Homilia do Padre Françoá Costa – I Domingo do Advento | Ano B

1º Domingo do Advento, 03/12/2023

Is 63,16-17; 64,2-7/ Sl 79(80)/ 1 Cor 1,3-9/ Mc 13,33-37

  • A primeira idade da vida interior

Deus desceu e as montanhas se derreteram diante dele (Is 64,2). Os pecadores, inclusive os mais endurecidos, se desmancham diante de Deus. Esta é a primeira conversão, na qual o pecador diz, juntamente com outros que também se derreteram: “nós pecamos; é nos caminhos de outrora que seremos salvos” (Is 64,4). Finalmente, o pecador reconhece que não dá para ficar longe de Deus, que precisa voltar ao caminho dos seus antigos, dos seus pais, dos seus avós. Quebrados, derretidos, despedaçados como estamos, dizemos ao Senhor: “Nós somos barro; tu, nosso oleiro, e nós todos, obra de tuas mãos” (Is 64,7).

É neste momento de conversão inicial que o pobre pecador percebe a majestade de Deus, vem-lhe o santo temor, dá-se conta da ação poderosa de Deus, reconhece as doutrinas de Jesus Cristo e suas leis santíssimas. O pecador acaba de entrar, pela arrependimento e pela confissão, no castelo onde Deus mora. Inicia-se, portanto, uma busca pela sala do trono, onde se encontra a Majestade Divina. Mas, até chegar lá, a pobre alma terá que percorrer um caminho de desejos santos, percebendo, ao mesmo tempo, que suas ações nem sempre estão à altura daquilo que deseja.

A comparação da conversão inicial com a entrada em um castelo é muito oportuno porque quando Isaías escreveu o texto que se lê hoje, os capítulos 63 e 64, a cidade de Jerusalém, depois da invasão dos babilônios, estava sendo construída, suas muralhas, suas casas, seu palácio, o Templo. Parece-se muito à alma do cristão, que, depois de arrasada pelos Babilônios espirituais, os demônios, agora se transformará numa bela cidade, mas isso acontece no castelo do Rei Jesus, que é tão grande a tal ponto de caber a nossa cidade interior. Assim como Jerusalém voltará ao seu antigo esplendor, também a alma voltará a ser embelezada pela união transformante com o Senhor.

O pobre pecador está na casa do Senhor, mas ele não sabe quando aparecerá o dono dessa casa, desse magnífico castelo real: “à tarde, à meia-noite, ao canto do galo, ou de manhã” (Mc 13,35). O cristão, nesse momento, sente-se como uma criancinha, mas que, ao mesmo tempo, tem que algo grande: vigiar, procurando a sala do trono, ao mesmo tempo, é consciente de que o dono do castelo pode se manifestar a qualquer momento, mesmo fora da sala do trono. Aplica-se a ele as palavras do Apóstolo: “vós que aguardamos a revelação do Senhor nosso, Jesus Cristo” (1 Cor 1,7).

Nesse contexto, no qual a alma está decidida a permanecer dentro do castelo, isto é, abandonando o pecado mortal e em busca incessante do Senhor do castelo, faz-se necessário algum sábio ancião que o guie com sábias orientações. Os sacerdotes de Jesus Cristo são os anciãos do castelo, são eles que recebem os pecadores no batismo e na confissão, alimenta-as com a Palavra e com a Eucaristia, dá-lhes doutrina espiritual segura para que sigam rumo à sala do trono, ao mesmo tempo que as faz vigilantes, já que o Senhor do castelo pode chegar a qualquer momento e manifestar-se.

Como se pode perceber, a pessoa que abandonou o pecado mortal acaba de começar sua verdadeira vida espiritual. Antes de abandonar o pecado, não existia vida espiritual, mas morte. A pessoa não estava numa escala ascendente, mas abaixo de zero. Quando Deus lhe deu a graça de tomar a decisão de abandonar os pecados mortais, ficou no zero; ao confessar-se, Deus lhe deu uma nova ajuda: encontra-se no número 1, agora positivo. Começa o caminho ascendente. Neste momento, esse cristão é apenas uma criança e deve aprender as orações da sua nova família, as orações vocais: Pai-Nosso, Ave-Maria, Glória, Credo, Salve Rainha, os Mandamentos etc. Digo, deve aprender, isto é, valorizar as orações vocais, dizendo-as conscientemente. Pode até ser que antes essa pessoa rezava algo, mas agora as orações vocais são o seu apoio inicial para que reze mais profundamente e, por isso, as valoriza tanto.

