Que Vamos Fazer Dessa Mulher!?
Chegamos ao Quinto Domingo da Quaresma, em que a Liturgia nos propõe, este ano, o
episódio evangélico de Jesus, que salva uma mulher adúltera da condenação à morte (Jo 8, 1 –
11). É uma comovente cena da vida de Jesus: os mestres da Lei e os fariseus trouxeram uma
mulher surpreendida em adultério! Segundo a Lei de Moisés, tais pessoas deveriam ser
apedrejadas.
Aproveitaram a situação, para deixar o Cristo numa situação embaraçosa: “Mestre, que vamos
fazer dessa mulher, perdoá-la ou apedrejá-la, como manda a nossa Lei?”
Para os escribas e fariseus, era uma oportunidade para testar a fidelidade de Jesus às
exigências da Lei. Para Jesus, foi a oportunidade para revelar a atitude de Deus, frente ao
pecado e ao pecador.
Perguntaram ao Mestre: “Que dizes tu?” (Jo 8,4).
O Salvador faz uma coisa, absolutamente, inédita, não prevista na lei antiga: não pronuncia
qualquer sentença, mas, após uma pausa silenciosa, um momento de tensão, deveras emotiva,
tanto por parte dos acusadores, como da acusada, afirma simplesmente: “Quem dentre vós
não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra” (Jo 8,7). Todos os homens são
pecadores; por isso ninguém tem o direito de se arvorar em juiz dos outros. Só um tem esse
direito: o Inocente, o Senhor, mas nem sequer usa dele, preferindo exercer o Seu poder de
Salvador: “Ninguém te condenou? Então Jesus lhe disse: Eu Também não te condeno. Podes ir,
e, de agora em diante, não peques mais” (Jo 8, 10-11). Somente Cristo, que veio para entregar
a Sua vida, pela salvação dos pecadores, pode libertar a mulher do seu pecado, e dizer-lhe:
“não tornes a pecar”. A Sua palavra é portadora da graça que nasce do Seu sacrifício.
Ao dizer: quem de vós estiver sem pecado, atire a primeira pedra; foi como se Jesus tivesse
tirado a tampa da consciência de cada um; Jesus sabia o que estava no coração de cada um.
O silêncio se tornou pesado e insuportável; os mais velhos começaram a se retirar, em silêncio,
talvez, por medo de que Jesus começasse a cavar em sua vida passada, para ver se estavam,
realmente, sem pecado, sem aquele pecado que no Decálogo chamava-se “desejar a mulher
do próximo”. Foi o silêncio, não o fato de Jesus escrever no chão, que os deixou inquietos.
“Ninguém te condenou?,” diz Jesus à mulher. Respondeu ela: Ninguém, Senhor! E Jesus: Nem
eu te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais.”
Cristo é o único sem pecado; o único, portanto, que podia arremessar a primeira pedra…, mas,
renuncia ao direito de condenar, porque, como o Pai, não quer a morte do pecador, mas, que
se converta e viva” (Ez 33,11). Quanta nova confiança deve ter infundido, na mulher, aquele
Vai, pois significa: volta a viver, a esperar, volta para a casa; retoma a tua dignidade; dize aos
homens, com tua presença, entre eles, que, não há somente a Lei, há também a Graça.
Podemos estar certos: a experiência daquele perdão, daquela compreensão infinita, por parte
de Jesus, reergueu aquela mulher, encheu-lhe o coração, com a experiência de um amor novo,
tão diferente daquele que a tinha iludido em seu adultério.
O que nos diz a nós, cristãos de hoje, o episódio da adúltera?
Esse Evangelho toca na raiz de muitos de nossos costumes. Certo, não pegamos em pedras,
contra o próximo; a lei civil proíbe! Mas, a lama, sim; a crítica, sim. Quanta lama é esguichada
no próximo em certas conversas, entre amigos e amigas! Se alguém, de nosso círculo de
conhecimento, fraqueja ou dá motivo a conversas, logo, se cai em cima dele, como aqueles
fariseus; mas, não porque se detesta, sinceramente, o mal (dele se tem, às vezes, inveja!), mas,
porque se detesta o pecador; porque do contraste com sua conduta se quer,
inconscientemente, fazer brilhar mais a nossa: Agradeço-vos, meu Deus, que não sou como os
outros, dizia o fariseu no templo.
“Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra!” (Jo 8, 7). Ao
comentar o Evangelho de João, Santo Agostinho observa que, “respondendo, o Senhor
respeita a Lei e não abandona a sua mansidão”. Depois, acrescenta que, com essas suas
palavras, obriga os acusadores a entrarem em si mesmos e, refletindo, sobre si próprios, a
descobrirem-se, também eles, pecadores. Por isso, “atingidos por estas palavras como por
uma flecha tão grande, como uma trave, um por um, foram-se embora”. Portanto, um após
outro, os acusadores, que queriam provocar Jesus, vão-se embora, “a começar pelos mais
velhos, até os últimos”. Quando todos se foram, o Mestre divino permanece a sós, com a
mulher. O comentário de Santo Agostinho é conciso e eficaz: “Só permanecem as duas: a
miserável e a misericórdia”.
Queridos irmãos, contemplemos esta cena, em que se encontram, confrontadas, a miséria do
homem e a misericórdia divina; uma mulher, acusada de um grande pecado, e Aquele que,
embora fosse sem pecado, assumiu os nossos pecados, os pecados do mundo inteiro. Ele, que
permaneceu inclinado a escrever no pó, agora eleva o seu olhar e encontra o da mulher. E não
é irônico, quando lhe pergunta: “Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?” (Jo 8, 10).
E responde-lhe, de modo surpreendente: “Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora
em diante não peques mais” (8, 11). No seu comentário, Santo Agostinho comenta, ainda: “O
Senhor condena o pecado, não o pecador. Com efeito, se tivesse tolerado o pecado, teria dito:
Nem Eu te condeno. Vai, e vive como quiseres… por maiores que sejam os teus pecados, Eu,
libertar-te-ei de toda a pena e de todo o sofrimento. Todavia, Ele não disse isso”. Mas disse:
“Vai, e de agora em diante, não peques mais”. Jesus sabe o que está no coração de cada
homem, deseja condenar o pecado, mas salvar o pecador, e desmascarar a hipocrisia.
Jesus detesta o pecado, mas ama o pecador. Entre Jesus e a miséria do pecador não existe
abismo intransponível. É a lógica que devemos assumir com os irmãos. A misericórdia de Deus
há de nos mover a ter sempre compaixão daqueles que cometem pecado, até porque,
também nós, somos pecadores e necessitamos do perdão de Deus. Jesus diz: “com a medida
que medirdes sereis medidos”; “perdoai-nos assim como nós perdoamos”.
Na caminhada, rumo à Páscoa, nesse tempo da Quaresma, façamos um bom exame de
consciência! Olhemo-nos com o olhar com que Deus nos vê e, então, sentiremos, sim, a
necessidade de correr a Jesus, mas para pedir o perdão para nós e não a condenação para os
outros. O perdão para si mesmo também, e, sobretudo, daquela culpa – se, por acaso, alguém
se encontra culpado – que Jesus perdoou à adúltera; esta é uma culpa devastadora, um cristão
não pode conviver tranquilo e longamente com este peso de consciência sem arruinar com ele,
além da própria família, também a própria fé.
Corramos a Jesus no Sacramento da Confissão!
No Sacramento da Penitência (Confissão), renova-se, para todos os crentes, o gesto libertador
de Cristo, que concede ao homem a graça para lutar contra o pecado, para não tornar a pecar.
Todos os dias, pelo mundo inteiro, através dos sacerdotes, Jesus continua a dizer: “vai em paz
e não peques mais”. A Confissão é o Sacramento da paz e da alegria de saber-se perdoado, por
Nosso Senhor. Depois de cada confissão deveríamos rezar como o Salmo: “Maravilhas fez
conosco o Senhor”. O Sacramento da Confissão é ponto de partida insubstituível de um
verdadeiro caminho de conversão.
Imaginemos a alegria da mulher e o desejo de recomeçar a vida. Semelhante à alegria depois
de receber o Sacramento da Confissão e começar vida nova. Poucas palavras no mundo têm
produzido tamanha alegria interior como: “Eu te absolvo dos teus pecados”. Perdão que
acontece no próprio instante, que é causado e comunicado por essas palavras.
Aprendamos, do Senhor Jesus, a não julgar e a não condenar o próximo. Aprendamos a ser
intransigentes com o pecado – a partir do nosso! – e indulgentes com as pessoas. Ajude-nos,
nisso, a Santa Mãe de Deus que, preservada de qualquer culpa, é mediadora de Graça para
cada pecador arrependido.
Mons. José Maria Pereira.