Homilia do Mons. José Maria – XIX Domingo do Tempo Comum – Ano A

Por que Pedro afundou nas Águas?

No Evangelho deste domingo (Mt 14,22-33) encontramos Jesus que, retirando-se sobre o monte, reza durante a noite inteira. Separado tanto da multidão como dos seus discípulos, o Senhor manifesta a sua intimidade com o Pai e a necessidade de rezar em solidão, ao abrigo dos tumultos do mundo. No entanto, este seu afastar-se não deve ser entendido como um desinteresse pelas pessoas, nem como um abandono dos Apóstolos. Pelo contrário – narra São Mateus – pediu que os discípulos entrassem na barca e seguissem, à sua frente, para o outro lado do mar, enquanto ele despediria as multidões” (Mt 14, 22). Entretanto, “ a barca, porém, já longe da terra, era agitada pelas ondas, pois o vento era contrário” (v. 24), e eis que “pelas três horas da manhã, Jesus veio até os discípulos, andando sobre o mar” (v.25); os discípulos ficaram transtornados e, pensando que se tratava de um fantasma, “gritaram de medo” (v. 26), pois não O reconheceram, não compreenderam que era o Senhor. Mas Jesus, porém, logo lhes disse: “Coragem, sou Eu. Não tenhais medo!” (v. 27). Os Padres da Igreja tiraram uma grande riqueza desse episódio: O mar simboliza a vida presente, a instabilidade do mundo visível; a tempestade indica todos os tipos de tribulação, de dificuldade que oprime o homem. A barca, ao contrário, representa a Igreja construída por Cristo e norteada pelos Apóstolos. Jesus deseja educar os discípulos a suportar com coragem as adversidades da vida, confiando em Deus, naquele que se revelou ao Profeta Elias no monte Horeb, no “murmúrio de uma brisa ligeira” (1Rs 19, 12). Ainda no texto do Evangelho, chama a atenção o gesto do Apóstolo Pedro que, tomado por um impulso de amor pelo Mestre, pediu para ir ao seu encontro, caminhando sobre as águas. “Mas, quando sentiu o vento, ficou com medo e, começando a afundar, gritou: ‘Senhor, salva-me!’ (Mt 14, 30). Santo Agostinho, imaginando que se dirigia ao Apóstolo, comenta: o Senhor “humilhou-se e pegou-te pela mão. Unicamente com as tuas forças, não consegues levantar-te. Segura na mão daquele que desce até ti”, e diz isto não apenas a Pedro, mas diz isto também a nós. Pedro caminha sobre as águas não pelas suas próprias forças, mas pela Graça divina, na qual crê, e quando se sente dominado pela dúvida, quando deixa de fixar o olhar em Jesus e tem medo do vento, quando não confia plenamente na Palavra do Mestre, quer dizer que, interiormente, se está a afastar-se d’Ele, e é então que corre o risco de afundar-se no mar da vida, e é assim também para nós: se olharmos unicamente para nós mesmos, tornamo-nos dependentes dos ventos e já não conseguimos atravessar as tempestades, as águas da vida. Escreve Romano Guardini, que o Senhor “está sempre próximo, dado que se encontra na raiz do nosso próprio ser. Todavia, temos que experimentar o nosso relacionamento com Deus entre os polos da distância e da proximidade. Pela proximidade somos fortalecidos, pela distância, postos à prova”.

Esta confiança se baseia no fato de que Jesus ressuscitou e está vivo. Os antigos padres da Igreja colocavam em evidência uma coincidência: Jesus vai ao encontro dos apóstolos no lago “na quarta vigília da noite”, isto é, na mesma hora em que ressuscitou dos mortos.

Nesta situação, uma coisa é necessária para não afundar: não perder a confiança, não desanimar no meio das dificuldades, não olhar para baixo ou ao redor, para as ondas que se agitam, mas à frente, para Cristo. Somente quem vacila na fé, ou quem confia nas próprias forças, afunda.

