Homilia de D. José Maria Pereira – XV Domingo do Tempo Comum – Ano C

 Amor sem distinção!

Dom José Maria Pereira

O Evangelho, em (Lc 10, 25-37), inicia com a pergunta que um doutor da Lei faz a Jesus: “Mestre, que devo fazer para receber em herança, a vida eterna?” (Lc 10,25). Sabendo que ele era perito nas Sagradas Escrituras, o Senhor convida aquele homem a dar ele mesmo a resposta, que de fato formula perfeitamente, citando os dois mandamentos principais: amar a Deus com todo o seu coração, mente e forças e amar o próximo como a si mesmo. Então o doutor da Lei, quase para se justificar, pergunta: “E quem é o meu próximo?” (Lc 10, 29).  Em resposta, Jesus conta a história do Bom Samaritano que socorre o homem caído nas mãos dos ladrões e deixado meio morto ao lado da estrada. Este é o meu próximo: um homem, um homem qualquer, alguém que necessita de mim. O Senhor não introduz nenhuma especificação de raça, amizade ou parentesco. O nosso próximo é qualquer pessoa que esteja perto de nós e necessite de ajuda. Nada se diz do seu país, nem da sua cultura, nem da sua condição social: um homem qualquer. O Samaritano, de fato, ocupa-se da condição de um desconhecido, que os salteadores deixaram meio morto à margem da estrada.

No caminho da nossa vida, encontraremos pessoas feridas, despojadas de tudo e meio mortas, na alma e no corpo. Se estivermos unidos a Cristo, teremos interesse de ajudar, teremos o coração dilatado e preservado da mesquinhez e do egoísmo. Encontraremos pessoas cobertas de dor, pela falta de compreensão e de carinho, ou necessitadas dos meios materiais mais indispensáveis; feridas, por terem sofrido humilhações, que vão contra a dignidade humana; despojadas, talvez, dos direitos mais fundamentais: situações de misérias que bradam aos céus. O cristão nunca pode passar ao largo, como fizeram alguns personagens da parábola.

Também encontraremos, diariamente, esse homem que foi deixado meio morto, porque não lhe ensinaram as verdades mais elementares da fé, ou porque lhes arrancaram essas verdades mediante o mau exemplo ou através de grandes meios modernos de comunicação, postos a serviço do mal. Não podemos esquecer, em momento algum, que o bem supremo do homem é a fé, superior a todos os bens materiais e humanos.

Nesta passagem do Evangelho, encontramos outro ensinamento fundamental: a Lei de Deus não é algo negativo, “não fazer”, mais algo claramente positivo, é amor; a santidade, a que todos os batizados estão chamados, não consiste tanto em não pecar, mas em amar, em fazer coisas positivas, em dar frutos de amor de Deus. Quando o Senhor nos descreve o Juízo Final, realça esse aspecto positivo da Lei de Deus (Mt 25, 31-46). O prêmio da vida eterna será concedido aos que fizeram o bem. Nesta parábola, do bom samaritano, Santo Agostinho identifica o Senhor com o bom samaritano, e o homem assaltado, pelos ladrões, com Adão, origem e figura de toda a humanidade caída. Levado por essa compaixão e misericórdia, desce à terra para curar as chagas do homem, fazendo-as suas próprias (Is 53, 4; Mt 8, 17; 1Pd 2, 14; 1 Jo 3, 5).

Essa mesma compaixão e amor, de Jesus Cristo, temos de sentir nós, os Cristãos, que devemos ser discípulos seus, para não passar nunca do lado oposto perante as necessidades alheias. Uma concretização do amor ao próximo encontramos nas Obras de Misericórdia, que se chamam assim, porque não são devidas por justiça. São quatorze: sete espirituais e sete corporais. As espirituais são: ensinar os que não sabem, dar bom conselho, corrigir os que erram, perdoar as injúrias, consolar os aflitos, sofrer com paciência as fraquezas do próximo,  rogar a Deus pelos vivos e defuntos. As corporais são: assistir os doentes, dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, visitar os cativos, vestir os nus, abrigar os peregrinos, sepultar os defuntos.

