Sede de Deus
“O pedido de Jesus à Samaritana: «Dá-Me de beber» (Jo 4, 7), que é proposto na liturgia do terceiro domingo, exprime a paixão de Deus por todos os homens e quer suscitar no nosso coração o desejo do dom da «água a jorrar para a vida eterna» (v. 14): é o dom do espírito Santo, que faz dos cristãos «verdadeiros adoradores» capazes de rezar ao Pai «em espírito e verdade» (v. 23). Só esta água pode extinguir a nossa sede do bem, da verdade e da beleza! Só esta água, que nos foi doada pelo Filho, irriga os desertos da alma inquieta e insatisfeita, «enquanto não repousar em Deus», segundo as célebres palavras de Santo Agostinho” (Bento XVI, Mensagem para a Quaresma de 2011).
Deus está apaixonado pelo ser humano, tem sede do pobre amor dos nossos corações. Nós pedimos de beber a alguém que afirma claramente que tem sede. Essa sede de Deus por cada pessoa humana ficou claramente expressada naquele grito que somente o evangelista João conservou no Evangelho: “Tenho sede” (Jo 19,28). Deus tem sede de que nós tenhamos sede do seu Espírito, da sua vida, da sua graça, da sua glória. Ele tem água abundante, mas tem sede de que nós a bebamos.
“Dá-me de beber” (Jo 4,7) é a expressão daquilo que todo ser humano tem: sede de Deus, que pode ser saciada: aqui pela graça e no céu pela glória. André Frossard no famoso relato da sua conversão, “Deus existe. Eu encontrei-o”, terminava com essas palavras: “l’éternité sera courte” – a eternidade será curta. Trata-se de uma maneira poética de afirmar que diante da grandeza de Deus, a mesma eternidade –um presente sem começo nem fim– será “curta” para deliciar-nos com a presença do Senhor.
Essa sede de viver conforme aquilo que Deus pensou para nós, de apetecer aquilo que constrói realmente uma existência cheia de sentido, de contemplar todas as coisas com a visão purificada e descobrir o esplendor de cada criatura, é uma sede existencial, é uma insatisfação da alma que não encontra sentido fora de Deus. Santo Tomás de Aquino fez uma análise cientificamente rigorosa sobre a felicidade do ser humano (cfr. S.Th. II-II, q. 2–5), na qual começava por estudar o fato de que a felicidade não pode consistir nas riquezas, nem na honra, na fama ou na glória; tampouco consiste no poder, no bem do corpo, no prazer, nalgum bem da alma ou num bem criado qualquer. Talvez, na sociedade atual, vale a pena enfatizar que a felicidade não consiste nas riquezas nem nos prazeres. Penso somente nessas duas questões porque, infelizmente, os nossos tempos não se destacam pelo cultivo das coisas do espírito e, por tanto, a honra, a glória, os bens da alma e o conhecimento das dimensões mais profundas dos elementos criados geralmente importam pouco.
Como poderia consistir a felicidade do homem nas riquezas, naturais ou artificiais, se estas são sempre finitas? A uma riqueza sempre se pode acrescentar outra. Como se pode ver, podemos passar a vida acumulando riquezas sem saciar-nos. Por outro lado, como poderia consistir a felicidade do ser humano nos prazeres se esses são apenas um principio de conhecimento? “O apetite veemente pelo deleite sensível deve-se ao fato de que as operações dos sentidos são mais perceptíveis, porque são princípios do nosso conhecimento. É por isso que a maioria deseja os deleites sensíveis” (Santo Tomás de Aquino). Logicamente, o prazer, quando surge de um bem real, é bom. Sem dúvida, é bom e agradável a Deus o prazer que os membros de uma família experimentam numa deliciosa comida dominical num ambiente festivo e moderado pela virtude; é bom e agradável a Deus o prazer que o homem e a mulher, unidos por santo matrimônio, sentem ao gerar os filhos; é bom e muito agradável a Deus o prazer que podemos sentir ao cumprir os nossos deveres de estado. Não obstante, o prazer, quando procede dos desejos desordenados, pode absorver de tal maneira as faculdades superiores, inteligência e vontade, que poderia cegar-nos. Os prazeres desordenados poderiam levar ao desprezo da virtude, inclusive poderia levar ao pior pecado que dar-se pode: o ódio a Deus. Neste caso, Deus seria odiado porque apareceria aos olhos do pecador como inimigo da sua vida desordenada de prazeres.
A leitura atenta descobre facilmente a importância da água para S. João. É somente nesse Evangelho que nós lemos o relato das bodas de Caná, onde Jesus transforma a água em vinho (cfr. Jo 2,1-12); no capítulo seguinte encontramos aquela afirmação que sempre nos comove: “quem não renascer da água e do Espírito não poderá entrar no Reino de Deus” (Jo 3,5); depois a passagem, que acabamos de escutar, que nos relata o encontro de Jesus com a Samaritana (cfr. Jo 4,1-42); era pelo movimento da água que os enfermos eram curados na piscina de Betesda (cfr. Jo 5,1-18). De fato, o Catecismo da Igreja Católica afirma que o simbolismo da água significa a ação do Espírito Santo, que brota do lado aberto de Cristo crucificado (cfr. Cat 694).
É no Coração de Deus que nós encontramos o nosso descanso, a nossa paz, os nossos prazeres, a nossa felicidade, a nossa bem-aventurança. Distanciar-nos daí é sair do caminho da felicidade, é correr pelos prados da insensatez, é viver uma vida que só pode levar à escuridão mais profunda e ao pior absurdo da vida humana, não ser feliz.
Pe. Françoá Costa