Homilia do Padre Françoá Costa – V Domingo de Páscoa – Ano A

Circuminsessio

Que palavra é essa? É simples. É o sinônimo de “perichoresis”. O quê? Ficará mais simples se eu utilizar as palavras de Jesus que escutamos neste domingo: “Crede-me: estou no Pai, e o Pai em mim. Crede ao menos por causa destas obras” (Jo 14,11). Agora ficou claro. Não? Então vamos deixar por um momento a palavra grega e analisemos a latina: “circuminsessio”. “Circum” significa “o que está em volta”, “sessio” significa “sentar-se”. Uma variante desta expressão é “cicumincessio”; neste caso, “cessio” estaria relacionada com “incessum” que significa “avançado”. Tem, por tanto, um significado mais dinâmico. Esse dinamismo se encontra presente na palavra grega, “perichoresis”, que conserva o significado de “recirculação” entre as Pessoas divinas.

São Gregório Nazianzeno utilizou a palavra “perichoreo” para explicar a mútua presença da natureza divina e da natureza humana, compenetradas e sem confusão, em Cristo. São Máximo o Confessor utilizou essa mesma palavra para expressar a união das duas naturezas, mas com relação às ações do Verbo encarnado. A partir do assim chamado “Pseudo-Cirilo” começou a usar-se o vocábulo para a doutrina trinitária, desta maneira se afirma a multiplicidade das Pessoas em Deus permanecendo sempre a unidade divina. Os Doutores medievais utilizaram a palavra grega traduzindo-a por circumincessio ou circuminsessio.

Perichoresis ou circumisessio é a in-existência ou presença de cada uma das pessoas da Santíssima Trindade nas outras duas. A doutrina cristã afirma que há um só Deus em três Pessoas verdadeiramente distintas. O Pai não é o Filho, nem o Filho é o Pai; o Pai não é o Espírito Santo, o Filho não é o Espírito Santo; o Espírito Santo não é nem o Pai nem o Filho. Não obstante, como existe um só Deus, é importante falar desse mútuo “permanecer em” das três Pessoas divinas para evitar qualquer divisão na essência divina e, em consequência, para evitar falar de três deuses.

A doutrina da circuminsessio afirma que o Pai está no Filho e o Filho está no Pai, que onde está o Pai aí também está o Filho. E o mesmo se diga do Espírito Santo em relação ao Pai e ao Filho.

Observemos também que Jesus nos convida a descobrir essa mútua presencia entre Ele e o Pai através das suas obras. As ações de Jesus mostram que ele faz em todo momento a vontade daquele que o enviou, que ele espera sempre o tempo que o Pai determinou para realizar as coisas, que ele está –de maneira semelhante a como estava Adão antes do pecado– em total dependência do Pai. Ele, ao contrário do primeiro homem, não se rebelou contra Deus, não o desobedeceu. Jesus sempre amou o Pai e fez em tudo a sua vontade. Essa maneira de fazer e de ensinar-nos, leva à compreensão da presença do Pai nele, e à inversa.

A nossa maneira de atuar também mostra que em nós residem o Pai e o Filho e o Espírito Santo. Que ninguém se assuste se nesse momento eu utilizo a palavra “perichoresis” ou “circuminsessio” não somente no sentido cristológico ou trinitário, mas também em perspectiva antropológica. Há uma presença de Deus no homem, e à inversa: há uma presença do homem em Deus. Esse é o “divinum comercium”, o comércio divino entre Deus e o homem, e que os Padres da Igreja gostavam de expressá-lo dessa maneira: o Filho de Deus se fez homem para que o filho do homem se fizesse filho de Deus.

É importante que a nossa maneira de atuar, como no caso de Jesus, manifeste que Deus encontrou uma casa no nosso coração, que as três Pessoas divinas habitam na nossa vida em graça, que nós estamos presentes em Deus e que Deus está presente em nós. Agora mesmo, nesse exato momento, a humanidade que se encontra na Pessoa de Jesus, no céu, é a nossa humanidade. A humanidade gloriosa de Cristo manifesta como deve ser o homem segundo o plano de Deus porque Deus o criou para a incorruptibilidade, para a santidade e para a imortalidade. A nossa humanidade está na intimidade de Deus e Deus está no mais íntimo do nosso ser quando vivemos em graça.

A vida cristã é consequência da in-habitação trinitária em nós. Assim fica mais fácil entender a Escritura quando afirma que nós somos templos do Espirito Santo. Não poderia ser diferente uma vez que Deus mora em nós. Ou seja, o que acontece nas profundezas da comunhão trinitária, acontece, a outro nível, entre Deus e nós. As relações entre o homem e Deus tem que ser a imagem das relações que há entre o Pai e o Filho e o Espírito Santo.

Pe. Françoá Costa

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