Homilia do Mons. José Maria – XXIII Domingo do Tempo Comum (Ano C)

Condições para Seguir Jesus!

O Evangelho (Lc 14, 25-33) ensina que a verdadeira sabedoria, que nos leva à salvação, consiste no seguimento radical de Cristo; multidões O seguiam e Jesus voltando-se, disse-lhes: “Se alguém vem a Mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser Meu discípulo”.

Odiar na linguagem bíblica, ou renunciar, segundo o uso semítico, significa amar menos, pospor, como se pode apreciar no texto paralelo de Mt 10, 37: “Quem amar o pai ou a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim”. Só Deus tem o direito ao primado absoluto no coração e na vida do homem; Jesus é Deus e, por conseguinte, é lógico que o exija como condição indispensável para ser Seu discípulo. “Mas o Senhor, comenta S. Ambrósio, não manda nem desconhecer a natureza nem ser escravo dela; manda atender à natureza de tal maneira que se venere o Seu Autor e não afastar-se de Deus por amor aos pais”. Isto é válido para todos, mesmo para os simples cristãos, como para todos é válida também a frase seguinte: “Quem não carrega sua Cruz e não caminha atrás de Mim, não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 27). Jesus vai a caminho de Jerusalém onde será crucificado e, à multidão que O segue, declara a necessidade de levar a Cruz com amor e constância. Ele levou a Cruz até morrer pregado nela; o cristão não pode pensar em levá-la, só em alguns momentos da vida, mas terá que abraçá-la todos os dias, até à morte. Seguir Jesus é sério, não se pode fazer com superficialidade e à moda brincadeira. Jesus não é um demagogo que faz promessas fáceis e cuja preocupação é atrair multidões a qualquer preço. A proposta de Jesus implica uma resposta livre, séria, exigente, radical, sem “panos quentes”.

O seguimento de Cristo exige uma atitude radical de desprendimento de tudo que possa opor-se à proposta de Jesus. Mesmo os valores mais sagrados, como relacionamento familiar, devem submeter-se ao valor superior, o do Reino de Deus, à imitação de Jesus Cristo. Quem deseja ser discípulo de Jesus Cristo deve estar pronto a investir tudo, até a própria vida, até os valores mais sagrados como as vinculações de sangue e os bens materiais.

Isso não significa que os cristãos devam renunciar aos vínculos familiares e aos deveres de membros da sociedade. Significa antes que são chamados a viverem estes relacionamentos com liberdade e dedicação, respeitando o valor das pessoas e das coisas, bem como a própria dignidade.

“Se alguém vem a Mim, mas não odeia o pai, a mãe…”; estas palavras do Senhor não devem desconcertar ninguém. O amor a Deus e a Jesus Cristo deve ocupar o primeiro lugar na nossa vida e devemos afastar tudo aquilo que ponha obstáculos a este amor: “Amemos neste mundo a todos, comenta São Gregório Magno, ainda que seja ao inimigo; mas odeie-se o que se nos opõe no caminho de Deus, ainda que seja parente… Devemos, pois, amar o próximo; devemos ter caridade com todos; com os parentes e com os estranhos, mas sem nos afastarmos do amor de Deus por amor deles”. Em última análise, trata-se de observar a ordem da caridade: Deus tem prioridade sobre tudo.

Ainda São Gregório: “Se consideramos, irmãos caríssimos, quais e quantos bens são os que nos são prometidos para o Céu, tudo o que há na terra, a alma o tem por desprezível, porque toda a riqueza da terra comparada com a felicidade do Céu, mais que benefício, é desgosto”.

