Jerusalém, burrinhos e louvações
Domingo de Ramos – C – Lc 19,28-40; Is 50,4-7; Sl 21/22; Fl 2,6-11; Lc 22,14-23,56
Afirma São Lucas que “Jesus, caminhava à frente, subindo para Jerusalém” (Lc 19,28). Com efeito, já se disse muitas vezes que Lucas é o evangelista Lucas é aquele que gosta de pensar em Jesus como aquele que caminha rumo ao cumprimento de sua missão na cidade santa, Jerusalém. E esta é a semana do cumprimento! E nós, para onde estamos indo? Subimos para Jerusalém, lugar de encontro com Jesus em sua paixão e ressurreição, ou descemos rumo à Geena, lugar de apostasia, de holocauso, de podridão e de eterna condenação? Esses dias da Semana Santa oferecem a nós a oportunidade de tomarmos decisões. No final da nossa caminhada só existirá essas duas soluções: ou a Jerusalém celeste ou a Geena infernal.
Para continuar o nosso caminho rumo ao céu, temos que nos fixar na lição do burrinho, aquele animalzinho que aparece tantas vezes na Sagrada Escritura e que quase ninguém dá importância. Em Is 1,3 se lê que “O boi conhece o seu dono, e o jumento, a manjedoura de seu senhor, mas Israel é incapaz de conhecer, meu povo não é capaz de entender” (Is 1,3). Agora vocês entendem porque sempre colocamos um boi e um jumentinho perto do Menino Jesus no presépio que nós fazemos todos os anos. No dia de hoje, podendo Jesus escolher entrar em Jerusalém montado em um cavalo, animal bem mais nobre que o jumento, escolhe o jumentinho. Esse animalzinho aparece, portanto, no começo e no fim da vida de Jesus Cristo, em Belém e em Jerusalém, no nascimento e na morte.
Há um livro bem interessante publicado pela editora Quadrante cujo título é “Lições do burro”, no qual o autor, Hugo de Azevedo, expressa esse animal da seguinte maneira: “Orelhas grandes, como antenas… Parece burro, mas não perde um som nem um gesto. Todo ele é atenção, vigilância, prontidão. E entende tudo o que lhe dizem: a um estalido, para; a um assobio, trota; a uma “arre”, apressa-se; a um toque, vira; a um puxão, inclina-se… Nem precisa de palavras. Antes fosse a nossa consciência tão sensível assim à voz de Deus!” Parece que estamos a escutar de novo o profeta Isaías quando diz que o boi e o jumento entendem, mas o povo de Israel não tem inteligência espiritual. Queira Deus que cada um de nós seja mais inteligente, espiritualmente falando, e mais espertos que os jumentos. Deus, para nos impulsionar, nos ensina até através dos animais irracionais. Quando aprenderemos a estar mais atentos à voz de Deus e a entender suas lições? Quando nos converteremos? Por vezes o cristão falta até à Missa dominical, não lê a Bíblia, não presta atenção em uma pregação… Como vai entender se não tem nem o que entender na cabeça? Lembrem-se que a conversão passa pela mudança de mentalidade. Converter-se é, em primeiro lugar, mudar os nossos pensamentos, isto é, a nossa mentalidade mundana e pagã passa a ser uma nova mentalidade, a cristã católica.
Nós que já estamos na Igreja, por vezes temos também algumas ideias bem burras. Vejam só: enquanto a multidão “estendia suas próprias vestes no caminho” (Lc 19,36) e honravam Jesus Cristo com seus louvores e cantos, talvez o burrinho pensasse que todas aquelas honrarias eram para ele, pois, afinal das contas era ele quem tocava com suas patas as roupas do povo e também via a multidão bem animada cantando louvores. Será que ele não pensaria em algum momento que tudo aquilo era para ele, esquecendo quem o montava? Por vezes somos assim, roubamos a glória de Deus com o nosso orgulho. Em lugar de exaltar o nome de Jesus, exaltamos o nosso; em lugar de servir a Deus, servimos a nós mesmos; em lugar de buscar o Reino de Deus, buscamos o nosso sobre todas as coisas. Há pessoas que só servem a Deus se Deus as servir e ai de Deus no dia em que ele não lhes atender alguma oração ou, quiçá, algum capricho: ficam magoadas com Deus, deixam a Igreja, blasfemam. Rezemos pela conversão dos “burrinhos” revoltados, os quais, por buscarem glória própria no serviço de Deus, acabaram por arruinar-se no vazio existencial de uma vida sem sentido.
Por último, antes de Jesus Cristo entrar em Jerusalém, os fariseus querem que Nosso Senhor repreenda aquelas pessoas que louvam o Nome Santo. De minha parte e na visão de todos os católicos, todos os que louvam o nome do Senhor são bem-vindos, pois “se eles se calarem, as pedras gritarão” (Lc 19,40). Qualquer pessoa, mesmo que não esteja na Igreja verdadeira, se louva o nome de Jesus Cristo é a nosso favor. Na sociedade atual, precisamos somar forças pela defesa do bem, dos valores, da família, dos bons costumes. Há muitos que não louvam o nome do Senhor, por isso precisamos valorizar o trabalho de todos aqueles que louvam o nome do Senhor e não calar-lhes a boca. Essa nossa percepção não nos leva ao indiferentismo religioso, pois não estamos a afirmar com isso que todas as religiões são iguais ou que todas as igrejas são verdadeiras. Não. Contudo, é preciso deixar que todos louvem o nome do Senhor, que colaborem com uma sociedade melhor, que façam a sua parte e, nesse contexto, nós também louvamos o Senhor com essas pessoas.
Por último, a minha mente não pode deixar de pensar, no vasto cenário dessa procissão de domingo de ramos, onde se encontra Nossa Senhora, Maria, a Mãe de Jesus? Certamente estaria no meio da multidão, louvando o nome de Jesus, e, ao mesmo tempo, dolorosa, pois ela sabia perfeitamente em que acabaria toda essa louvação: na sexta-feira santa Judas seria um traidor, Pedro seria um negador, o povo gritaria a crucificação do seu Filho, seus discípulos se afastariam dele: um cenário verdadeiramente dramático! Em meio a tantas deslealdades, nós, os que estamos começando a Semana Santa, vamos fazer como o apóstolo mais novo de Jesus Cristo, o jovem São João, que ficou bem perto de Maria e, por isso, permaneceu fiel ao Senhor, inclusive aos pés da cruz.
Padre Françoá Costa
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