O Cristo silenciado
Ontem Jesus morreu. Hoje é o dia do “silentium Magnum”, do grande silêncio porque o Rei dorme. Mas o seu dormir não é inatividade: a sua morte e descenso ao lugar dos mortos é a garantia do despertar de todos aqueles justos que estavam à espera do Cristo. Um autor de uma antiga homilia imagina a Jesus encontrando-se com Adão: “O Senhor entrou na região dos mortos com as armas vitoriosas da cruz. Adão, ao ver a Jesus Cristo, assombrado por tão grande acontecimento e dando-se golpes no peito, diz a todos: “o meu Senhor esteja convosco”. Cristo, respondendo, diz a Adão: “e com o teu espírito”. Depois, tomando-o pela mão, o levanta e diz: “Desperta, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e Cristo te iluminará. Eu sou o teu Deus, quem por tua causa fiz-me teu filho; por causa de ti, e por causa daqueles que nasceriam de ti é que eu digo, a todos aqueles que eram escravos, digo-o eu: levantai-vos!”
Sempre há esperança, ainda em meio ao silêncio imposto por forças hostis ao Evangelho: “levantai-vos!”, nos diz o Senhor. Há momentos nos quais também a Igreja parece estar calada. Como no caso do seu Senhor, o silêncio da Igreja não significa inatividade. Ontem fizemos a coleta em favor dos lugares santos. A Terra Santa é um desses lugares onde a Igreja parece estar no sábado santo do grande silêncio. Muitos cristãos viram-se obrigados a emigrar devido ao ambiente de hostilidade que há por lá. Sem dúvida, há situações piores que a de Israel. Das, aproximadamente, 6.972.688.217 pessoas que existem na Terra, apenas 2.640.000.000 são cristãos, sendo que uns 200 milhões sofrem perseguição. Mas Cristo passa em meio às dificuldades dos seus seguidores. Ele está presente e está falando às consciências quando tentam calar a voz dos seus discípulos. Nós, ao saber tais noticias, deveríamos sair da tibieza na qual vivemos o nosso discipulado para que o nosso fervor seja uma intercessão poderosa que suba aos céus em favor dos irmãos perseguidos por causa do Nome do Senhor Jesus.
Na China, bispos e sacerdotes da Igreja Católica, a que vive na clandestinidade, são presos por confessar a sua fé; os seminários estão no anonimato e se nega a liberdade religiosa através de um controle total sobre a vida social, cultural e religiosa no país. A Coréia do Norte declarou-se Estado ateu e não há liberdade religiosa; as manifestações religiosas podem terminar em detenções e envios aos campos de concentração. Há casos de violência contra os cristãos também na Indonésia e no Egito. Na Mauritânia, cuja única religião é o islamismo, está proibido a publicação e a divulgação de Bíblias.
Mas também na América há hostilidade à Igreja Católica. Quem já não ouviu falar das dificuldades que os bispos enfrentam ao pronunciar-se na Venezuela ou em Cuba? Na Bolívia existe uma atitude de desconfiança para com a Igreja Católica. Até no nosso querido Brasil, vários sacerdotes católicos foram assassinados.
Hoje a Igreja celebra a verdadeira morte de Cristo, separação entre corpo e alma, e a salvação de todos os justos que lhe antecederam. Esses são os mistérios do Sábado Santo. A Igreja acompanha silenciosamente essa obra de Cristo na espera da sua ressurreição. Jesus veio para salvar-nos e está levando a término essa obra. Hoje, no silêncio das nossas igrejas, das nossas residências, meditemos esse mistério. Pensemos também no valor do silêncio para a nossa vida espiritual. Temos que sentir necessidade desse espaço, dessa solidão acompanhada pelo Senhor Jesus na qual podemos expor as necessidades do espírito. Na sociedade moderna, cheia de barulho, é muito importante que nós saibamos encontrar esses momentos de silêncio para falar mais sossegadamente com Deus.
Cristo também desceu à região da morte que estava na nossa alma. Nós havíamos criado essa região tenebrosa com a escuridão dos nossos pecados. Tudo agora é luz! Depois daquela confissão bem feita e da participação piedosa nos mistérios de Cristo através das orações da Igreja, nós fomos libertados. Agora sim, escutaremos com alegria na Vigília Pascoal: “O Senhor esteja convosco”. Responderemos que verdadeiramente “Ele está no meio de nós”. Deus está em meio da Igreja, Jesus está na sua alma em graça. Procuremos escutar nesse Sábado Santo e descobriremos a presença silenciosa de Cristo que passa em todas as circunstâncias da nossa jornada, como outrora no Éden, e contemplaremos o “Senhor Deus que passeava no jardim, à hora da brisa da tarde” (Gn 3,8). E rezemos por todos aqueles que vivem no silêncio forçado da perseguição que é, ao mesmo tempo, uma força silenciosa para toda a Igreja.
Pe. Françoá Costa