Nessa primeira etapa da vida interior ou primeira conversão, a alma tem uma fé viva, porém inicial. Esta fé, ainda que formada pela caridade, não se encontra, todavia, na perfeição da caridade, mas anima-se mais pelo santo temor. Esse cristão ainda não é um sábio informado pela fé saborosa do dom da sabedoria, mas pela fé inicial do dom do santo temor de Deus. Há muito ainda para chegar à união com Deus, contudo a pessoa está viva, é uma criancinha diante de Deus e pode prosseguir, graças à bondade divina.

Nesta primeira conversão, a alma sente um desejo muito grande de fazer penitência que acompanhem o fervor de suas orações vocais. É como se a penitência fosse a oração do corpo e as orações vocais fossem a oração da alma. Nesse sentido, a pessoa inteira, corpo e alma, empenha-se para chegar à sala do trono, no ritmo que Deus lhe for marcando.

Finalmente, o cristão encontra-se num tempo oportuno para fazer mortificações e viver a purificação ativa dos sentidos. Assim como a cidade de Corinto, que recebe a mensagem apostólico como lemos na segunda leitura, era uma cidade devassa, cheia de prazeres e de poderes (1 Cor 1,3-9), assim também a alma, dada aos seus desvarios, agora quer alcançar a ordem e a beleza divina. O cristão então faz penitências que mortificam seu paladar, sua gula e ebriedade; seu tato, sua comodidade e luxúria; seu olfato, sua vaidade e concupiscência desordenada; sua vista, sua falta de modéstia, sua curiosidade; sua audição, sua falta de controle, sua atenção esmerada à vida alheia.

Além dessa purificação ativa dos sentidos externos, a alma também mortifica seus sentidos internos: a imaginação, a memória, a fantasia, a cogitativa e o senso comum. De fato, a imaginação pode levar muitas pessoas a construirem muitos monstros sobre os outros e outras situações, é preciso controlar a imaginação antes que ela nos domine. A memória, por sua vez, se não for posta em penitência, recorda-nos pecados passados, fazendo-nos demorar neles e, desta forma, aproximando-nos do pecado: é preciso estar atentos e cortar os dados pecaminosos da memória. A imaginação, auxiliada pela memória, gera fantasias as mais tresloucadas; também por isso deve ser posta no seu lugar, domesticada para que sirva aos projetos de Deus.

A cogitativa como sentido interno nos ajuda a perceber aquelas coisas que os sentidos externos não percebem imediatamente: se uma coisa é nociva, se fulano de tal está com uma atitude amigável ou não. Se o cristão não estiver atento a esse sentido interno, poderia pecar por juízos temerários, ou seja, julgamentos nos quais não há fundamento para se pensar tal coisa. Perceber essa realidade nos ajude a realizar a mortificação de colocar a nossa mente em seu lugar, evitando as curiosidades e os juízos precipitados. Finalmente, o senso comum reúne todas as informações formando uma “fantasminha” que fica como que depositado no nosso intelecto passivo, esperando a luz do intelecto ativo para que se forme um conceito. A mortificação, neste caso, nos leva a purificar as nossas informações, a não sermos precipitados, agindo segundo as normas da prudência e do santo temor de Deus.

A nossa certeza é que o Senhor veio para nos converter, ele vem a qualquer momento para estar conosco, ele chama-nos para a sala do trono onde eles está assentado juntamente com o Pai e o Espírito Santo. Este tempo do Advento nos ajude a pensar no nosso progresso espiritual: como devemos estar atentos à graça de Deus que nos seguir adiante. Queira Deus que o façamos decididamente pela intercessão de Santa Maria, a senhora do castelo.

Pe. Françoá Costa

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