Cartas de Cristo
V Domingo da Quaresma – C – Is 43,16-21; Sl 125/126; Fl 3,8-14; Jo 8,1-11
Jesus foi para um de seus lugares preferidos para a oração, o monte das oliveiras (Jo 8,1). Foi rezar, pois parece que já via que no dia seguinte, viria ao seu encontro uma grande pecadora. O exemplo de Jesus Cristo é maravilhoso: prepara a vinda dos pecadores com sua oração perseverante, pois quer amolecer o coração deles colocando-os na água da sua oração. Desta maneira, aceitarão livremente as propostas de Deus para suas vidas.
“Antes do nascer do sol” (Jo 8,2), Jesus começa sua tarefa de boa doutrina e ressuscita espiritualmente uma pobre pecadora. A expressão “antes do nascer do sol” pode ser uma alusão à sua própria ressurreição. Ele ressuscita o seu próprio corpo morto, unindo-o à sua alma; ele ressuscitou a alma da mulher, unindo-a ao seu corpo. Isso mesmo, no caso de Jesus, a ressurreição implica união de corpo e alma, pois estavam separados por causa da verdadeira morte. No nosso caso, há uma ressurreição de uma alma morta pelo pecado e que, portanto, não conseguia animar direito nem dominar o próprio corpo.
Vocês já notaram que quando há um pecado mortal na nossa vida, ficamos desanimados, sem controle, sem vontade de rezar? É que a alma está morta, sem forças; consequentemente, o corpo fica como que desanimado, sem auto domínio. É simplesmente terrível. Com o passar do tempo, o pecador pode ficar cada vez mais empedernido no mal e não perceber mais suas próprias reações de tédio e desolação, ainda que sempre fique, lá no fundo da alma, a sensação de vazio. Ao contrário, nós, os pecadores normais, que procuram o caminho da conversão constante, ficamos com um agridoce na boca e procuramos o perdão de Deus, sua misericórdia, o sacramento da confissão.
A pobre pecadora de hoje é uma mulher; seu pecado, o adultério; sua pena, o apedrejamento, segundo a legislação estabelecida em Dt 22,22: “Se um homem for pego em flagrante deitado com uma mulher casada, ambos serão mortos (…). Deste modo extirparás o mal em Israel”. Era uma maneira muito prática de acabar com a maldade entre os povos antigos: matar quem fez o mal; desta feita, não existindo o pecado, tampouco existirá o pecado. Nós, os cristãos, católicos e protestantes, praticamos um pouco essa lei do Antigo Testamento, durante um período da idade média, porém no que se refere ao adultério contra a fé, que é a heresia: para que não existisse o pecado da heresia, a gente colocava os hereges na fogueira. Queimados os hereges, queimadas igualmente as heresias!
Hoje em dia, nós já entendemos que este não é o caminho. Para solucionar esse problema dos pecados no meio da humanidade, o melhor é escrever: “Jesus, inclinando-se, escrevia no chão com o dedo” (Jo 8,6). Assim como no Antigo Testamento, Deus escreveu os dez mandamentos com o seu dedo (Ex 31,18), ele prometeu escrever em nossos corações as suas leis (Jr 31,33). Pelo Sacramento do Batismo, portanto unidos à morte e à ressurreição de Jesus, cada um de nós se torna “uma carta de Cristo, entregue ao nosso ministério, escrita não com tinta, mas com o Espírito de Deus, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, nos corações” (2 Cor 3,3). Depois do batismo, fomos entregues ao ministério da Igreja, por isso, sempre que estivermos mortos pelo pecado, o poder da Igreja conferido pelo próprio Cristo pode nos ressuscitar espiritualmente no sacramento da confissão. Novamente, poderemos voltar a ser cartas de Cristo.
