Homilia do Padre Françoá Costa – VI Domingo de Páscoa – Ano A

O “segredo” para a fidelidade: o livro e a rosa.

“Se me amais, guardareis os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Paraclito, para que fique eternamente convosco” (Jo 14,15-16).

Na semana passada falamos da mútua in-existência das três Pessoas divinas entre si e da in-habitação trinitária na nossa alma em graça. Deve ficar bem claro: as relações do homem com Deus tem que ser uma imagem daquelas relações que há na intimidade de Deus entre as três Pessoas divinas. O Pai e o Filho relacionam-se no Amor, ou seja, no Espírito Santo.

“Se me amais, guardareis os meus mandamentos”.  Poderíamos fazer a oração negativa, tão verdadeira quanto a afirmativa: se não me amais, não guardareis os meus mandamentos. A moral cristã não é a moral dos heróis, dos gigantes da vontade, daquelas pessoas que à força de teimar e teimar conseguem chegar à meta. Lembro-me de uma das aulas do já falecido bispo emérito da Diocese de Anápolis, D. Manoel Pestana Filho. Animando-nos a estudar muito, ele dizia que “um gênio é 5% de inspiração e 95% de transpiração”. Aquele santo bispo nos animava a ser estudiosos de verdade. Hoje eu gostaria de utilizar a frase dita pelo D. Manoel, mas mudando-a um pouquinho para servir ao meu propósito, e sem pretensões matemáticas do mistério: “um cristão é 95% graça de Deus e 5% de esforço pessoal”.

A graça de Deus e o seu amor é o que nos vai construindo a cada momento. Podemos e devemos lutar, mas – como diz o Salmo – “se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a constroem” (126,1). Com o passar do tempo, a experiência nos vai mostrando a importância de confiar mais na graça de Deus que nas nossas próprias forças. Os nossos propósitos, por mais firmes que sejam; a nossa luta, por mais heroica que venha a ser; os meios humanos dos quais dispomos, por mais seguros que nos pareçam… Tudo isso estaria destinado ao fracasso, dentro de pouco ou muito tempo, se não fosse a ajuda de Deus. Essa ação de Deus criou em nós, no momento em que fomos batizados, um dinamismo novo que nos capacitou para viver a nova vida em Cristo.

É possível cultivar o amor? Em primeiro lugar, a caridade inicial ninguém a merece, a recebemos no momento do nosso Batismo sem mérito algum da nossa parte. Depois de batizados, podemos atrair mais o amor de Deus para nós.

Todos os anos em Barcelona, na Espanha, no dia de S. Jorge, o namorado ou o esposo tem que dar uma rosa à sua namorada ou esposa. A sua vez, a namorada ou esposa tem que presentear o seu namorado ou esposo com um livro. Eu, pessoalmente, acho que o homem sai ganhando porque o livro se conserva durante anos, enquanto a rosa… Mas tudo bem.

Passeando pelas ruas daquela grande cidade, quem não conhece essa tradição poderia ficar um pouco espantado ao perceber que a cada 10 minutos algum comerciante oferece em plena rua uma rosa para ser comprada e, posteriormente, presenteada. Graças a Deus, existem aqueles casais anciãos aos quais não dá vergonha perguntar o porquê de tudo aquilo sem temor a passar por ignorante. Futuramente, se pode descobrir a raiz mais profunda desse costume. É nesse momento que passamos para o campo da lenda, da estória. Conta-se que num reino muito distante e há muitos séculos atrás existia um dragão muito, mas muito mau, e que comia as donzelas da região. Um dia, o dragão malíssimo queria tragar a princesa. Então Jorge, um soldado romano, enfrentou a fera, matou-a e do sangue do dragão brotou uma rosa que, o destemido soldado entregou reverentemente à princesa. Os homens até hoje entregam uma rosa às suas amadas.

E o livro? É simplesmente porque ao dia de S. Jorge, celebrado aos 23 de abril, antecede o dia da morte de Miguel de Cervantes (22 de abril), máxima expressão da literatura espanhola. Assim os homens não fiquem sem presentinho. E que presentinho… um livro!

Quando pensamos no amor de Deus e na nossa correspondência humana, a comparação com esse costume barcelonense é válida, ainda que imperfeita. Deus nos presenteia com a sua graça, o dom mais valioso que podemos receber nesse mundo. Não se trata simplesmente de um livro, mas daquele livro do qual fala o Apocalipse: “um livro escrito por dentro e por fora, selado com sete selos” (Ap 5,1). Esse livro, que contém os desígnios de Deus para a história universal e para a nossa história pessoal, pode ser aberto somente por Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus, a vítima de propiciação pelos nossos pecados que nos mereceu a salvação e a graça. Ele nos entrega o plano de Deus para as nossas vidas. Esse plano inclui todas as virtualidades provindas do Trono da graça e que nos ajudam na realização da vontade de Deus. E nós, o que vamos entregar a Deus? Uma flor, uma correspondência à sua graça cada vez mais leal e fiel que atraia o Coração amoroso de Deus para que continue derramando as suas graças sobre nós. A flor pode até murchar logo. Nós seguiremos sendo santamente teimosos na luta por ser melhores; daremos a Deus outra flor, outro empenho de seguir adiante, outros propósitos de uma entrega mais generosa. Não obstante, a partir de agora confiaremos mais na graça de Deus. É questão de humildade, de verdade.

Pe. Françoá Costa

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