Homilia do Padre Françoá Costa – XIX Domingo do Tempo Comum – Ano A

Silêncio eloquente

Esforço, suor, dor nas pernas, sol quente, cansaço. São palavras que expressam o final de um caminhar que chega ao cume de uma alta montanha e que tem como resultado o sabor da vitória e da alegria. Lembro-me daquele rapaz cheio de energia, mas pouco animado a escalar: a marcha custava-lhe muito e o desejo de que chegasse logo ao fim daquilo que ele julgava um grande sacrifício era colossal. Finalmente, passadas as cinco horas previstas, tudo era alegria e o nosso jovem tinha uma expressão de vitória no rosto. Maravilhado com a vista que a natureza lhe proporcionava, brotava de todo o seu ser um estremecimento cheio de agradecimento. Tudo era grandeza ao seu redor e ele sentiu-se realmente localizado na criação: era um ser quase insignificante, mas era o único capaz de apreciar e explicar algo daquilo que ele admirava.

Há muita poesia acerca das montanhas. Lembrava-me disso porque o Evangelho de hoje narra que Jesus “subiu à montanha para orar na solidão” (cfr. Mt 14,23). Ele ficou rezando lá naquela montanha até à quarta vigília, ou seja, até às três horas da madrugada, aproximadamente. Que medo! Ficar sozinho numa montanha até a essas altas horas deve ser terrível: o silêncio acompanhado de pequenas interrupções dos habitantes naturais daquele espaço, a escuridão iluminada apenas pela tênue luz duma noite pouco estrelada, a solidão que parece fazer-se acompanhada pela sensação de que a qualquer momento alguém poderia aparecer e fazer-nos dano. Enfim, a noite é misteriosa, mas numa montanha ela pode ser verdadeiramente pavorosa.

Além do mais, Jesus ficou rezando durante umas oito horas porque – diz o Evangelho – Jesus começou a rezar quando chegou a noite e ficou rezando até às três. Muita oração! Quando procuramos estar atentos à grande atividade de Jesus durante o dia junto aos sedentos da Palavra de Deus, junto aos enfermos e aos atormentados por maus espíritos, junto aos fariseus e junto às pessoas de má vida, ficamos admirados de que ele ainda tenha forças para estar durante tantas horas acordado em oração vigilante ao seu Pai do céu. Dá vontade de ficar detrás de uma daquelas grandes árvores e espiar a oração de Jesus com grande curiosidade. Certamente, ao estar lá ou no caso de que pudéssemos obter alguma resposta a respeito daqueles acontecimentos misteriosos, não duvidaríamos em perguntar até mesmo àquelas montanhas e árvores que testemunharam aqueles momentos intensos de diálogo entre o Pai, Jesus e o Espírito Santo.

Jesus não temia o silêncio nas montanhas porque a ausência de palavras daquela noite estava preenchida pelo diálogo com quem ele tanto amava: o seu Pai. Curiosamente, até para rezar se promove o ruído hoje em dia. Quando se faz um momento de silêncio parece ser um convite quase imediato a tocar uma música ou a ler alguma coisa ou… sei lá. Teme-se o silêncio! Por quê? Talvez porque os nossos silêncios sejam meros silêncios, quiçá porque estejamos sem a palavra interior que nos faz dialogar com o Pai ou quem sabe por que nem descobrimos que o silêncio existe para que falemos. Contradição?! Não. Existe um verbo interior e um verbo exterior. Antes que falemos (verbo exterior, palavra exterior) já tínhamos essas noções na nossa mente (como palavras interiores). Quando falamos sem consideração é exatamente por isso: porque não consideramos de verdade a nossa palavra interior. Então é quando saem as abobrinhas, as bobagens e a estultícia.

O silêncio é para que aprofundemos na palavra interior que levamos, para que falemos com Deus sobre essas coisas que estão no nosso coração, para que resolvamos as nossas dificuldades à luz da Palavra que sempre existiu no coração do Pai, o seu Filho que se fez carne.

A experiência da “solidão” acompanhada por Jesus é maravilhosa. As pessoas que cultivam uma autêntica vida interior sentem uma necessidade imperiosa de momentos de silêncio, de consideração e, em definitiva, de oração, que bem pode ser definida como um “falar com Deus”. E por que Jesus rezava tanto e durante tantas horas? Ora, simplesmente por que ele ama o Pai e gosta de estar muitas horas com a Pessoa amada. Não é esta uma luz para que descubramos o porquê do tédio que às vezes experimentamos na oração, o porquê da pressa para terminar a nossa meditação da Palavra de Deus, o porquê de tantas orações vocais sem a consideração do que estamos dizendo a Deus, o porquê rezamos pouco? Será que amamos de verdade o nosso Pai do céu? Esses momentos de oração durante o dia, constantes ainda que poucos, nos ajudarão a ser “contemplativos no meio do mundo”, isto é, no nosso trabalho, na nossa família, nas relações sociais do dia a dia.

Pe. Françoá Costa

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