Homilia do Mons. José Maria – XXII Domingo do Tempo Comum (Ano C)

Alicerce das Virtudes

A virtude da humildade constitui o alicerce de todas as outras virtudes.

A humildade atrai sobre si o amor de Deus e o apreço dos outros, ao passo que a soberba os repele. Por isso, a primeira leitura (Eclo 3,19-21. 30-31) aconselha-nos: “Nos teus assuntos, procede com humildade, e haverão de amar-te mais que ao homem generoso. E na mesma passagem: Torna-te pequeno nas grandezas humanas, e alcançarás o favor de Deus, e Ele revela os seus segredos aos humildes”.

O homem humilde compreende melhor a vontade divina e sabe o que Deus lhe vai pedindo em cada circunstância. O humilde respeita os outros, as suas opiniões e as suas coisas; possui uma especial fortaleza, pois, apoia-se constantemente na bondade e onipotência de Deus: “Quando sou fraco, então sou forte”, proclama São Paulo.

No Evangelho (Lc 14, 1. 7-14), encontramos Jesus hóspede na casa de um chefe dos fariseus. Observando que os convidados escolhiam os primeiros lugares à mesa, Ele contou uma parábola, ambientada num banquete nupcial : “Quando fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu, e o dono da casa, que convidou os dois, venha a te dizer: ‘Dá o lugar a ele’…. Quando fores convidado, vai sentar-te no último lugar” (Lc14, 8-10). O Senhor não pretende dar uma lição sobre boas maneiras, nem sobre a hierarquia entre as diversas autoridades. Mas, Ele insiste sobre um ponto decisivo, que é o da humildade:  “Todo aquele que se exalta será humilhado; e aquele que se humilha será exaltado” (Lc14, 11). Esta parábola, num significado mais profundo, faz pensar também na posição do homem em relação a Deus. O “último lugar” pode representar, de fato, a condição da humanidade degradada pelo pecado, condição da qual só a Encarnação do Filho Unigênito a pode elevar. Por isto o próprio Cristo “ocupou o último lugar no mundo – a Cruz – e, precisamente com esta humildade radical, nos redimiu e nos ajuda sem cessar” (Bento XVl, Enc. Deus Caritas est, 35). Mais uma vez olhamos para Cristo como modelo de humildade e de gratuidade: d’Ele aprendemos a paciência nas tentações, mansidão nas ofensas, a obediência a Deus nos padecimentos, na expectativa que Aquele que nos enviou nos diga: “sobe mais para cima” ( Lc 14, 10 ); de fato, o verdadeiro bem é estar próximo d’Ele.

A ambição, uma das formas de soberba, é causa frequente de mal-estar em quem se deixa levar por ela. “Por que ambicionas os primeiros lugares? Para estar por cima dos outros?,” pergunta-nos São João Crisóstomo. A soberba é o maior obstáculo entre Deus e nós. E o pecado mais ridículo. A pessoa veste-se de aparência, enche –se de vazio. É a idolatria do eu.

A virtude da humildade não tem nada a ver com a timidez ou a mediocridade. A humildade leva-nos a ter plena consciência dos talentos que Deus nos deu, mas para fazê-los render com o coração reto.

A humildade faz que tenhamos consciência clara de que os nossos talentos e virtudes, tanto naturais como na ordem da graça, pertencem a Deus, porque da sua plenitude, todos recebemos. Tudo o que é bom vem de Deus; a deficiência e o pecado, esses, sim, são nossos. Humildade é reconhecer que valemos pouco – nada -, e ao mesmo tempo sabermo-nos “portadores de essências divinas de um valor inestimável”. Afinal, o que tens que não tenhas recebido?

