Homilia do Mons. José Maria – XIV Domingo do Tempo Comum – Ano B

“Basta-te a Minha Graça!”

Neste domingo, na Palavra de Deus, encontra-se um provérbio de Jesus, muito conhecido: “nenhum profeta é bem aceito na sua pátria” (no texto de Marcos: “Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares”). Este é um provérbio muito bem documentado nos evangelhos (cf. Mt 13,57; Lc 4, 24; Jo 4,44).

Jesus experimenta a incredulidade de sua própria gente, em Nazaré. Querem saber quem é Jesus, mas segundo categorias tipicamente humanas.

São Paulo (2Cor 12,7-10) revela-nos a sua profunda humildade. Depois de falar aos fiéis de Corinto dos seus trabalhos por Cristo e das visões e revelações que o Senhor lhe concedeu, declara-lhes também a sua debilidade: “Para que a extraordinária grandeza das revelações não me ensoberbecesse, foi espetado na minha carne um espinho, que é como um anjo de Satanás a esbofetear-me, a fim de que eu não me exalte demais”(2Cor 12,7).

Não sabemos com certeza a que se refere São Paulo quando fala desse “espinho na carne”. Alguns Padres da Igreja (Santo Agostinho) pensam que se tratava de uma doença física particularmente dolorosa; outros (São João Crisóstomo) acham que se referia às tribulações que lhe causavam as contínuas perseguições que o atingiam; alguns (São Gregório Magno) julgam que aludia a tentações especialmente difíceis de repelir. Seja como for, tratava-se de alguma coisa que humilhava o Apóstolo, que entravava, de certo modo, a sua tarefa de evangelizador.

São Paulo pediu ao Senhor por três vezes que retirasse dele esse obstáculo. E recebeu esta sublime resposta: “Basta-te a minha graça. Pois, é na fraqueza que a força se manifesta”. Para superar essa dificuldade, bastava-lhe a ajuda de Deus, e, além disso, ela servia para manifestar o poder divino que lhe permitiria vencê-la. Ao contar com a ajuda de Deus, tornava-se mais forte, e isso o fez exclamar: “Eis porque eu me comprazo nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições e nas angústias sofridas por amor a Cristo. Pois, quando eu me sinto fraco, é então que sou forte” (2 Cor 12, 10). Na nossa fraqueza, experimentamos constantemente a necessidade de recorrer a Deus e à fortaleza que nos vem dEle. Quantas vezes o Senhor nos terá dito na intimidade do nosso coração: “Basta-te a minha graça, tens a minha ajuda para venceres nas provas e dificuldades!” Nunca teremos tentações maiores do que a nossa capacidade de vencê-las com a ajuda divina.

O Senhor pede que estejamos prevenidos contra a tentação e que lancemos mão dos meios ao nosso alcance para vencê-la: a oração e a mortificação voluntária; a fuga das ocasiões de pecado, pois “quem ama o perigo nele perecerá” (Eclo 3,27); cumprir os deveres de cada instante; ter horror ao pecado, por pequeno que possa parecer; união com a Virgem Maria e com o Anjo da Guarda. E grande sinceridade: com Deus, consigo e com o confessor. Muitas vezes nos apanharemos preferindo ser escravos do egoísmo do que servir a Deus. Quando se trata de cortar, a última vez há de ser a anterior, a que passou.

Muitas tentações provêm de inimigos internos. Santa Teresa chamava a imaginação de “a louca da casa”: ela cria situações ilusórias, distraindo dos deveres de cada instante, afastando-nos da presença de Deus. Outras tentações vêm da memória: leva a perder a alegria, a paz, a remoer coisas desagradáveis, gerando remorsos, mágoas ou paixões desordenadas, leva a reviver pecados. Outras tentações têm como estímulo ou causa os sentimentos: as ninharias  transformam-se em montanhas intransponíveis: é o sentimentalismo.

Leituras ou programas podem levar para perto do precipício da alma. É irresponsabilidade com a própria alma. Pode ser que, de vez em quando, a solidão, a fraqueza ou a atribulação nos atinjam de um modo particularmente doloroso. O demônio aproveita-se das tentações, tratando de insinuar a desconfiança, o desânimo. Sabe que grande inimigo da perseverança é o desalento, a tristeza.

É hora de procurar mais a Deus e seu apoio, de procurar abrigo e força na oração, nos sacramentos, na Palavra de Deus. E virá a força, a paz e a alegria. Nosso grande erro é que, muitas vezes, sentimo-nos frios e afastamo-nos mais ainda da única e verdadeira fonte de calor.

“Basta-te a minha graça”. São palavras que o Senhor dirige, hoje, a cada um de nós para que nos enchamos de fortaleza ante as provas que tenhamos pela frente. A nossa própria fraqueza servirá para nos gloriarmos no poder de Cristo, ensinar-nos-á a amar e a sentir a necessidade de estar muito perto de Jesus. As próprias derrotas, os projetos inacabados, levar-nos-ão a exclamar: Quando sou fraco, então sou forte, porque Cristo está comigo.

Seria temerário desejar a tentação ou provocá-la, mas também seria um erro temê-la, como se o Senhor não nos fosse proporcionar a sua assistência para vencê-la.

Não pensemos nunca que se combate a tentação discutindo com ela, nem, sequer, enfrentando-a diretamente. Mal se apresente, afastemo-nos dela o olhar, para dirigi-lo ao Senhor que vive dentro de nós e combate ao nosso lado, e que venceu o pecado; abracemo-nos a Ele num ato de humilde submissão à sua vontade, de aceitação dessa cruz da tentação, de confiança nele e de fé na sua proximidade, de súplica para que nos transmita a sua força. Desse modo, a tentação conduzir-nos-á à oração, à união com Deus e com Cristo: não será uma perda, mas um lucro. “Sabemos que tudo coopera para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu desígnio”(Rm 8,28).

Podemos tirar muito proveito das provas, tribulações e tentações, pois nelas demonstramos ao Senhor que precisamos dEle e O amamos. Elas avivarão o nosso amor e aumentarão as nossas virtudes, pois a ave não voa apenas pelo impulso das asas, mas também pela resistência do ar: de alguma maneira, precisamos dos obstáculos e das contrariedades para levantarmos voo no amor. Quanto maior for a resistência do ambiente ou das nossas próprias fraquezas, mais ajudas e graças Deus nos dará. E a nossa Mãe do Céu estará sempre muito perto de nós nesses momentos de maior necessidade: não deixemos de recorrer à sua proteção maternal. 

Mons. José Maria Pereira

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