opus Dei costumam rezar e meditar todas as terças-feiras. Fala do mistério da filiação do Messias, amado por Deus e perseguido pelos poderes desse mundo. A Carta aos Romanos (8, 14-17) que escutamos fala do fundamento da espiritualidade que São Josemaria transmitiu: o mistério da nossa filiação divina: “Irmãos, todos aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Por isso, vós não recebestes um espírito de escravos para recairdes no medo, mas recebestes um espírito de filhos adotivos no qual todos nós clamamos: Abá – ó Pai! O próprio Espírito se une ao nosso espírito para atestar que somos filhos de Deus. E, se somos filhos, somos também herdeiros – herdeiros de Deus e coherdeiros de Cristo”.
No Evangelho Lc. 5, 1-11, escutamos as palavras de Jesus Cristo aos Apóstolos: “Avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca”. Duc in altum, o mesmo lema que São João Paulo II propôs à Igreja no início do terceiro milênio foi meditado e pregado por São Josemaria muitas vezes. Nessas palavras vemos o ensinamento da vocação universal ao apostolado. Todos nós somos chamados a lançar as redes das palavras de Deus para chamar a muitos homens, nossos familiares, amigos e colegas de trabalho ao seguimento de Cristo, à luta fiel pela santidade.
No Evangelho Jesus chama os primeiros Apóstolos no seu lugar de trabalho. O trabalho profissional, no meio do mundo, não é um obstáculo, mas um meio para o encontro com o Senhor. Em Caminho, São Josemaria escrevia: “O que a ti te admira, a mim parece-me razoável. – Deus foi-te procurar no exercício da tua profissão? Foi assim que procurou os primeiros: Pedro, André, João e Tiago, junto das redes; Mateus, sentado à mesa dos impostos… (S. Josemaria, Caminho, n. 799).
Segundo Dom Javier Echevarría, sucessor de Dom Álvaro, a pregação de São Josemaria, ao comentar esse texto, está na mesma linha de reflexão dos antigos Padres da Igreja. Santo Agostinho, por exemplo, disse que os Apóstolos «receberam de Jesus as redes da Palavra de Deus, lançaram-nas ao mundo, como num mar profundo, e recolheram esse grande número de cristãos que vemos com assombro» (Santo Agostinho, Sermão 248, 2). E São Cirilo de Alexandria acrescentava que «a rede continua a ser lançada, enquanto Cristo chama à conversão aqueles que, segundo a palavra da Escritura, se encontram no meio do mar, quer dizer, no meio das ondas tempestuosas das coisas do mundo» (São Cirilo de Alexandria, Comentário ao Evangelho de São Lucas, homilia 12).
Agora cabe a nós continuar a pesca divina, indo ao encontro dos homens, lançando as redes da Palavra de Deus para leva-los a Cristo, o único capaz de saciar a fome do coração humano. As vezes podemos nos assustar com o mar revolto, com os homens hostis à mensagem de Cristo. É preciso seguir o Senhor: “o que vos disse ao pé do ouvido, proclamai-o dos telhados”. Não podemos ter medo de nada, exceto do que pode lançar nosso corpo e alma no inferno, ou seja, o pecado.
Olhemos mais uma vez para São Pedro. Passou a noite toda pescando e nada apanhou. De repente, um desconhecido, o filho do carpinteiro, lhe diz para ir para águas mais profundas (Duc in altum) lançar as redes. No início ele duvidou, mas logo depois professou sua fé no Senhor: “sobre a Tua palavra, lançarei as redes” (Lc 5, 5). Então aconteceu o milagre. Bento XVI disse que «Pedro não podia imaginar então que um dia chegaria a Roma e seria lá “pescador de homens” para o Senhor. Aceita esse chamamento surpreendente e deixa-se envolver nessa grande aventura. É generoso, reconhece as suas limitações, mas crê n’Aquele que o chama e segue o sonho do seu coração. Diz sim, um sim valente e generoso, e converte-se em discípulo de Jesus» (Bento XVI, Discurso na audiência geral, 17-V-2006).
O mesmo acontece conosco, se escutamos o Senhor: “se me seguis, eu vos farei pescadores de homens: sereis eficazes, e atraireis as almas para Deus. Devemos, portanto, confiar nessas palavras do Senhor: meter-nos na barca, pegar nos remos, içar as velas, e lançar-nos a esse mar do mundo que Cristo nos deixa como herança. Duc in altum! (Lc 5, 4): fazei-vos ao largo e lançai as vossas redes para pescar” (S. Josemaria, Cristo que passa, n. 159).
Caros irmãos, agradeçamos a Deus o dom de São Josemaria à Igreja de Deus, com sua mensagem nova e antiga como Evangelho de que todos os cristãos são chamados a serem santos, santificando suas tarefas diárias e vivendo na consciência de sermos filhos de Deus. Sigamos seus exemplos e ensinamentos e não duvidemos jamais nas Palavras do Senhor. Ele nos chama a ser santos, a vivermos a plenitude da caridade e nos dá as graças necessárias para chegarmos a essa meta. Peçamos a intercessão de São Josemaria e de Nossa Mãe Santíssima para sermos fiéis às graças que Deus diariamente nos dá.
Pe. Anderson Alves
Diocese de Petrópolis – RJ