O amor ao próximo é muito concreto. “Com razão se pode dizer que é o próprio Cristo quem, nos pobres, levanta a voz para despertar a caridade dos seus discípulos” (GS, 88).

O samaritano não tem uma compaixão puramente teórica, ineficaz. Antes de mais nada aproximou-se, que é o que devemos começar por fazer, perante a necessidade do próximo.

Nem sempre se tratará de atos heroicos, difíceis; frequentemente, serão coisas simples, muitas vezes, pequenas, “pois essa caridade não deve ser procurada, unicamente, nos acontecimentos importantes, mas, sobretudo, na vida corrente” (GS, 38)

Jesus conclui o ensinamento com uma palavra cordial, dirigida ao doutor: “Vai e faze tu o mesmo”. Sê o próximo inteligente, ativo e compassivo com todo aquele que precisar de ti. Pois, como ensina São Tomás, “quando é amado o homem, é amado Deus já que o homem é imagem de Deus”. Quem ama, de verdade, Deus ama, também, os seus iguais, porque verá neles os seus irmãos, filhos do mesmo Pai, redimidos pelo mesmo sangue, de Nossa Senhor Jesus Cristo: “Temos este mandamento de Deus: que, o que ame a Deus, ame, também, o seu irmão” (1Jo 4, 21). Há, porém, um perigo! Se amamos o homem pelo homem, sem referência a Deus, este amor converte-se em obstáculo que impede o cumprimento do primeiro preceito; e então, deixa, também, de ser verdadeiro amor ao próximo.

Existe a tentação de ignorar a imagem mais viva de Deus, presente sobre a terra: o ser humano. A fé deve ser traduzida em gestos concretos de amor. Já ensinava Santa Teresa: a vida cristã não consiste em pensar muito, mas em amar muito. Diz São Tiago: “a fé sem obras é morta” (Tg 2,17). E o Evangelista São João: “Se alguém disser: amo a Deus, mas odeia o seu irmão, é mentiroso; pois quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê” (1Jo 4,20).

A parábola do bom samaritano introduz-nos no coração da mensagem evangélica: o amor a Deus e o amor ao próximo. Mas, quem é o meu próximo? – pergunta o interlocutor a Jesus. E o Senhor responde, invertendo a pergunta, mostrando através da narração do bom samaritano, que cada um de nós deve fazer-se próximo de cada pessoa que encontra. “Vai e faze a mesma coisa” (Lc 10,37). Amar, diz Jesus, é comportar-se como o bom samaritano. Nós sabemos, de resto, que o Bom Samaritano, por excelência, é precisamente Ele: embora fosse Deus, não hesitou em humilhar-se a ponto de se fazer homem e dar a vida por nós.

Portanto, o amor é o “coração” da vida cristã; com efeito, somente o amor, suscitado em nós pelo Espírito Santo, torna-nos testemunhas de Cristo.

O amor sem reservas ao próximo é missão e condição necessária para ser, de fato, discípulo de Jesus e ganhar, como herança, “o dom da vida eterna”.

Acolhamos a ordem de Jesus: “Vai e faze a mesma coisa”. São palavras que, também, dirige a nós: Sê o próximo inteligente, ativo e compassivo com todo aquele que precisar de ti. Para podermos vivê-las, recorramos à Santíssima Virgem: “Não existe coração mais humano do que o de uma criatura que transborda de sentido sobrenatural. Pensa em Maria, a cheia de graça, Filha de Deus Pai, Mãe de Deus Filho, Esposa de Deus Espírito Santo: no seu Coração cabe a humanidade inteira sem diferenças nem discriminações. – Cada um é seu filho, sua filha” (Sulco, 801).

Dom José Maria Pereira

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