Homilia Domingo da 8º semana do tempo comum | Ano C

Três coisas importantes para o dia de hoje

8º Domingo do Tempo Comum – C – Eclo 27,5-8; Sl 91; 1 Cor 15,54-58; Lc 6,34-45

[Resumo: Recuperar a visão da fé, para ser quais árvores frondosas e frutíferas, não sem esquecer o bom coração e as boas palavras são as mensagens do Evangelho que nós lemos hoje no santo sacrifício da Missa]

Uma leitura simples e atenta ao texto do Evangelho faz-nos atentos a três momentos: a importância da visão e do discipulado (Lc 6,39-42); a comparação do discípulo com as árvores frondosas e frutíferas (Lc 6,43–44); a atenção que se deve dar ao coração, que deve ser bom, para pronunciarmos palavras boas (Lc 6,45).

De fato, a fé é uma maneira de ver as coisas, é um tipo de visão: quem tem fé enxerga diferente daqueles que não a tem. Um exemplo de visão limpa é a carta que o Presidente da Conferência Episcopal da Polônia, Dom Stanislaw Gadecki escreveu ao Presidente da Conferência Episcopal Alemã, Dom Georg Bätzing, do dia 22 de fevereiro de 2022, afirmando que o caminho que a Igreja na Alemanha tem andado (Caminho Sinodal) nos últimos meses não tem sido católico porque não tem o Evangelho como a base da reflexão desse mesmo Caminho. O lúcido bispo polonês afirmou que a Igreja na Europa está passando por uma crise de fé, com estas palavras: “A crise de fé é uma das razões pelas quais a Igreja experimenta dificuldades para proclamar a doutrina clara na fé e na moral”. Ele chega a dizer que a Igreja Católica encontra-se sob pressão para afastar-se dos ensinamentos de Jesus. Diante desse momento a autoridade dos bispos e do Papa é muito necessária. De fato, nós, os pastores, não podemos ser quais cães que não ladram diante do lobo que se aproxima.

Pelo contrário, Thomas Jefferson, um dos pais fundadores da nação americana e presidente dos Estados Unidos, no início do século XIX, resolveu retalhar a Bíblia, pois, para ele, o Evangelho contém frases vindas diretamente de Jesus, que são sublimes e sábias, mas contém também expressões triviais e tolas vindas de apóstolos sem cultura. A “tesoura de Jefferson” retalhou a Escritura e fez uma Bíblia moderna.

Estamos diante de um perigo atual. E, contudo, se retirarmos o Evangelho da nossa mente e do nosso coração, simplesmente perdemos o norte, a direção, não estaremos mais indo para o céu, mas a qualquer lugar que qualquer pessoa ignora. Seremos todos cegos a guiar outros cegos, porque não teremos a luz. Neste domingo, temos que deixar bem claro: a nossa luz é a Fé Católica segundo foi vivida nos últimos dois mil anos, que se encontra na grande Tradição, tão bem expressa no Catecismo da Igreja Católica. Isto é, a nossa luz é o Evangelho, Jesus Cristo como nossa boa nova e a boa nova que ele nos trouxe. Os católicos que não entendem nem vivem assim, não servem a Deus, não tem a luz do alto e não podem guiar os outros; se o fazem, vão cair todos em um buraco eterno chamado inferno.

Os nossos olhos, iluminados pela Fé Católica, olham para as árvores frondosas e frutíferas plantadas durante os últimos dois milênios e ficam encantados. Percebemos que os santos, quais árvores maravilhosas, guardam em suas próprias vidas a Tradição viva da Igreja. Não são os desenvolvimentos das ciências que devem guiar a nossa interpretação do texto bíblico, mas a vida dos santos. De fato, faz parte das ciências um constante desenvolvimento: coisas que, em determinado omento, são tidas como muito certas cientificamente, depois de novos experimentos, já não são tão certas. Uma das tentações pela qual a Igreja tem passado, últimos anos, segundo o bispo polonês escrevendo ao bispo alemão, anteriormente citados, é a de “atualizar” o Evangelho para não deixar Jesus no ostracismo, curiosamente os cristãos mundanizados querem “modernizar” especialmente aqueles assuntos que se referem à sexualidade humana. Ao contrário, precisamos dessas árvores bem plantadas, fortes, grandes, que absorvem o gás carbônico dos males atuais e produzem o oxigênio necessário à nossa sobrevivência rumo à vida eterna.

Os nossos antepassados santos viveram a fé de tal maneira que, para nós, são essas pessoas de visão, que continuam a mostrar-nos com segurança, através do exemplo de suas vidas, acompanhado de suas palavras, o caminho rumo ao céu. Para ilustrar o que dissemos, no dia posterior ao texto do corajoso bispo polonês, a Igreja celebrou a memória de São Policarpo, no dia 23 de fevereiro, o qual foi discípulo de São João, e este o foi de Jesus Cristo. São Policarpo foi bispo de Esmirna, atual Turquia, e foi queimado vivo no ano 155 por causa da Fé que ele professava, a Católica. A narração do martírio de São Policarpo é impressionante: diante da fogueira já pronta para queimá-lo, “amarrado com as mãos para trás, Policarpo era como um cordeiro escolhido, tirado de um grande rebanho para o sacrifício, uma vítima agradável preparada para Deus”. Quando os algozes acenderam a fogueira na qual São Policarpo foi queimado, “o fogo tomou a forma de uma abóbada, como a vela de um barco batida pelo vento, e envolveu o corpo do mártir por todos os lados; ele estava no meio, não como carne queimada, mas como um pão que é cozido ou como a prata incandescente na fornalha. E sentimos um odor de tanta suavidade que parecia se estar queimando incenso ou outro perfume precioso”.

