Homilia do Mons. José Maria – XXI Domingo do Tempo Comum (Ano C)

Nem todos se salvam?

A Palavra de Deus (Lc13, 22-30) vem nos ensinar que a salvação não constitui uma propriedade adquirida, mas uma resposta ao dom oferecido por Deus. Não é privilégio de um pequeno grupo, que se consideram discípulos do Senhor, mas está aberto a todos indistintamente. (cf. Is. 66, 18-21).

Diante da pergunta: “Senhor, são poucos os que se salvam?” (Lc 13, 23), Jesus não quis responder diretamente. Foi mais longe que a pergunta e fixou-se no essencial: perguntam-lhe sobre o número e Ele responde sobre o modo: Entrai pela porta estreita…E a seguir ensina que, para entrar no Reino – a única coisa que verdadeiramente importa –,  não é suficiente pertencer ao Povo eleito, nem alimentar uma falsa confiança nEle: “Então começareis a dizer: Nós comemos e bebemos diante de ti, e tu ensinaste em nossas praças. Ele, porém, responderá: Não sei de onde sois. Afastai-vos de mim, todos vós que praticais a injustiça” (Lc 13, 26-27).

As palavras de Jesus são um alerta para todos! Deus oferece gratuitamente a Salvação, mas espera a nossa resposta, o nosso compromisso com os valores do Evangelho. É preciso acolher essa oferta, aderir a Jesus e entrar pela “porta estreita”.

Que significa esta “porta estreita”? Por que muitos não conseguem entrar por ela? Trata-se, porventura, de uma passagem reservada a alguns eleitos? De fato, este modo de raciocinar dos interlocutores de Jesus, considerando bem, é sempre atual: a tentação de interpretar a prática religiosa como fonte de privilégios ou de certezas está sempre pronta para armar uma cilada. Na realidade, a mensagem de Cristo é precisamente em sentido oposto: todos podem entrar na vida, mas para todos a porta é “estreita”. Não há privilégios. A passagem para a vida eterna está aberta a todos, mas é “estreita” porque é exigente, requer compromisso, abnegação, mortificação do próprio egoísmo.

O Evangelho, mais uma vez, nos convida a considerar o futuro que nos espera e para o qual nos devemos preparar durante a nossa peregrinação na Terra.

Devemos estar atentos porque o ser cristão não é um meio mágico de salvação; esta é o resultado do encontro entre o esforço humano e o dom de Deus (a Graça). Para salvar-se, não basta ser batizado, mas querer entrar todos os dias pela “porta estreita” da fidelidade à mensagem de Cristo e do Evangelho. Não adianta inventar desculpas: Sou católico desde criança…Vou a Missa aos domingos, confesso com frequência, pago o dízimo, ajudo a Igreja, sou amigo do Padre…do Bispo…Fiz o cursilho, o ECC, o seminário da RCC…sou membro do Apostolado…etc…

Naquela hora, poderá ter surpresa: “Então começareis a dizer: ‘Nós comemos e bebemos diante de ti…’. Ele, porém, responderá: Não sei de onde sois. Afastai-vos de mim…” (Lc 13, 26 – 27). Portanto, não será suficiente declarar-se “amigos” de Cristo vangloriando-se de falsos méritos: “Comemos e bebemos contigo e Tu ensinaste nas nossas praças” ( Lc 13, 26 ). A verdadeira amizade com Jesus expressa-se no modo de viver: expressa-se com a bondade do coração, com a humildade, com a mansidão e a misericórdia, o amor pela justiça e a verdade, o compromisso sincero e honesto pela paz e pela reconciliação. Poderíamos dizer que é este o “bilhete de identidade” que nos qualifica como seus autênticos “amigos”; é este o “passaporte” que nos permitirá entrar na vida eterna. Para conseguir a salvação temos que entrar pela porta estreita do despojamento e da humildade, da renúncia de si mesmo e da CONVERSÃO!

Considerar-se justo e já salvo constitui um grande perigo, pois o dom de Deus pode passar para outros que corresponderem melhor.

