Conhecer-se e conhecê-lo
7º Domingo do Tempo Comum – C – 1 Sm 26,2-23; Sl 102; 1 Co 15,45-49; Lc 6,27-38
[Resumo: O conhecimento próprio e o conhecimento de Deus são as chaves para que, finalmente, admiremos e vivamos as atitudes de misericórdia que observamos que Jesus Cristo tem no Evangelho. Conhecer-se a si mesmo e conhecer Jesus Cristo devem ser atividades constantes na vida de um bom cristão]
Não ter conhecimento sobre si mesmo é a causa de tantos erros na própria vida. Pensamos que somos o que não somos e não consideramos o que realmente somos. Frequentemente sofremos à toa, simplesmente porque não nos conhecemos. O desconhecimento de quem somos pode levar-nos inclusive à depressão quando vemos a nossa imagem desfigurada por alguém. O que acontece é que essa imagem que formamos de nós mesmos não é a nossa verdadeira imagem, mas uma mera caricatura. Não serve para nada! Qual é a nossa verdadeira imagem, então?
A falta de conhecimento próprio pode levar-nos tanto à baixa estima quanto à vanglória. Alguns “se vangloriavam como se fossem justos, e desprezavam os outros” (Lc 18,9). Somos orgulhosos, temos uma glória vã, porque não nos conhecemos. Uma das consequências é a falta de critério em relação às nossas ações e às dos outros: excessivo rigor para com os outros, extrema misericórdia para conosco mesmos. Tudo isso tem importância enorme para compreender o que se diz no texto do Evangelho da Missa de hoje: “Amais os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam” (Lc 6,27). Isso mesmo! Como as pessoas não se conhecem, julgam-se muita coisa, desprezam os outros e, consequentemente, não conseguem viver o amor fraterno. É preciso conhecer a própria miserabilidade e ver que o outro é semelhante e, portanto, a miséria do outro é algo a ser levado em conta também. Faz falta lutar contra as próprias fraquezas, entender que os outros são fracos e nossos semelhantes e, consequentemente, ter em conta que eles também estão lutando contra suas próprias fraquezas. Compreensão!
São Josemaría Escrivá deixou escrito: “Nunca queres esgotar a verdade”. – Umas vezes, por correção. Outras – a maioria-, para não passares um mau bocado. Algumas, para evitá-lo aos outros. E, sempre, por covardia. Assim, com esse medo de aprofundar, jamais serás homem de critério” (Caminho, 33). Não adianta! Enganar-nos a nós mesmos não é o caminho.
Conta-se que Dionísio I de Siracusa pensava de si mesmo que era um poeta excelente, tanto era assim que um belo dia se alegrou de ler os seus versos diante de Filoxeno, um autêntico poeta. Ao terminar, o poeta criticou os versos de Dionísio. Este, como um verdadeiro tirano e sem respeito à opinião dos outros, mandou prender a Filoxeno sem maiores explicações. Mas, depois de alguns dias, compôs outros versos e tanta foi a sua curiosidade em saber a opinião de Filoxeno que o mandou trazer da prisão e leu novamente as rimas que compusera. O poeta, depois de escutar, disse aos guardas que o tinha conduzido à presença do rei: “Devolvei-me à prisão”.
Como nos conhecer? Em primeiro lugar, dispondo-nos a obter esse conhecimento com humildade para aceitar-nos como somos. Deus nos ama não apesar de sermos dessa ou daquela maneira, mas com tudo o que somos e temos. É diante de Deus que alcançaremos o verdadeiro conhecimento sobre nós mesmos, pois nos conhece melhor que nós mesmos. Em segundo lugar, é muito importante perder o medo de chamar as coisas pelo nome: soberba, preguiça, gula, luxúria, etc. Nada de eufemismos como: autoafirmação do eu, falta de disposição, apetite abundante para a mesa ou para a cama etc. Quando não tivermos medo de saber quem somos, isto é, sem assustar-nos e quando saibamos conviver pacificamente conosco mesmos, lutando por ser melhores, o nosso conhecimento próprio irá de progresso em progresso.
É interessante que às vezes não dizemos algumas verdades às pessoas porque sabemos que vão se ofender ou que ficarão brabas, ou ainda, que deixarão de falar conosco. Será que Deus não nos dá um maior conhecimento sobre nós mesmos porque sabe que ficaríamos irritados, não nos aceitaríamos ou, ainda, colocaríamos a culpa nele? Como é importante dizer ao Senhor: “Pode me mostrar, Senhor, quem sou eu. Por favor, me mostra pouco a pouco, à medida que me prepares, mas, não deixe de fazer com que eu progrida nesse conhecimento”. A sinceridade com Deus é muito importante, e o mesmo se diga da sinceridade para com os demais. Dessa maneira, seremos homens e mulheres de critério, de personalidade, firmes.
Os santos se consideravam tão pouca coisa e, ao mesmo tempo, eram muito conscientes da sua dignidade de filhos de Deus, a tal ponto de ignorar as ofensas pessoais que os outros pudessem dirigir-lhes. Sabiam que qualquer coisa que os outros pudessem dizer deles ainda era pouco diante daquele conhecimento que Deus lhes ia concedendo. E, no entanto, esse conhecimento os mantinha em paz porque estava fundamentado no fato de sentirem-se filhos muito amados de Deus e na humildade cada vez maior que Deus lhes concedia.
Ao conhecermos-nos a nós mesmos, tampouco iremos por aí alardeando: pobre de mim! Eu sou tão pequeno, tão humilde, não sei fazer nada. Uma das frases mais bonitas daquele delicioso romance de Dickens, David Copperfield, é a seguinte: “estou convencido que o homem que sabe o que vale não deixa de ser modesto”, com autêntica modéstia e com otimismo. Para ajudar no nosso conhecimento próprio, um propósito que poderíamos fazer nesse domingo é o de realizar, diariamente, o nosso exame de consciência. Talvez sejam úteis essas três perguntinhas: no dia de hoje, o que eu fiz de bom? O que eu fiz de mal? O que eu posso fazer melhor? A cada uma dessas perguntas correspondem três atitudes, respectivamente: agradecer, pedir perdão, pedir ajuda.
Fica ainda outra matéria importantíssima para termos essa misericórdia e gratuidade, esse amor aos inimigos do qual nos fala Jesus no Evangelho de hoje. Qual? Conhecer o próprio Jesus Cristo para imitá-lo melhor. Como? Através das páginas do Evangelho, ou seja, deveríamos ler todos os dias algum trecho do Evangelho, que é o coração das Escrituras Sagradas. Temos que empapar-nos na vida de Cristo, conhecê-la muito bem, apaixonar-nos por essa vida santa, tê-lo como nosso único Senhor e Salvador. Quem conhece e ama Jesus Cristo de verdade, não tardará muito a ter as mesmas atitudes: perdoar, compreender, amar.
Certamente, existem outras maneiras de conhecer o Senhor, mas elas, para nós, dependem igualmente do Evangelho, como um momento de oração. Outra maneira de conhecer Jesus Cristo é participar, cada vez mais intensamente, do santo sacrifício da Missa, isto é, estar aos pés da cruz de Jesus ajuda a entender os seus gestos de misericórdia, uma vez que vamos assimilando de maneira real o maior ato de amor de Deus: sua morte na cruz para salvar os pobres pecadores, você e eu.
Padre Françoá Costa
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