Homilia do Padre Françoá Costa – XXIV Domingo do Tempo Comum – Ano B

Conhecer para amar

 

“E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mc 8,29). Seríamos, nós, capazes de responder com exatidão essa pergunta? Concedo que respondê-la com exatidão não é tão fácil, pois trata-se de ir aprofundando no conhecimento de Cristo a tal ponto de podermos dizer com o Apóstolo: “julgo como perda todas as coisas, em comparação com esse bem supremo: o conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor. Por ele tudo desprezei e tenho em conta de esterco, a fim de ganhar Cristo e estar com ele” (Fl 3,8-9).

Contudo, com o conhecimento que já temos podemos dar uma resposta verdadeira de quem é Cristo? Caso a resposta seja positiva, graças a Deus; caso seja negativa, eu só posso dizer que é preciso conhecer mais o Salvador. Tanto num caso como noutro, aproveito aqui para dar aquele conselho tão cheio de sabedoria que alguma vez São Josemaria Escrivá colocou num livro como dedicatória: “Que procures Cristo. Que encontres Cristo. Que ames a Cristo”. Trata-se de viver três etapas: PROCURAR, ENCONTRAR, AMAR. Ao mesmo tempo, e sem dúvida, essas três etapas vão acontecendo simultaneamente em nossas vidas: nós vamos procurando, encontrando e amando o Senhor. Trata-se de um processo, de um dinamismo, do dinamismo da vida cristã.

Jesus, mais do que com fazer milagres, queria pregar, anunciar o reino de Deus: “Vamos a outros lugares, às aldeias da vizinhança, a fim de pregar também ali, pois foi para isso que eu saí”(Mc 1,38). Jesus desejava anunciar-se a todos. E nós, desejamos ouvi-lo? Estamos interessados na nossa formação cristã, em conhecer as Sagradas Escrituras, o Catecismo da Igreja, preocupamo-nos em ler bons livros?

Num tempo de relativismo como nosso, é preciso que tenhamos critérios verdadeiros na cabeça,  que estejamos bem ancorados na verdade. Guardemo-nos de novidades nocivas: “pois virá um tempo em que alguns não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, segundo os seus próprios desejos, como que sentindo comichão nos ouvidos se rodearão de mestres. Desviarão os seus ouvidos da verdade, orientando-se para as fábulas” (2 Tim 4,3-4). Entre as várias maneiras de explicar o que é “comichão”, gostei muito daquela que diz que é uma “coceira”, ter comichão nos ouvidos é ter uma espécie de coceira, de inquietação em buscar novidades. É preciso que sejamos prudentes, para que não sejamos enganados pelos falsos mestres que tanto prometem; geralmente prometem coisas que agradam os nossos sentidos, mas que não preenchem os nossos corações desejosos de Deus e das coisas eternas.

São Vicente de Lerins dizia que “mal começa a espalhar-se a podridão de um novo erro e este, para justificar-se, apodera-se de alguns versículos da Sagrada Escritura, que, além do mais, interpreta com falsidade e fraudulentamente; é preciso imediatamente usar as passagens dos Padres da Igreja para interpretar as passagens em questão” – ou seja, atenhamo-nos à Bíblia e à Tradição viva da Igreja, pois são os veículos através dos quais nos chega a Revelação divina, a Palavra de Deus; esta, por sua vez, é interpretada pelo Magistério da Igreja. Assim teremos certeza de que estamos na verdade.

Outra coisa: cuidado com os maus livros! Fazem muito dano, muitas pessoas podem perder-se por causa da leitura de um livro mal, com má doutrina. São Francisco de Sales era taxativo neste ponto, dizia: “Guarda-te, sobretudo, dos maus livros; por nada do mundo cheguem a seduzir-te certas obras muito admiradas pelos cérebros fracos que orgulham-se de colocar tudo em dúvida, de menosprezar tudo e de burlar-se de toda norma tradicional. Busca, ao contrário, livros de sólida doutrina”. Para quê ler livros que falam mal da Igreja, do Papa, de Nossa Senhora? Além de causar-nos desgostos, poderiam seduzir-nos.

Todo ser humano tem a obrigação de buscar a verdade. Todo ser humano precisa conhecer a lei natural. Para o cristão, além da lei natural, a lei divina positiva (os mandamentos da lei de Deus) e os mandamentos da Igreja. Este é o mínimo necessário. Temos também a obrigação de formar um critério seguro que compreende a de manter uma adequada luta ascética para combater os próprios pecados. Não nos esqueçamos de que “vida do homem sobre a terra é uma luta” (Jó 7,1). E a luta para evitar o pecado faz com que mantenhamos a sensibilidade para as coisas espirituais e a juventude no amor de Deus.

O pecado faz com que distorçamos o sentido da realidade. Preocupemo-nos todos e de verdade com a nossa formação doutrinal, com a formação da nossa consciência. O cristão que não se preocupa com a própria formação vai se afastando da verdade de Deus, acontece com ele algo semelhante ao que acontecia com aquele homem triste. Aquele pobre homem entrava frequentemente no boteco para pedir um pinga com limão, ou melhor, várias pingas com limões. Enquanto isso, aproveitava para desabafar as suas penas com o paciente proprietário do boteco que escutava em silêncio enquanto limpava o balcão e atendia os outros fregueses. Mas certo dia, aconteceu uma coisa inusitada: aquele homem triste pediu um pinga com suco de laranja. “Cachaça com suco de laranja?!” – perguntou admirado o dono do bar. “É que estou sentindo o estômago arder um pouco” – explicou o pobre pinguço. Nos dias seguintes, o homem triste foi mudando os pedidos: pinga com suco de abacaxi… a dor não passou. Pinga com suco de pêssego… a dor só aumentava. Pinga com suco de maçã… a dor persistia. Os pedidos foram sucedendo-se durante vários dias: cachaça com suco de uva, de maracujá etc. Contudo, o homem triste estava mais abalado e a dor no estômago ficava mais intensa. Finalmente, num determinado dia, chegou no boteco e não pediu nada, mas queria fazer uma confidência ao proprietário do boteco: “sabe de uma coisa, amigo! Acho que eu descobri o motivo da minha doença”. O dono do bar perguntou curioso: “qual?”. Então o homem triste, enquanto apoiava o cotovelo no balcão e segurava o queixo magro: “as frutas me fazem mal. Todas elas”.

Quem não vive como pensa, acaba pensando como vive e… deformando a própria consciência. Acaso não é isso que infelizmente temos visto entre aqueles que se dizem modernos e envelhecem-se nos próprios vícios e pecados.

Maria Santíssima é “sedes sapientiae – sede da sabedoria”, peçamos a ela que nos ajude a procurar, a encontrar e a amar mais e mais o seu Filho Jesus e Nosso Senhor. Que nunca deformemos na nossa mente o rosto amável do Senhor por causa da nossa visão deformada. Que a nossa formação nos ajude a conhecer o Cristo do Evangelho, o Cristo da Igreja, o Cristo da nossa fé.

 

Pe. Françoá Costa

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