Moderação
Tendo em conta o Evangelho de hoje, poderíamos meditar sobre o desprendimento, sobre a importância de viver a solidariedade, sobre a outra vida, sobre a conversão etc. No entanto, o primeiro versículo me atraiu fortemente, “havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho finíssimo, e que todos os dias se banqueteava e se regalava” (Lc 16,19), e fico com ele. Vamos chamar esse tipo de leitura da Sagrada Escritura uma “leitura de impacto”: deixar-se impressionar pelo versículo bíblico que mais chamou a sua atenção num determinado momento.
Os espanhóis deram até um nome ao homem rico, Epulón; vem de epula, ae do latim, que significa banquete. Epulón significaria o mesmo que comilão. Penso que esse nome faz jus ao que nos diz o relato evangélico: “se banqueteava e se regalava”. Imagino-o sentado à mesa, servido por várias pessoas e comendo somente aquilo que ele gostava, preparado da melhor maneira possível e com um requinte quase inimaginável. Ademais, sempre vestido segundo a última moda da época, “de púrpura e linho finíssimo”. Epulón devia ser tão cuidadoso para arrumar-se que poderíamos classificá-lo entre esses homens que, segundo dizem por aí, passam horas nos salões de beleza, sempre se vestem segundo a moda – inclusive criando modas – e adoram exibir a própria beleza por todas as partes. Na verdade, Epulón parece até um pouco amaneirado.
Será que a conclusão é que não se pode nem comer bem nem vestir-se bem para ser um bom cristão? Não! De fato, a roupa de Jesus devia ser de qualidade, pois os soldados “tomaram as suas vestes e fizeram delas quatro partes, uma para cada soldado. A túnica, porém, toda tecida de alto a baixo, não tinha costura” (Jo 19,23); em Betânia, ele aceitou que aquela mulher derramasse sobre a sua cabeça “um vaso de alabastro cheio de um perfume de nardo puro, de grande preço” (Mc 14,3); num dos banquetes que Jesus participou, reclamou a etiqueta requerida: “Entrei em tua asa e não me deste água para lavar os pés (…). Não me deste o ósculo (…). Não me ungiste a cabeça com óleo (…)” (Lc 7,44-46). Lembremo-nos que Jesus foi educado pela Santíssima Virgem Maria e, por tanto, estava bem educado.
Todas as coisas criadas por Deus são boas. É preciso que nós amemos essa bondade natural e demos graças a Deus por ela. Não podemos ver as coisas do mundo (no sentido de “criação de Deus”) como uma ameaça à nossa santidade. Pois, “Deus contemplou a sua obra, e viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Mais ainda, o Senhor deu inteligência ao ser humano para que fosse criativo. O importante é que nós saibamos utilizar as coisas boas do nosso Pai do céu com a moderação requerida: “quer comais quer bebais ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Cor 10,31). Ao utilizar as coisas desse mundo, o cristão deve ter como regra de conduta a glória de Deus e o bem dos demais. Uma mulher que se veste bem e se maquia pensando no seu esposo, além de estar alinhada, dá glória a Deus e faz uma obra de caridade. Como eu gostaria que surgissem estilistas com mente cristã que fizessem roupas elegantes e decentes ao mesmo tempo para que as mulheres andassem bem vestidas, também com a virtude do pudor! Um homem também tem que ter bom gosto, sem exagerações e sem afeminar-se. Pertence à natureza das coisas que a mulher se preocupe mais com a aparência externa que o homem. Isso é normal! Não tem nenhum problema. Porém, em tudo é louvável a moderação.
Conheço uma pessoa que costuma dizer que não gosta de café sem cafeína, nem de Coca-Cola light, nem de cerveja sem álcool, defendendo que as coisas devem permanecer na sua essência. Dizia também essa pessoa que nessa sem-essência de muitas coisas atuais via uma figura do que pode ser uma vida sem essência: pensamento vazio, vontade debilitada, prazer sem compromisso, religião sem levar Deus em sério. O leitor verá se essa pessoa tem ou não razão na sua comparação, mas o fato é que esse indivíduo sempre toma cerveja com álcool, Coca-Cola normal e café – como diz ele – de verdade. E continuará fazendo isso até que os médicos lhe digam o contrário! Pelo menos numa coisa temos que estar de acordo: corremos o risco de levar uma vida sem essência.
“Setenta anos é o total de nossa vida, os mais fortes chegam aos oitenta. A maior parte deles, sofrimento e vaidade, porque o tempo passa depressa e desaparecemos” (Sl 89,10). Pelo menos aproveitemos esses poucos anos, quantos Deus nos conceda, para dar-lhe glória e ajudar os irmãos através de uma vida honesta, sóbria, moderada, bem modelada pelo único modelo de todos os santos, Jesus Cristo.
Pe. Françoá Costa