Batismo, santidade e apostolado
Domingo: Batismo do Senhor – C – Is 42,1-7; Sl 28; At 10,34-38; Lc 3,15-22
Perto do Castelo da família de S. Francisco de Xavier, em Navarra (Espanha), encontra-se a Paróquia da Anunciação, na qual esse grande missionário foi batizado. Impressiona muito ver o batistério no qual Francisco Xavier recebeu a água do batismo: uma peça de pedra do século XV. Sem dúvida alguma, esse objeto conserva-se até os nossos dias para que os peregrinos possam venerá-lo porque se trata de uma peça de pedra, nobre, inamovível. Assim como naquele batistério passou um são Francisco Xavier, espero que pelos nossos batistérios passem muitos que serão santos e que daqui a algumas décadas estaremos contando suas histórias.
O batistério também pode ser chamado de fonte batismal porque dela poderia jorrar água naturalmente, símbolo das águas das graças que jorram para nós; também poderia ser chamado de piscina batismal porque nela pode se realizar o batismo por imersão; por último, poderíamos chamá-lo de pia batismal. Independentemente da modalidade ou do nome, o importante é que seja uma peça digna e, de preferência, fixo, por causa da dignidade do sacramento do batismo, que nos faz filhos de Deus e membros do Povo sacerdotal.
Ao pensarmos no batistério, reflitamos sobre o nosso batismo: lá fomos chamados à santidade e ao apostolado. Sejamos fiéis à nossa altíssima vocação. Os franceses gostavam de dizer que “noblesse oblige”, isto é, que a nobreza obriga a viver costumes nobres. Se alguém era filho de rei, devia viver como príncipe, se o outro é filho de marquês ou de duque devia viver como tal. E nós? Quem somos? Filhos de Deus; logo, devemos viver segundo essa nova dignidade, conforme a nossa nobreza, mostrando os costumes nobres de alguém que é filho de Deus.
Há tempo comentou-se que “O Senhor dos Anéis”, de J. R. R. Tolkien, é a melhor literatura inglesa do século XX. Entre nós, na minha lista de boa literatura é também uma das obras que ocupa um lugar privilegiado. O livro, como se sabe, foi publicado em três partes, cada uma delas bem voluminosas e tituladas, respectivamente, “a comunidade do anel”, “as duas torres” e “o retorno do rei”. Frodo tem como missão destruir o anel do poderoso senhor da escuridão que mora na terra de Mordor. No livro fica bem claro que Frodo, ainda que seja o escolhido para essa missão, não está obrigado; ele é livre para realizá-la ou não. A resposta do personagem citado é positiva, ainda que sofra muito, deixe a comodidade da sua terra e parta com poucas coisas. Mas a sua missão salvará o seu povoado, Bolsão, cujos habitantes nem sempre são simpáticos. Muitos deles desconhecerão por completo as façanhas do pequeno hobbit.
Antes de sair do seu povoado, Frodo diz: “tenho que sair de Bolsão, abandonar a comarca, deixar tudo e ir… Eu gostaria de salvar a minha comarca se pudesse, ainda que alguma vez eu chegasse a pensar que os habitantes eram tão estúpidos que um terremoto ou uma invasão de dragões poderia acabar com todos, e seria um bem para eles. Mas agora eu não sinto a mesma coisa. Ao contrário, sinto que enquanto a comarca esteja a salvo, em paz e tranquila, as minhas peregrinações far-se-ão mais suportáveis. Saberei que nalguma parte há algo firme, ainda que eu nunca volte a pisá-lo”.
Mas, o que tem a ver tudo isso com o Batismo do Senhor? Em princípio, nada. No entanto, depois de escutar as palavras de Jesus a João e que dizem que “convém que cumpramos a justiça completa” (Mt 3,15), a historinha anterior começa a ser iluminada. A justiça, na Sagrada Escritura, é o cumprimento dos desígnios de Deus em Jesus Cristo. O plano de Deus para o mundo, para a humanidade e para cada ser humano em particular é um plano salvador. É impressionante: ainda que o mundo se posicione contra Deus, que a história mostre e demonstre que os homens desprezaram os planos de Deus e que nós pirracemos o Senhor e não o queiramos, Ele não responde aniquilando-nos, mas amando-nos, buscando-nos e dando-nos o valioso e incalculável presente da salvação, que é a nossa santificação total. O batismo de Jesus foi útil para nós: Jesus nos estava salvado enquanto era batizado. O batismo do Senhor foi uma poderosa epifania, manifestação, do Filho de Deus e o começo da sua vida pública.
Quando Jesus foi batizado “o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma de corporal” (Lc 21-22). Quiçá uma das coisas que mais tenhamos que lembrar aos batizados, na força do batismo de Jesus e no Espírito, é que devem ser santos e fazer apostolado, ou seja, o céu também deve se abrir para eles. A missão de evangelizar é função de todos na Igreja, cada um a realizará de acordo com a sua vocação. Entre as várias vocações que há na Igreja, gostaria de enfatizar o papel insubstituível da vocação laical, da qual faz parte a grande maioria de fieis na família dos filhos de Deus. Pois bem, o cristão leigo tem como missão injetar o espírito cristão nas estruturas seculares. Na prática, o querigma deve ser anunciado por ele através das mesmas circunstâncias da vida quotidiana e secular.
Lembrando que o cristão leigo não deve penetrar na sociedade. Ele já está nela, pois não é uma pessoa que saiu do mundo e foi devolvido ao mundo, mas uma pessoa que, entre os seus iguais, foi iluminado por uma graça que acenderá o genuinamente humano e suscitará o autenticamente cristão na sua vida e, paulatinamente, na de todos os que dele se aproximam. Tudo isso acontecerá desde dentro das mesmas estruturas temporais. A Carta a Diogneto, escrita pelo ano 120 d. C., imortalizou aquilo que nunca deveria desaparecer da consciência dos discípulos de Cristo: “assim com a alma está no corpo, assim os cristãos estão no mundo. A alma está espalhada em todas as partes do corpo, e os cristãos estão em todas as cidades do mundo. (…) Tal é o posto que Deus lhes determinou, e não lhes é lícito dele desertar”. Eia, pois, santidade e apostolado! Por quê? Por que somos batizados!
Padre Françoá Costa
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