Prova de fé
“És tu aquele que há de vir ou devemos esperar um outro?” (Mt 11,3). Em 1951, um dos grandes teólogos do século XX comentava este texto evangélico. Jean Daniélou afirmava que não devemos escandalizar-nos a respeito de João Batista quando ele pergunta a Jesus se é ele mesmo quem devia vir; ao contrário, é preciso ver nessa pergunta a profundidade, por parte de João Batista, da vivência do Mistério de Cristo e, ao mesmo tempo, do mistério do homem. As almas santas levam a sério a miséria real da humanidade e, do fundo de seus corações, deixam sair um grito sincero, ainda que silencioso, e que é expressão da dor que sentem diante daquelas situações que não admitem soluções fáceis: o sofrimento dos inocentes, a desigualdade social alarmante, o terror das guerras e dos desastres naturais, a miséria do pecado que vai consumindo o ser humano sem que ele perceba.
Por outro lado, é de gelar a superficialidade de algumas pessoas. Gúrshehka, aquela personagem dos Irmãos Karamázov, pode servir de paradigma. Já bêbada e delirante, dizia: “Quero fazer loucuras, gente boa. O que importa? Deus me perdoará. Se eu fosse Deus, perdoaria a todo o mundo e diria: ‘meus simpáticos pecadores, desde hoje eu vos perdoo a todos’. Eu, pelo menos, pedirei perdão”. Com isso não se afirma se a nossa personagem em questão é má ou não, simplesmente se enfatiza a superficialidade de Gúrshehka diante da realidade de Deus e diante do pecado. É certo: Deus é bom! Também é certo: Deus é justo!
O teólogo francês alertava contra um otimismo fácil e superficial. O realismo cristão, sem deixar de ser otimista e alegre, é também uma visão da vida e das coisas que leva a sério a dureza das distintas situações. O cristão deve gritar desde o profundo do seu coração a Deus, que tem a solução. No fundo, dizia Daniélou, esse grito que surge de uma espécie de desespero, é uma expressão de esperança. Esse grito é um grito de confiança semelhante ao de Cristo na Cruz: “Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27,46). Temos que “obrigar” a Deus a manifestar-se – dizia Daniélou – pelo ardor da nossa oração e pela intensidade do nosso desejo.
Parece que há momentos nos quais tudo é escuridão. Parece que Deus não nos escuta, que há um obstáculo entre ele e nós. Surge uma espécie de revolta interior diante de um Deus que se diz todo-poderoso, mas não atende aquelas coisas que “eu” julgo como boas “para mim”. Esse é o momento de pedir ao Senhor que reviva em nós a fé. No “Diário de um pároco de aldeia”, de Georges Bernanos, há um momento em que o protagonista fala da sua própria fé. Como é sabido, trata-se de um sacerdote que experimenta em meio do seu trabalho apostólico, a solidão e o tédio. É um livro realista e dramático, cujas perspectivas estão abertas à esperança porque Deus está presente em toda a obra. O personagem diz que o que nós chamamos perda de fé é, no fundo, o fato de que a fé “deixa de informar a própria vida, e nada mais. (…) Eu não perdi a fé! (…) Onde ela está? Não a posso alcançar. Não a encontro no meu pobre cérebro incapaz de associar corretamente duas ideias e que não tem mais que imagens delirantes; tampouco na minha sensibilidade; nem mesmo na minha consciência”. No entanto, entre as últimas palavras do livro, encontram-se essas de enorme significado: “Que importa? Tudo é graça!”.
Às vezes, do fundo do nosso ser podem vir umas perguntas que brotam duma espécie de desespero: será que Deus existe mesmo? Será que ele escuta as pessoas? Será que está me ouvindo? Deveríamos aproveitar esse desespero para clamar com mais força, para “obrigar” a Deus a manifestar-se, para que a nossa oração cheia de ardor ganhe de Deus aquilo que parece impossível e – o que é muito importante – para que saibamos aceitar as disposições de Deus crendo que ele sabe o que é melhor em cada momento. Isto é entrega total nas mãos do nosso Pai do céu! Tudo é graça! E isso é motivo de grande alegria!
Pe. Françoá Costa