Por que Pedro começou a afundar? Começou bem, desceu da barca e caminhou sobre as águas: arriscou a vida confiando em Jesus. Os outros só ficaram olhando. Mas apavorou-se com as dificuldades, deixando de olhar para Cristo.

Jesus ensinou Pedro a conhecer, por experiência própria, que toda a sua fortaleza lhe vinha do Senhor, enquanto de si mesmo só podia esperar fraqueza e miséria. De fato, geralmente, quando falta a nossa cooperação, cessa também a ajuda divina.

O texto bíblico quer nos mostrar que a pouca fé do cristão torna – o medroso nos perigos, abatido nas dificuldades e, por isso, corre o risco de naufragar. Mas, ali onde a fé é viva, onde não se duvida do poder de Jesus e da sua presença contínua na Igreja, não há perigo de naufrágio, porque a mão do Senhor estende-se invisivelmente para salvar a barca da Igreja e cada cristão em particular.

Se a nossa vida se passar no cumprimento fiel do que Deus quer de nós, nunca nos faltará a ajuda divina. Na fraqueza, na fadiga, nas situações de maior dificuldade, Jesus irá se aproximar de nós, de modo inesperado, e nos dirá: “Sou Eu, não temais”. Ele nunca abandona os seus amigos, e muito menos quando o vento das tentações, do cansaço ou das dificuldades nos é contrário. Ensina Santa Teresa: “Se tiverdes confiança n’Ele e ânimo animoso, que Sua Majestade é muito amigo disso, não tenhais medo de que vos falte coisa alguma”.

Quando Pedro começou a afundar-se, para voltar à superfície, teve que segurar a mão forte do Senhor, seu Amigo e seu Deus. Não era muito, mas era o esforço que Deus lhe pedia; é a colaboração da boa vontade que o Senhor sempre nos pede.

Para Pedro, uma só coisa importa: estar perto de Cristo. Não interessa quais são as condições, se com “ventos contrários” ou “tempestade”, Pedro quer estar junto de Cristo. Pedro é sempre quem toma a palavra, é ele quem sempre dá o primeiro passo no grupo dos apóstolos.

Foram momentos impressionantes para todos: Pedro trocou a segurança da barca pela da palavra do Senhor. Não ficou aferrado às tábuas da embarcação, mas dirigiu-se para onde Jesus estava, a uns poucos metros dos discípulos, que contemplam atônitos o Apóstolo por cima das águas enfurecidas. Pedro avança sobre as ondas. Sustentam-no a fé e a confiança no seu Mestre; só isso!

Pedro teria continuado a caminhar firmemente sobre as águas e teria chegado até o Senhor se não tivesse afastado dEle o seu olhar confiante. Todas as tempestades juntas, as de dentro da alma e as do ambiente, nada podem enquanto estivermos bem ancorados na fé e na oração. A nossa fé nunca deve fraquejar, mesmo que as dificuldades sejam enormes e a sua violência pareça esmagar-nos.

Pouco importam o ambiente, as dificuldades que rodeiam a nossa vida, se sabemos avançar cheios de fé e confiança ao encontro de Jesus que nos espera; pouco importa que as ondas sejam muito altas ou o vento forte; pouco importa que não seja o natural do homem caminhar sobre as águas. Se olhamos para Jesus, tudo nos é possível; e esse olhar para Ele é a virtude da piedade. Se pela oração e pelos sacramentos nos mantemos unidos a Jesus, caminharemos com firmeza. Deixar de olhar para Cristo é naufragar, é incapacitar-se para dar um passo, mesmo em terra firme.

Esse pequeno esforço que o Senhor pede aos seus discípulos de todos os tempos para tirá-los de uma má situação, pode ser muito diverso: intensificar a oração; cortar decididamente com uma ocasião próxima de pecar; obedecer com prontidão e docilidade de coração aos conselhos recebidos na confissão e na conversa com o diretor espiritual… Não nos esqueçamos nunca da advertência de São João Crisóstomo:  “Quando falta a nossa cooperação, cessa também a ajuda de Deus”. Ainda que seja o Senhor quem nos tira da água. No momento em que Pedro começou a temer e a duvidar, começou também a afundar-se.

