“Dei-vos o exemplo”
Passaram-se dois mil anos e essas palavras ainda ressoam nos nossos ouvidos: “dei-vos o exemplo”. A história da Igreja está cheia de santos, homens e mulheres que souberam dar a sua vida por Cristo, seguindo fidelissimamente o Senhor Jesus: desde S. Pedro e os demais apóstolos, passando por S. Maria Madalena, S. Inês, S. Bento, S. Francisco de Assis, S. Tomás de Aquino, S. Teresa D’Ávila, S. João Maria Vianney, S. Teresa do Menino Jesus, até os santos mais recentes como S. Josemaría Escrivá e o futuro São João Paulo II, todos foram luzes acesas mostrando-nos em cada momento da história por onde teríamos que ir, ou seja, pelo Caminho, por Cristo.
Ao lado dos grandes exemplos de caridade e de serviço ao próximo, houve aqueles que não quiseram servir a exemplo do Senhor. Judas o traidor, Juliano o apóstata, tantos hereges e tantos cismáticos; tanta gente que nós não podemos julgar, mas que deixaram atrás de si a marca suja e nojenta de um contra testemunho que também perdurou.
Quanto se exige dos cristãos! Aqueles que nos olham desde fora, porque ainda não pertencem a essa grande família de filhos de Deus, gostariam de ver que nós somos mais desapegados dos bens materiais do que os outros, mais dados às obras de caridade; pedem de nós pureza de coração, castidade e uma vida de oração que seja condizente com aquilo que nós pregamos. Enfim, querem ver santidade em nós. Querem ver que vivemos unidos. Hoje, por exemplo, quinta-feira santa: quão bonito ver o bispo e o clero, assim como tantos outros fiéis, reunidos para celebrar um momento que expressa a comunhão eclesial na Missa do Crisma! Essa unidade é tão somente para essa manhã ou é algo permanente entre nós?
Quantas palavras bonitas: diálogo, comunhão, fraternidade, serviço, caridade, solidariedade! Mas… dentro dos grupos da igreja, quanta rivalidade! Entre os movimentos, quantos desejos de ocupar o primeiro lugar para assemelhar-se às estrelas! Entre tendências legítimas, todas católicas, quanta falta de respeito à opinião dos irmãos! Em relação aos êxitos dos outros que trabalham por Cristo como nós, quanta inveja! Há muito que purificar, há muito que melhorar, há muito por amar.
Jesus pede a cada um de nós o esforço por lavar os pés dos outros, segundo o exemplo que ele nos deixou. Quanto custa! Especialmente quando os pés a serem lavados são ásperos, fedem e têm calos. Suportar a carga não é fácil! Conviver com um irmão chato, demasiado calado ou demasiado loquaz, é sempre mais difícil que conviver com um santo. Mas não podemos esperar que somente os outros sejam santos devido à nossa colaboração, mas também aproveitar as debilidades dos outros para santificar-nos.
O exemplo de Cristo é um serviço materializado, não em geral ou em abstrato. De fato, viver a caridade com o Papa ou com um Presidente é sempre mais fácil que com aqueles que temos perto de nós. É somente quando se vive lado a lado que se percebem as qualidades do outro. Também percebemos os defeitos: o mau olor de uma pessoa, o mau hálito da outra, a pouca ou nula boa educação de um terceiro. É nessas circunstâncias que fica mais difícil viver a caridade e o espírito de serviço.
Caso se queira servir bem e promover a unidade, será preciso evitar as atitudes de três senhores, a do Sr. Perfeito, a do Sr. Tranquilo e a do Sr. Tragédia. Na homilia de amanhã, vou explicar como eu conheci esses personagens imaginários. De momento, basta com caracterizá-los um pouco.