Tudo isso causa em nós uma consciência diferenciada. Até os escribas e os fariseus, diante das palavras de Jesus, “sentindo-se acusados pela própria consciência” (Jo 8,9), retiraram-se. Está claro que tanto a mulher quanto aqueles zelosos custódios da lei de Moisés sentiam-se acusados, quiçá também se viam acusados todos aqueles que vieram para escutar a Jesus e inclusive o homem que cometeu adultério com aquela mulher. A consciência da mulher adúltera a acusava; talvez, no começo, menos por ter pecado contra Deus que pelo fato de ter sido flagrada. Ao encontrar-se com Jesus, aquela mulher foi mudando de atitude: tendo Jesus diante de si, escrevendo no chão algo desconhecido, numa atitude paciente e acolhedora, a mulher adúltera foi percebendo que estava diante de alguém que a compreendia de verdade, mas não aprovava o seu pecado.
A consciência dos fariseus e escribas também não os deixava em paz, eles também tinham Jesus diante de si, também contavam com a compreensão do Senhor e, no entanto, não se arrependeram. Sentiram-se acusados sem arrependimento. De fato, existem momentos em que podemos sentir-nos acusados sem nenhuma referência a Deus, simplesmente por orgulho e amor próprio. Essa “acusação da consciência” não começa nem termina em Deus.
Aproximemo-nos cada vez mais do “do trono da graça, a fim de alcançar misericórdia e achar graça de um auxílio oportuno” (Hb 4,16), pois faltam poucos dias para que celebremos a Páscoa do Senhor, o acontecimento central da história da humanidade. Nesses dias, estamos procurando receber a graça e a misericórdia no sacramento da confissão. Daí a importância de que nos sintamos acusados no mais íntimo do nosso ser; que a nossa consciência, esse sacrário de Deus donde ele nos fala, se sinta sacudida nesses dias. Vamos, de fato, ressuscitar espiritualmente: a alma voltará a animar o corpo e dominá-la.
Não tenho dúvida que o irmão que tem esse texto diante dos olhos nesse exato momento sabe o que é o exame de consciência. Caso me permita, vamos falar um pouco mais dessa prática cristã tão antiga e tão atual. Ao examinarmo-nos todos os dias, deveríamos pedir ao Senhor que nos ajude a ver as nossas atitudes como ele as vê: os nossos pensamentos, as nossas palavras, os movimentos mais íntimos do nosso coração e todas as nossas ações. Desta maneira, a acusação que a consciência provoca em nós diante duma ação má, começará e terminará em Deus provocando uma espécie de tristeza salutar: “a tristeza segundo Deus produz um arrependimento salutar de que ninguém se arrepende, enquanto a tristeza do mundo produz a morte” (2 Cor 7,10).
O exame de consciência, especialmente para os que começam a fazer essa prática piedosa, poderia reduzir-se a três perguntas. A primeira: o que eu fiz de bom no dia de hoje? Essa pergunta ajuda não só a dar glória a Deus por todo o bem que ele nos fez, mas também a ser otimistas e não ficar pensando que tudo vai mal. Não é falta de humildade reconhecer os nossos talentos e dons se esse reconhecimento vai acompanhado de ação de graças: obrigado, Senhor! Segunda pergunta: o que eu fiz de mal? Neste momento veremos, com calma e dor de amor, que ofendemos o nosso Deus que é amor, que somos ingratos, que pecamos: perdão, Senhor! A terceira pergunta inclui o desejo de alcançar algumas metas na vida espiritual: o que eu posso fazer melhor? Muitas coisas, mas é preciso especificar: amanhã não xingarei, terei mais paciência com o meu patrão, não ficarei olhando as mulheres que passam pela rua, não darei “patadas” nos outros etc. Peça: ajuda-me, Senhor! Termine com um ato de contrição: “Senhor Jesus, Filho de Deus, tende piedade de mim, que sou um pecador.” Amanhã, será um dia melhor. Ah, se você percebeu que precisa se confessar, não perca tempo: peça o Sacramento da Confissão, ainda hoje se possível.
“Acaba sempre o teu exame com um ato de Amor – dor de Amor –: por ti, por todos os pecados dos homens… – e considera o cuidado paternal de Deus, que afastou de ti os obstáculos para que não tropeçasses” (S. Josemaría Escrivá, Caminho, 246). Para aqueles que já são acostumados a fazer o exame de consciência, eu diria que é importante formular algumas perguntas que tenham a ver com o estado atual da própria alma e aprofundar mais na contrição, no arrependimento.
Padre Françoá Costa
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