Homilia do Mons. José Maria – XXXII Domingo do Tempo Comum (Ano C)

Crer na Ressurreição!?

Hoje somos convidados, pela Palavra de Deus, a aprofundar a nossa fé na ressurreição dos mortos. Trata-se de uma das verdades fundamentais, enunciadas no Credo e que repetimos muitas vezes: “Creio na ressurreição da carne”.

O texto bíblico de 2Mc 7, 1-2. 9-14 fala-nos dos sete irmãos Macabeus que, junto com a mãe, preferiram a morte a transgredir a Lei do Senhor. Enquanto eram torturados, confessaram, com firmeza, a sua fé numa vida além da morte: “Prefiro ser morto pelos homens, tendo em vista a esperança dada por Deus, que um dia nos ressuscitará” ( 2Mc 7,14).

No Evangelho ( Lc 20, 27-38), lemos que se aproximaram de Jesus alguns saduceus que negavam a ressurreição e queriam colocá-Lo em uma situação embaraçosa. Segundo a lei do levirato (Dt 25, 5-10), o cunhado devia casar-se com a viúva para dar um filho ao irmão falecido, para não morrer seu nome. Eram sete irmãos, todos se casaram com ela e morreram sem deixar filho. Morre também a mulher. De quem ela vai ser esposa no céu?

Jesus resolve a dificuldade reafirmando a Ressurreição e ensinando as propriedades dos corpos ressuscitados. A vida eterna não será igual à vida presente: “…nem os homens se casam, nem as mulheres se dão em casamento; e já não poderão morrer, pois serão iguais aos anjos, serão filhos de Deus, porque ressuscitaram” ( Lc 20,36). E Jesus mostra o erro grave dos saduceus e argumenta: Moisés chama o Senhor de o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó, que tinham morrido há muito tempo. Ora, Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos, pois todos vivem para Ele. Portanto, ainda que os justos tenham morrido quanto ao corpo, vivem com verdadeira vida em Deus, porque as suas almas são imortais e esperam a Ressurreição dos corpos. Os saduceus, dali em diante, já não atreviam a interrogá-Lo! O matrimônio está ligado à presente condição de mortalidade do homem; onde não há mais morte, não há mais necessidade de nascimentos e, portanto, de se casar. Não é que desapareça a união que existiu entre duas pessoas durante a vida num vínculo santo; tudo o que há de positivo no mundo não é destruído na Ressurreição, mas sublimado e espiritualizado. Em outras palavras, a vida de ressuscitados não é como a vida de antes, é diferente, assemelha-se, de certo modo, à vida dos anjos e participa da mesma vida de Deus   (“são filhos de Deus” ). Diz São João evangelista: “Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos! Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque O veremos tal como Ele é” ( 1Jo 3, 2 ). 

A resposta de Jesus é extraordinária; sem fugir do terreno escolhido pelos adversários que era a Lei Mosaica, com poucas palavras, Ele primeiro mostra onde está o erro dos saduceus e o corrige, depois dá à fé na Ressurreição a sua fundamentação mais profunda e mais convincente. Compreende-se a exclamação de admiração que sai da boca de alguns dos presentes: “Mestre, falaste bem!”.

Jesus, como se vê, põe uma alternativa radical: ou fé na Ressurreição dos mortos ou ateísmo! As duas coisas ou ficam em pé ou caem juntas; não se pode crer em um Deus que colocou em movimento céu e terra para o homem, que para ele sonhou uma grandiosa história de salvação, se depois o próprio homem fosse destinado a acabar no pó da sepultura. Deus acabaria, no fim, reinando sobre um imenso cemitério; seria um Deus dos mortos e, por conseguinte, um Deus morto ele mesmo. Toda a vida não passaria de uma brincadeira cruel, um fazer-nos entrever e desejar a luz, a alegria, a vida, mas só para nos dizer que não são feitas para nós. Basta formular um pensamento desta natureza para ver-lhe o absurdo e afastar-se dele com horror. Uma vez que se acreditou em Deus, precisa-se de maior esforço para não crer na ressurreição dos mortos do que para crer nela. Compreende-se por que Jesus concluiu sua discussão com os saduceus com uma inusitada força e quase com desprezo: “estais muito errados” ( Mc 12,27 ).

Nós, cristãos, professamos no Credo a nossa esperança na ressurreição do corpo e na vida eterna. Este artigo da fé expressa o termo e o fim do designo de Deus sobre o homem. Se não existe ressurreição, todo o edifício da fé desaba, como afirma S. Paulo (1 Cor 15 ).

Diante da atração das coisas da terra que, por vezes podem parecer as únicas que contam, temos de considerar frequentemente que a nossa alma é imortal, e se unirá ao nosso corpo no fim dos tempos; ambos- o homem inteiro: alma e corpo- estão destinados a uma eternidade sem fim. Tudo o que levamos a cabo neste mundo deve ser feito com o olhar posto nessa vida que nos espera, pois pertencemos totalmente a Deus, de alma e corpo, com os sentidos e com as potências. Todo homem criado por Deus é destinado a viver na comunhão com Deus.

Escreveu S. Cirilo de Jerusalém: “A esperança da Ressurreição é a raiz de toda boa ação; a espera da retribuição fortalece a alma para o cumprimento do bem. Todo operário está pronto a suportar a fadiga se prevê a recompensa. Cada alma que crê na ressurreição tem cuidado de si mesma, a que não crê na ressurreição abandona-se à ruína. Quem crê que o corpo permanece para a ressurreição cuida desta veste da alma e não a suja com fornicação. Quem, ao invés, não crê na ressurreição abandona-se à impureza, abusando do próprio corpo como de algo que não lhe pertence…”.

Continua S. Cirilo: “A alma e o corpo pertencem-se mutuamente de maneira natural, e Deus criou-os um para o outro. Respeita-o, já que tem a grande sorte de ser templo do Espírito Santo. Não manches a tua carne, e, se te atreveste a fazê-lo, purifica-a agora com a penitência. Limpa-a enquanto tens tempo”.

Ensina S. Tomás que a nossa filiação divina, iniciada pela ação da graça na alma, “será consumada pela glorificação…, de forma que, assim como a nossa alma foi redimida do pecado, assim o nosso corpo será redimido da corrupção da morte”. E a seguir cita as palavras de S. Paulo aos Filipenses: “Ele transformará o nosso corpo, humilhado, tornando-o semelhante ao seu corpo glorioso, graças ao poder que o torna capaz também de sujeitar a si todas as coisas” (3,21).

Não podemos desprezar o nosso corpo, como também não podemos exaltá-lo como se fosse a única realidade no homem. Devemos dominá-lo mediante a mortificação porque, em consequência da desordem produzida pelo pecado original, tende a atraiçoar-nos. (cf. S. Josemaría Escrivá, Caminho, 196).

“Fostes comprados, por alto preço! Então, glorificai a Deus no vosso corpo”. (1 Cor 6, 20).

A cada dia somos transformados para estarmos sempre mais prontos para a Vida. Tenhamos o desejo do Céu! De que viveremos no Céu? Reza o Salmo 16: “Ao despertar, me saciará vossa presença”. A vida futura se realiza em Deus. Ele é a Vida. Lembra S. João: “Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas não se manifestou ainda o que haveremos de ser. Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque O veremos tal como Ele é” ( 1 Jo 3,2).

 

Monsenhor José Maria

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