O Jesus que fala é o mesmo que manda amar os outros com a própria alma e entrega a Sua vida pelos homens. A frase, “se não odiar pai e mãe…” indica simplesmente que perante Deus não cabem meias-tintas. Poderiam traduzir-se as palavras de Cristo por amar mais, amar melhor, ou então por não amar com amor egoísta nem também com um amor de vistas curtas: devemos amar com o Amor de Deus. Para Cristo, não há caminho intermediário. A prioridade deve ser Ele. Quem pode pretender tanto, senão Deus? Pede que o amor por Ele seja maior e mais profundo que todos os demais amores. Não se trata de não amar, mas de amar mais a Deus. Ele não é um amigo entre os outros, e o Primeiro Mandamento é amá-Lo sobre todas as coisas. Os laços afetivos naturais não devem afastar de Deus. Porém, seria equivocado pensar que amor a Deus sempre entra em competição com diversos amores humanos. Não os exclui, mas os ordena, dá apoio, fundamento e a graça necessária para ser vivido fielmente. Ele dará afetos renovados, um amor purificado, desinteressado e generoso.

“Quem não carrega sua Cruz… não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 27). O Compromisso do cristão com sua fé é uma escolha contínua, cotidiana, forte e exigente, às vezes, heroica. Não pode viver fazendo opções egoístas, colocando absolutamente em primeiro lugar os seus interesses, os seus esquemas, o que é melhor para ele. É necessária a renúncia à própria vida enquanto desapego dos próprios interesses. O caminho do cristão é a imitação de Jesus Cristo. Não há outro modo de O seguir senão acompanhá-Lo com a própria Cruz. A experiência mostra-nos a realidade do sofrimento, e que este leva à infelicidade se não se aceita com sentido cristão. A Cruz não é uma tragédia, mas pedagogia de Deus que nos santifica por meio da dor para nos identificarmos com Cristo e nos tornarmos merecedores da glória. Por isso é tão cristão amar a dor: “Bendita seja a dor. Amada seja a dor. Santificada seja a dor… Glorificada seja a dor!” (Caminho, 208).

“… Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 33). Se antes o Senhor falou de “odiar” os pais e até a própria vida, agora exige com igual vigor o desprendimento total das riquezas. Esta renúncia das riquezas há de ser efetiva e concreta: o coração deve estar desembaraçado de todos os bens materiais para poder seguir os passos do Senhor. Pois, é impossível “servir a Deus e ao dinheiro” (Lc 16, 13). Dizia São Josemaria Escrivá: “Se és homem de Deus, põe em desprezar as riquezas o mesmo emprenho que põem os homens do mundo em possuí-las”. (Caminho, 633).

Quem é o homem sábio à luz da experiência cristã? É aquele que não se deixa enredar pelas coisas, que consegue salvar em cada circunstância o primado de Deus e do Espírito, quem não arrisca o todo pela parte, o eterno pelo transitório, o importante por aquilo que é somente urgente.

Os sábios por excelência, na visão cristã, são os santos: que equilíbrio neles entre a dedicação a Deus e a dedicação aos homens! Os santos não pertencem apenas ao passado! Temos São João Paulo II, Santa Tereza de Calcutá, etc.

Hoje somos chamados a viver a sabedoria de Deus, a seguir Jesus Cristo, a sermos santos!

Que não caiamos no relaxamento, na falta de comprometimento cristão, no perigo de servir a dois senhores, de ser sal insípido. Saibamos que a Verdade é exatamente o contrário! A tantas comunidades e a tantos cristãos de hoje poder-se-ia dirigir a censura que, no Apocalipse, é dirigida à Igreja de Laodicéia e que incutiu um temor salutar aos leitores de todos os tempos: “Conheço as tuas obras. Não és frio, nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Mas, porque és morno, nem frio nem quente, estou para vomitar-te de minha boca. Reanima, pois, o teu zelo e arrepende-te. Eis que estou à porta e bato” (Ap 3,15-20).

Podemos concluir, fazendo uma oração espontânea: “Jesus, estamos um pouco apavorados por aquilo que nos disseste hoje. Nosso espírito está pronto, mas nossa carne é fraca. Nosso espírito sabe que se pedes coisas é porque queres doar-nos outras muito maiores. Sustenta a fraqueza de nossa vontade; inflama nosso desejo por estas coisas grandes que reservas para nós e assim também as coisas que pedes nos parecerão pequenas e quase insignificantes, e nós viveremos de verdade sempre voltados para os bens eternos.”

Mons. José Maria Pereira

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