Todos os homens estamos chamados a fazer parte do Reino de Deus, porque “Deus quer que todos os homens se salvem” (1 Tm 2,4).

Em qualquer caso só podem alcançar esta meta da Salvação aqueles que lutam seriamente (cf. Lc 16,16; Mt 11,12). O Senhor exprime esta realidade da nossa vida com a imagem da porta estreita. “A guerra do Cristão é incessante, porque na vida interior dá-se um perpétuo começar e recomeçar, que impede que, com orgulho, nos pensemos já perfeitos. É inevitável que haja muitas dificuldades no nosso caminho; se não encontrássemos obstáculos, não seríamos criaturas de carne e osso. Havemos de ter sempre paixões que nos puxem para baixo e sempre precisaremos de nos defender desses delírios mais ou menos veementes” (São Josemaria Escrivá, Cristo que passa, nº 75).

Ter conhecido o Senhor e ter escutado a sua palavra não é suficiente para alcançar o Céu; só os frutos da correspondência à Graça terão valor no juízo divino: Nem todo aquele que Me diz: Senhor! Senhor!, entrará no Reino dos Céus, mas só aquele que põe em prática a vontade de Meu Pai que está nos Céus” (Mt 7,21).

O povo judeu, de modo geral, considerava-se o único destinatário das promessas messiânicas feitas aos Profetas, mas Jesus declara a universalidade da salvação. A única condição que exige é a resposta livre do homem ao chamamento misericordioso de Deus. Cristo ao morrer na Cruz, o véu do Templo rasgou-se pelo meio (Lc 23, 45), em sinal de que acabava a divisão que separava judeus e gentios.

Deus quer que todos se salvem! E o Senhor quis que participássemos da sua missão de salvar o mundo, e dispôs que o empenho apostólico fosse elemento essencial e inseparável de vocação cristã. Quem se decide a segui-Lo, converte-se num apóstolo com responsabilidades concretas de ajudar os outros a encontrar a porta estreita que conduz ao Céu.

O desejo de aproximar os homens do Senhor não nos leva a fazer coisas estranhas ou chamativas, e muito menos a descuidar os deveres familiares, sociais ou profissionais. É precisamente nas relações humanas normais que encontramos o campo para uma ação apostólica muitas vezes silenciosa, mas sempre eficaz. No meio do mundo, no lugar em que Deus nos colocou, devemos levar os outros a Cristo: com o exemplo, mostrando coerência entre a fé e as obras; com a alegria constante; com a nossa serenidade perante as dificuldades; por meio da palavra que anima sempre e que mostra a grandeza e a maravilha de encontrar e seguir Jesus.

Dos primeiros cristãos, dizia-se: “O que a alma é para o corpo, isso são os cristãos para o mundo” (Epístola a Diogneto, 5). Será que poderia dizer-se o mesmo de nós na família, no lugar de estudo ou trabalho, na associação cultural ou esportiva a que pertencemos? Somos a alma que dá a vida de Cristo onde quer que estejamos presentes?

Se olharmos apenas as exigências de entrar pela porta estreita, poderíamos ficar preocupados…

Mas sabemos que Deus é bondade, misericórdia e justiça. Cristo nos garante: “Eu sou a porta, quem entrar por mim, será salvo…” (Jo 10, 9). E Paulo nos garante uma verdade muito consoladora: “É vontade de Deus que todos os homens se salvem, e todos cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Tm 2, 4). A porta é estreita, mas está aberta…

Queridos irmãos e irmãs, se quisermos também nós entrar pela porta estreita, devemos empenhar-nos a ser pequenos, isto é, humildes de coração como Jesus. Como Maria, sua e nossa Mãe. Foi Ela a primeira, seguindo Jesus, a percorrer o caminho da Cruz e foi elevada à Glória do Céu, como recordamos há alguns dias. O povo cristão invoca-a como, “Porta do Céu”. Peçamos-Lhe que nos guie, nas nossas opções quotidianas, pelo caminho que conduz à Porta do Céu”.

Mons. José Maria Pereira

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