O Sr. Perfeito é muito exigente com os outros, ainda que frequentemente o seja pouco consigo mesmo. A sua atitude geralmente é orgulhosa; tem uma visão de águia, não pela amplidão, mas porque olha a todos por encima do ombro e vive ignorando as pessoas. O Sr. Perfeito pensa de si para si, sobre si e consigo mesmo. Ele acha que todos sabem muito, mas muito menos que ele; que muitos podem até ser bons, mas ele é o melhor; que muitos podem até ir à Missa e fazer umas quantas obras de caridade, mas ele vai a todas e vive gastando dinheiro em boas obras. O Sr. Perfeito amiúde é capaz de ficar verdadeiramente irado se alguém faz uma coisa melhor do que ele ou quando um “fulaninho” ousa contradizer as opiniões dele. Ao fim e ao cabo, o Sr. Perfeito sempre tem a razão. Quase canonizável, o Sr. Perfeito sabe muito bem para que servem os outros… para admirá-lo.
Já o Sr. Tranquilo, diferente do seu vizinho, o Sr. Perfeito, é de uma indiferença que impressiona: não se preocupa com ninguém, isso não é da sua conta, aquilo não lhe compete, aquele problema já se resolverá; quanto às necessidades dos outros que são meramente temporais, tudo se solucionará com o tempo, pensa ele. A crise econômica é, segundo ele, somente coisa dos políticos. Que estranho há em tudo isso? Nada. O Sr. Tranquilo é… tranquilo. Ele simplesmente não se preocupa! Para que servem os outros? Para fazer aquelas coisas que ele, para não fatigar-se, não ousa desafiar a própria preguiça e a indiferença em relação aos seus semelhantes.
Há um terceiro indivíduo, o Sr. Tragédia. Que coisa tão horrível! Não me diga! Isso aconteceu de verdade! Eu sabia! Eu tinha avisado para ele não se juntar com aquele indivíduo! Socorro! Alguém pode me tirar desses apuros! Essas e outras exclamações são comuns na boca do Sr. Tragédia. Ele sabe muito bem chamar a atenção e é consciente de que os outros servem para manifestar admiração diante do que ele conta e para sentir compaixão da situação tão complicada pela qual ele está passando quase eternamente. Sem dúvida, ninguém o entende, alguns o esquecem, todos são indiferentes às dores dele. No fundo, ele queria que o mundo se prostrasse aos seus pés para servi-lo e visse quão necessitado ele se encontra do serviço de todos e de todas. Ele, no entanto, permanece sempre como a vítima única e absoluta.
Fico até a imaginar se um dia o Sr. Perfeito, o Sr. Tranquilo e Sr. Tragédia se encontrarem! Uma coisa está clara, nenhum desses senhores gostam de servir segundo o exemplo de Jesus. Eles desejam ser servidos. Nós, ao contrário, queremos evitar que na nossa vida entre a triste caricatura desses senhores que, de alguma maneira, já estão presentes na nossa vida. Queremos dizer a Cristo todos os dias: “Senhor Jesus, eu te servirei, hoje e sempre, concretamente, em tudo o que Senhor me pedir e em cada ocasião. Senhor, ajuda-me!” Assim a nossa comunhão fraterna será cada vez mais real e tangível.
Pe. Françoá Costa
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Também eu servirei como Deus quer!
Ao ver o exemplo do nosso Mestre Jesus, sentimo-nos encorajados a colocar mãos à obra, a trabalhar pelo seu reino servindo os nossos irmãos. Para isso é importante deixar de lado o egoísmo que tantas vezes nos impede de realizar o bem que gostaríamos de fazer.
É possível que você tenha conhecido uma dessas pessoas que encontram verdadeiro prazer em prestar pequenos serviços e ajudar os outros. Como nos sentimos edificados diante de tais pessoas, parece que vemos nelas o ideal para a nossa vida. Mas, ai… grita o egoísmo que há em nós que é melhor não complicarmos a vida! Mas, ao contrário, uma atitude autêntica de serviço, de altruísmo e de caridade cristã só é possível quando nos decidimos a complicar a própria vida por amor a Deus e aos nossos semelhantes. Olhem só: Jesus sendo Deus verdadeiro e homem verdadeiro se põe a lavar os pés dos seus.