A humildade elimina os complexos de inferioridade – que com frequência resultam da soberba ferida -, torna-nos alegres e serviçais, sequiosos de amor de Deus: Nosso Senhor porá em nós tudo o que nos faltar. A luta por ser humilde consistirá, especialmente, em ver-se como Deus nos vê. Não somos melhores quando nos elogiam, nem piores quando nos criticam: somos o que somos diante de Deus. Quem é humilde não necessita ser elogiado, pois sua esperança está colocada no Senhor, não fica mendigando elogios.

Só o humilde procura a sua felicidade e a sua fortaleza no Senhor. Um dos motivos pelos quais os soberbos andam à cata de louvores e se sentem feridos por qualquer coisa que possa rebaixá-los na sua própria estima ou na dos outros, é a falta de firmeza interior; o seu único ponto de apoio e de esperança são eles próprios.

Os maiores obstáculos que o homem encontra para caminhar no seguimento de Cristo têm a sua origem no amor desordenado de si próprio, que o leva umas vezes a supervalorizar as suas forças e, outras, a cair no desânimo e no desalento.

São Bernardo indica diferentes manifestações progressivas da soberba: a curiosidade, o querer saber tudo de todos; a frivolidade de espírito, por falta de profundidade na oração e na vida; a alegria tola e deslocada, que se alimenta frequentemente dos defeitos dos outros e os ridiculariza; a jactância; o prurido de singularidade; a arrogância; a presunção; o não reconhecer jamais as falhas próprias, ainda que sejam notórias; a relutância em abrir a alma ao sacerdote na Confissão, por parecer que não tem faltas…O soberbo é pouco amigo de conhecer a autêntica realidade do seu coração e muito amigo de calcar os outros aos pés, seja em pensamento, seja pelas suas atitudes externas.

Juntamente com a oração, que é sempre o primeiro meio de que devemos socorrer-nos, procuremos ocasiões de praticar habitualmente a virtude da humildade: nos nossos afazeres, na nossa vida familiar, quando estamos sozinhos…, sempre!

A humildade é tão necessária para a salvação que Jesus aproveita qualquer circunstância para colocá-la em relevo.

Procuremos, na medida do possível, falar pouco de nós mesmos, dos nossos assuntos, daquilo que nos exaltaria aos olhos dos outros…; procuremos evitar sempre a ostentação de qualidades, bens materiais, conhecimentos…

Aceitemos as contrariedades com paciência, sem mau-humor, oferecendo-as com alegria ao Senhor; aceitemos sobretudo as pequenas humilhações e injustiças que se produzem na vida diária, pensando sinceramente: “ Quando vier o sofrimento, o desprezo…, a Cruz, deves considerar: –  Que é isto, comparado com o que eu mereço?” (Caminho, nº 690).

Cuidemos de não insistir nas nossas opiniões, a não ser que a verdade ou a justiça o exijam, e empreguemos então a moderação unida à firmeza. São Josemaria Escrivá dizia: “Estás sofrendo uma grande tribulação? Encontras oposição? – Diz, muito devagar, como que saboreando, esta oração forte e viril: “Faça-se, cumpra-se, seja louvada e eternamente glorificada a justíssima e amabilíssima Vontade de Deus sobre todas as coisas. – Assim seja. – Assim seja”. Eu te garanto que alcançarás a paz” (Caminho, 691).

Passemos por alto os erros alheios, desculpando-os e ajudando-os com uma caridade delicada a superá-los; cedamos à vontade dos outros sempre que não esteja envolvido o dever ou a caridade.

Aceitemos ser menosprezados, esquecidos, não consultados nesta ou naquela matéria em que nos consideramos mais experientes ou em mais conhecimentos; fujamos de ser admirados ou estimados, retificando a intenção perante os louvores e elogios. Devemos procurar alcançar o maior prestígio profissional possível, mas por Deus, não por orgulho, nem para pisar os outros.

Aprenderemos a ser humildes se nos relacionarmos sempre mais intimamente com Jesus.

Peçamos à Virgem Maria que nos guie pelo caminho da humildade, para nos tornarmos dignos da recompensa divina.

Mons. José Maria Pereira

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