Ora, não sabemos se o testemunho de fé de cada um de nós chegará um dia a esse momento supremo, o do martírio, porém, certamente, ninguém testemunhou sua fé interpretando-a ao gosto do mundo. Se for preciso ser queimado por ser fiel a Jesus Cristo e à Fé Católica da Tradição, por que não? É bem provável que hoje em dia não nos queimem, pois há formas mais modernas de matar um cristão. Diante de situações cada vez mais constrangedoras para um católico que tem a Fé dos Apóstolos, é preciso ter no coração aquele belo texto de São Paulo sobre o combate espiritual e recordar que “o nosso combate não é contra o sangue nem contra a carne, mas (…) contra os Dominadores deste mundo de trevas, contra os Espírito do Mal” (Ef 6,12). 

Quem não quiser combater conosco, que não atrapalhe. Isso mesmo, há cristãos que, nos tempos atuais, fazem um desserviço à Fé. Como? Através de sua mentalidade relativista e de sua linguagem dúbia, de seus questionamentos contra a fé e de sua vida mundanizada, de sua moral rebaixada e de seus costumes frívolos.

O terceiro aspecto que precisamos considerar é a atenção que se deve dar ao coração, o qual deve ser bom, para pronunciarmos palavras boas (Lc 6,45). Para ter um coração bom, é preciso purificá-lo e formá-lo no Coração de Cristo. Nós, cristãos, precisamos mostrar aos nossos contemporâneos o Homem perfeito e Deus perfeito, Jesus Cristo. Não mostraremos uma caricatura de “deus”: o cristianismo sempre apresentou o “Cristo crucificado (…), força de Deus e sabedoria de Deus” (1 Cor 1,23-24). É precisamente aqui que, contando com a graça de Deus, temos que empreender o caminho da luta, da mortificação, da ascese, da guerra contra nós mesmos. 

O nosso coração não deve ser um coração endurecido, mas deve ser firme, rijo, com os sentimentos que estão no coração do Senhor (Fl 2,5). Para isso, há que ter presente o ditado popular que reza assim: “olhos que não vêem, coração que não sente”. Entre as penitências que podemos fazer, especialmente no tempo da Quaresma, estão aquelas que trabalham os nossos sentidos externos – tato, paladar, visão, olfato e audição – e a imaginação, que é um sentido interno.

Com a finalidade de purificar o coração, queria indicar, para o tempo da Quaresma que se aproxima a penitência da visão, da audição e da imaginação. As três penitências nos ajudarão em grande medida na purificação do coração. Não precisamos ver tudo, nem escutar tudo, tampouco precisamos fazer fábulas de intriga com a imaginação ou “louca da casa”. O que fazer nesse tempo de oração, penitência e esmola que terá início na próxima quarta-feira de cinzas? Não ver coisas imorais é um começo cheio de firmeza. Poderia ser um propósito firme para os próximos quarenta dias: não ver, de jeito nenhum, nada imoral; se por acaso, involuntariamente, o ver, desviar imediatamente os olhos daquelas cenas. Outra penitência importante será não escutar músicas que não edificam, com letras infames, como é o caso de várias hoje em dia. Um católico de verdade tem que se sentir incomodado com algumas letras e muitas melodias que são a nova onda da música. Finalmente, será preciso mortificar a imaginação pois, de fato, há pessoas, que por terem a “louca da casa” verdadeiramente desmiolada, andam por aí a construir verdadeiros mundos e universos sobre os outros que não tem nada a ver.

Além dessas penitências importantíssimas, não nos esqueçamos daquelas que a Igreja estabelece no seu próprio direito, ou seja, as quartas-feiras de cinzas e as sextas-feiras da Paixão são dias de penitência em toda a Igreja que obrigam os católicos ao jejum e à abstinência. Todas aquelas pessoas que já completaram 14 anos estão obrigadas à abstinência; ao jejum estão obrigados somente os que já completaram 18 anos. Não obstante, depois dos 60 anos já não há obrigação de fazer jejum. A abstinência consiste em não comer carne nesses dois dias do ano; por isso existe o costume de comer peixes e ovos nesses dias.

E o jejum? Como fazê-lo? É suficiente atuar segundo o seguinte princípio: fazer apenas uma refeição completa, as outras duas refeições devem ser incompletas. Na prática: um cafezinho simples, almoço normal, sem lanche e, em lugar do jantar, um lanchinho. E quem quiser fazer mais do que isso? É só fazer. Contudo, é importante que o nosso jejum não diminua a intensidade do nosso trabalho e a nossa atenção caridosa para com os outros. Fazer jejum a pão e água, mas ficar mal humorado e trabalhar sem vibração seria um contrassenso.

Certamente, tudo isso purifica o nosso coração e aumenta nossa visão de fé. Desta maneira, falaremos sempre as palavras de Deus, já que “a boca fala daquilo de que está cheio o coração” (Lc 6,45).

Padre Françoá Costa
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