Homilia do Mons. José Maria – XXVI Domingo do Tempo Comum (Ano C)

Os Mortos não Voltam!

No Evangelho deste domingo (Lc 16, 19-31), Jesus narra a parábola do homem rico e do pobre Lázaro. O primeiro vive no luxo e no egoísmo, e quando morre, vai para o inferno. Ao contrário, o pobre, que se alimenta com as migalhas que caem da mesa do rico, quando morre é levado pelos anjos para a casa eterna de Deus e dos santos. Mas a mensagem da parábola vai além: recorda que, enquanto estivermos neste mundo, devemos ouvir o Senhor que nos fala mediante as Sagradas Escrituras e viver segundo a sua Vontade, caso contrário, depois da morte, será demasiado tarde para se corrigir. Portanto, esta parábola diz-nos duas coisas: a primeira é que Deus ama os pobres e eleva-os da sua humilhação; a segunda é que o nosso destino eterno está condicionado pela nossa atitude, compete a nós seguir o caminho que Deus nos mostrou para alcançar a vida, e este caminho é o amor, entendido não como sentimento, mas como serviço aos outros, na caridade de Cristo.  Diz Jesus:  “à sua porta, estava deitado um mendigo chamado Lázaro, todo coberto de chagas, que desejava saciar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico. E até os cães lambiam as suas feridas. O rico personifica o uso injusto das riquezas da parte de quem as usa para um luxo desenfreado e egoísta, pensando unicamente em satisfazer-se a si mesmo, sem se preocupar minimamente com o mendigo que está à sua porta. O pobre, ao contrário, representa a pessoa da qual só Deus se ocupa: em contraposição ao rico, ele tem um nome, Lázaro, abreviação de Eleazaro, que significa precisamente “Deus ajuda-o”. Quem é esquecido por todos, Deus não o esquece; quem não tem valor aos olhos dos homens, é precioso aos olhos do Senhor. Devemos confiar mais em Deus do que nos bens. Quão difícil é para alguém imerso em prazeres e riquezas confiar em Deus. Todos os seus bens gritam incessantemente: confia em mim. É o que faz a atual cultura do bem-estar e do consumismo. Portanto, se não cuidar, esquecemos de Deus. A ânsia de conforto, de bens materiais, de comodidades, de prazeres e de luxo, leva ao esquecimento de Deus e dos outros, à ruína espiritual. O egoísmo faz cegar diante das necessidades alheias, impedindo de amar. O rico deveria ter visto Lázaro e ajudado, se fosse menos egoísta. 

A descrição que o Senhor nos faz nesta parábola tem fortes contrastes: grande abundância num, extrema necessidade no outro. O homem rico vive para si, como se Deus não existisse. Esqueceu uma coisa que o Senhor recorda com muita frequência: não somos donos dos bens materiais, mas administradores.

A narração mostra como a iniquidade terrena é invertida pela justiça divina: depois da morte, Lázaro é acolhido “no seio de Abraão”, isto é, na bem-aventurança eterna; enquanto que o rico termina “no inferno entre os tormentos”. Trata-se de um estado de coisas inapelável e definitivo, pois é em vida que é preciso corrigir-se; fazê-lo depois, não serve para nada. Portanto, enquanto estivermos neste mundo, devemos ouvir o Senhor que nos fala mediante as Sagradas Escrituras e viver segundo a Sua Vontade, caso contrário, depois da morte, será demasiado tarde para se corrigir.

O homem rico não está contra Deus nem oprime o pobre! Apenas está cego para as necessidades alheias. O seu pecado foi não ter visto Lázaro, a quem poderia ter feito feliz com um pouco menos de egoísmo e um pouco mais de despreocupação pelas suas próprias coisas. Não utilizou os bens conforme o querer de Deus. Não soube compartilhar. Santo Agostinho comenta: “Não foi a pobreza que conduziu Lázaro ao Céu, mas a sua humildade; nem foram as riquezas que impediram o rico de entrar no descanso eterno, mas o seu egoísmo e a sua infidelidade.”

Do uso que façamos dos bens que Deus depositou nas nossas mãos, depende a vida eterna. Estamos num tempo de merecer! Por isso, o Senhor nos dirá: “Há mais felicidade em dar, do que em receber” (At 20, 35). Ganhamos mais dando do que recebendo: ganhamos o Céu! A caridade é sempre realização do Reino dos Céus e é a única bagagem que restará neste mundo que passa. E devemos estar atentos, pois Lázaro pode estar no nosso próprio lar, no escritório ou na oficina em que trabalhamos. Ou seja: O nosso destino eterno está condicionado pela nossa atitude, compete a nós seguir o caminho que Deus nos mostrou para alcançar a vida, e este caminho é o amor, entendido não como sentimento, mas como serviço aos outros, na caridade de Cristo.