O Tríduo Sacro, que começa com a Missa vespertina na Ceia do Senhor e vai até o Sábado Santo, é o tempo do amor que nos convida a um serviço que vai até ao extremo da cruz. Na quinta-feira santa Jesus antecipa o dom da sua vida no Sacramento da Eucaristia; na sexta-feira santa, o Senhor realiza na cruz o sacrifício redentor pela humanidade; no sábado santo, entramos nas entranhas da salvação que se está realizando. De repente, em meio ao silêncio mais profundo, quando tudo parecia perdido, Cristo aparece ressuscitado e glorioso.
A Eucaristia é o sacramento que sintetiza e resume todos os mistérios da vida de Jesus Cristo, máxime o seu Mistério Pascal (Paixão, Morte e Glorificação). Este sacramento permanece para que nós possamos entrar em contato com quem realmente nos salvou com seu poder e com suas obras poderosas: Jesus.
Postos a contemplar o Cristo que se oferece para a nossa redenção e ressuscita para a nossa salvação, a nossa vida só pode expressar-se autenticamente como serviço a Deus e, por amor a Deus, a todas as pessoas, especialmente aos irmãos na fé.
Às vezes preocupa-me o fato de que hoje em dia estamos muito tolerantes com as pessoas de outras religiões e não conseguimos compreender com carinho aqueles que são nossos irmãos na fé católica. Poderia dar-se o caso de fazer compatível a muita tolerância para com os outros que ainda não são da nossa família e as críticas brutais contra aqueles partilham o mesmo sangue que nós, o sangue de Jesus, que nos reconciliou com o bom Deus. Isso seria ridículo! Curiosamente, há pessoas que são assim: os de fora pensam que são como anjos, mas os que com ele convivem sabem muito bem que se trata de uma pessoa insuportável com os da própria casa; talvez até consiga converter alguns de fora, mas na família não pode fazer nada porque as suas obras desdizem continuamente as suas doutrinas.
O nosso serviço tende a redundar em abundantes bens à sociedade. No fundo se trata de que nós, com o nosso amor a Deus e a nossa luta pessoal, dominemos o mundo. Como? Dominar o mundo? Exatamente. Temos que dominar dois mundos: o microcosmos que somos cada um de nós e o macrocosmos que nos circunda.
Quem se preocupa em servir os outros acaba dominando o próprio mundo interior que, por vezes, parece uma espécie de caixa de Pandora. Você conhece essa lenda da mitologia grega? Conta-se que Júpiter presenteou Epimeteu com uma mulher chamada Pandora. Epimeteu tinha consigo uma caixa que conservava sempre fechada porque ela continha os diversos males que poderiam ser espalhadas pelo mundo. Pandora ficou muito curiosa para saber o que tinha na caixa e, um belo dia, abriu-a e, para a sua surpresa, foram soltos todos os males. Quando ela conseguiu fechar novamente a caixa, somente a esperança permaneceu lá. A esperança não era um mal, mas a porta aberta para superar todos os males: apesar dos diversos males que há no mundo, sempre podemos ter esperança! Temos que dominar essa nossa caixa de Pandora, isto é, os diversos males que se instalaram no nosso coração. Consegui-lo-emos com a graça de Deus e com a luta pessoal diária e generosa para conquistarmos os terrenos que nos foram tomados pelo pecado.
O outro mundo que nós devemos dominar é o macrocosmo que nos rodeia. Fá-lo-emos ao servir a sociedade com o nosso trabalho profissional. É muito necessário trabalhar com sentido cristão: com liberdade e responsabilidade, oferecendo a Deus o nosso trabalho e fazendo do nosso ambiente laboral um serviço à evangelização. Com o prestígio profissional, que devemos conseguir cada vez mais, e com o desejo de servir a todos, chegaremos a ocupar os primeiros postos na sociedade. Isso não é questão de orgulho, mas de missão: se nós não ocuparmos os primeiros postos, outros ocuparão. Nós temos que ocupá-los porque temos a preocupação pelo bem comum da sociedade temporal e, além do mais, a salvação eterna das pessoas nos preocupa. Queremos o bem de todos os nossos semelhantes e lutaremos para que sejam felizes. Vamos servir a todos e, por amor a Deus, conduzi-los à felicidade eterna.
Pe. Françoá Costa