Temos de aprender a nunca desconfiar de Deus, que não se apresenta apenas nos acontecimentos favoráveis, mas também nas tormentas dos sofrimentos físicos e morais da vida: “Tende confiança, sou Eu, não temais!”. Deus nunca chega tarde em nosso auxílio, e sempre nos ajuda nas nossas necessidades.

E se alguma vez sentimos que nos falta apoio, que submergimos, repitamos aquela súplica de Pedro: ”Senhor, salva-me!” Não duvidemos do seu amor, nem da sua mão misericordiosa, não esqueçamos que “Deus não manda impossíveis, mas ao mandar pede que faças o que possas e peças o que não possas, e ajude para que possas” (Santo Agostinho).

Que enorme segurança nos dá o Senhor! Ensina S. João Crisóstomo: “Ele garantiu-me a sua proteção; não é nas minhas forças que eu me apoio. Tenho nas minhas mãos a sua palavra escrita. Este é o meu báculo. Esta é a minha segurança, este é o meu porto tranquilo.  Ainda que o mundo inteiro se perturbe, eu leio esta palavra escrita que trago comigo, porque ela é o meu muro e minha defesa. O que é que ela me diz? Eu estarei convosco até o fim do mundo.”

Junto de Cristo, ganham-se todas as batalhas, desde que tenhamos uma confiança seus limites na sua ajuda: ”Cristo está comigo, que posso temer? Que venham assaltar-me as ondas do mar e a ira dos poderosos; tudo isso não pesa mais do que uma teia de aranha” (S. João Crisóstomo). Não larguemos a sua mão; Ele não larga a nossa! Nos perigos, nos tropeços, nas dúvidas, é para Cristo que devemos olhar! Olhou para nós tantas vezes! É nEle que começa e culmina a vida cristã. Escreve São Tomás de Aquino: “Se queres salvar-te, olha para o rosto do teu Cristo”. O nosso trato habitual com Ele na oração e nos sacramentos é a única garantia de podermos conservar-nos de pé, como filhos de Deus, no meio de um mar agitado como o que nos envolve.

“Que importa que tenhas contra ti o mundo inteiro, com todos os seus poderes? Tu… para a frente! Repete as palavras do Salmo: ‘O Senhor é a minha luz e a minha salvação, a quem temerei? Ainda que me veja cercado de inimigos, não fraquejará o meu coração’” (Caminho, 482)

A dificuldade da fé do apóstolo Pedro leva-nos a compreender que o Senhor, ainda que O procuremos ou invoquemos, é Ele mesmo que vem ao nosso encontro, abaixa o Céu para nos estender a sua mão e nos elevar à sua altura; Ele espera unicamente que nos confiemos de maneira total a Ele, que seguremos realmente a sua mão. Invoquemos a Virgem Maria, modelo de confiança plena em Deus para que, no meio de tantas preocupações, problemas e dificuldades que agitam o mar da nossa vida, ressoe no nosso coração a palavra tranquilizadora de Jesus que nos diz, também a nós: “Coragem! Sou Eu. Não tenhais medo!”

Jesus está ao alcance da fé. Afasta-se de Nosso Senhor quem não se une a Ele pela oração. Ora, quando nos afastamos do fogo, o fogo continua aquecendo, mas nós esfriamos. Quando nos afastamos da luz, a luz continua brilhando, mas as sombras nos envolvem. O mesmo acontece quando nos afastamos de Deus. Se começarmos a afundar, saibamos agir como Pedro, que recorreu imediatamente a Jesus: “Senhor, salva-me!” “Tudo posso naquele que me dá forças!”

Mons. José Maria Pereira

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