A parábola ensina a sobrevivência da alma após a morte e que, imediatamente depois da morte a alma é julgada por Deus de todos os seus atos – juízo particular –, recebendo o prêmio ou o castigo, merecidos; que a Revelação divina é, de per si, suficiente para que os homens creiam no mais além.

Também ensina que quem morre não volta mais! Que não existe reencarnação! Quem salva o homem é Jesus Cristo, não o próprio homem que vai pagando as suas faltas, cada vez que reencarna. Quem tem fé em Cristo e o aceita como Salvador rejeita o espiritismo e a sua doutrina, a reencarnação. Em Hb 9, 27, diz o Senhor: “está determinado que cada um morra uma só vez, e depois vem o julgamento.”

“Entre vós e nós existe um abismo”, disse Abraão ao rico, manifestando que depois da morte e ressurreição não haverá lugar para penitência alguma. Nem os ímpios se arrependerão e entrarão no Reino, nem os justos pecarão e descerão para o inferno. Este é um abismo intransponível. Por isso se compreendem as palavras de São João Crisóstomo: “Rogo-vos e peço-vos e, abraçado aos vossos pés, suplico-vos que, enquanto gozemos desta pequena respiração da vida, nos arrependamos, nos convertamos, no tornemos melhores, para que não nos lamentemos inutilmente como aquele rico quando morrermos e o pranto não nos traga remédio algum. Porque ainda que tenhas um pai ou um filho ou um amigo ou qualquer outro que tenha influência diante de Deus, todavia, ninguém te livrará, sendo como são os teus próprios fatos (atos) que te condenam.” O que se reprova, no fundo, ao rico avarento da parábola é isto: não ter tido uma migalha de compaixão e de amor para com o pobre que sentava à sua porta e que via, cada dia, morrendo aos poucos de inanição; reprova-se seu egoísmo e sua falta de compaixão. A presença do pobre Lázaro, na parábola, tem esta função: mostrar, como num espelho, o que há de abominável na prática do rico. 

Exorta São Paulo em 1Tm 6, 10: “a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro. Por se terem entregue a ele, alguns se desviaram da fé e se afligem com inúmeros sofrimentos”.  O mesmo S. Paulo nos convida: “Combate o bom combate da fé, procura alcançar a vida eterna, para a qual foste chamado…” (1Tm 6, 12). Somente a fé viva em Cristo oferece uma garantia segura para se viver dignamente no tempo e conquistar a eternidade com Deus.

Nós fomos eleitos para ser fermento que transforma e santifica as realidades terrenas. A sobriedade, a temperança, o desprendimento, hão de levar-nos ao mesmo tempo a sermos generosos: ajudando os mais necessitados, levando adiante – com o nosso tempo, com os talentos que recebemos de Deus, com os bens materiais na medida das nossas possibilidades – obras boas, que elevem o nível de formação, de cultura, de atendimento aos doentes… Ou seja, com o coração em Deus e voltado para o próximo.

Não vos conformeis com este mundo…” (Rm 12, 2). Quando se vive com o coração posto nos bens materiais, as necessidades dos outros escapam-nos; é como se não existissem. O rico da parábola “foi condenado porque nem sequer percebeu a presença de Lázaro, da pessoa que se sentava à sua porta e desejava alimentar-se das migalhas que caíam da sua mesa” (Sto. Agostinho).

A parábola de hoje termina com a atenção dirigida aos cinco irmãos, que tinham ficado em casa, ignorando a desventura que tinha se abatido sobre um deles. Nós somos, em certo sentido, aqueles cinco irmãos! A nós, agora, foi enviado “alguém que ressuscitou da morte”. É enviado Jesus em pessoa, o qual não vem para nos condenar, mas para nos salvar e dar-nos a força de ser coerentes com a sua Palavra.

Façamos bom uso dos bens materiais. Jesus vê na riqueza o perigo mais grave de autossuficiência, de afastamento de Deus e de insensibilidade para com o próximo. Afinal, tudo neste mundo passa! Os bens terrenos, os prazeres e alegrias, como também os sofrimentos, são efêmeros, acabam com a morte. Tudo passa. Só permanece o que fica em nossa alma.

Jesus não condena a riqueza em si, mas o mau uso que se faça dela. É um alerta severo contra o abuso das riquezas e o descaso em relação aos que sofrem. Condena o egoísmo, que nos faz insensíveis. É um convite à sobriedade e à solidariedade. Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna. A vida única neste mundo é mais importante do que muitos imaginam: aqui se decide a eternidade.

Que a Virgem Maria nos ajude a aproveitar o tempo presente para ouvir e pôr em prática esta parábola de Deus. Que ela nos obtenha que nos tornemos mais atentos aos irmãos em necessidade, para partilhar com eles o muito ou o pouco que temos, e contribuir, começando por nós próprios, para difundir a lógica e o estilo da solidariedade autêntica.

Mons. José Maria Pereira

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