Cristo é Rei. Sejamos Mensageiros desse Reino!
Neste último domingo do ano litúrgico, a Igreja convida a celebrar Jesus Cristo como Rei e Senhor do Universo, porque a conclusão da história será o seu reinado definitivo e eterno. Depois de termos celebrado todos os mistérios da vida do Senhor, apresenta-se, agora, à nossa consideração, Cristo glorioso, Rei de toda a criação e das nossas almas. Ainda que as festas da Epifania, Páscoa e Ascensão sejam também festas de Cristo Rei e Senhor de todas as coisas criadas, a de hoje foi especialmente instituída para nos mostrar Jesus como único soberano de uma sociedade que parece querer viver de costas para Deus.
Os textos bíblicos da festa de hoje salientam o amor de Cristo-Rei, que veio estabelecer o seu reinado. O Profeta Daniel (Dn 7, 13-14) descreve a investidura real que o Filho do Homem recebe, diretamente do Pai: A ele foram dados império, glória e realeza […] o Seu Reino jamais será destruído. No texto de Ap 1, 5-8, é-nos apresentado o Cordeiro imolado sobre o trono de sua glória; agora, todas as tribos da terra baterão no peito por causa dele, também aquelas que O transpassaram. O autor do Apocalípse afirma que, também nós, participamos na realeza de Cristo. Na aclamação dirigida “A Jesus, que nos ama, que por seu sangue nos libertou dos nossos pecados e que fez de nós um reino, sacerdotes para seu Deus e Pai” (Ap1, 5-6). Aqui está claro, também, que se trata de um reino fundado na relação com Deus, com a verdade, e não de um reino político. Com o seu Sacrifício, Jesus abriu-nos a estrada para uma relação profunda com Deus: n’Ele tornamo-nos verdadeiros filhos adotivos, participando, assim, da sua realeza sobre o mundo. Portanto, ser discípulos de Jesus significa não se deixar fascinar pela lógica mundana do poder, mas levar ao mundo a luz da verdade e do amor de Deus. Depois, o autor do Apocalípse estende o olhar até à segunda vinda de Jesus – quando Ele voltar para julgar os homens e estabelecer para sempre o reino divino – e recorda-nos que a conversão, como resposta à Graça divina, é a condição para a instauração desse reino (Ap1, 7). É um vigoroso convite, dirigido a todos e a cada um: converter-se, sem cessar, ao reino de Deus, ao domínio de Deus, da Verdade, na nossa vida. Pedimo-lo, diariamente, na oração do “Pai nosso” com as palavras “Venha a nós o vosso reino”, que equivale a dizer a Jesus: Senhor, fazei que sejamos vossos, vivei em nós, reuni a humanidade dispersa e atribulada, para que em Vós tudo se submeta ao Pai da Misericórdia e do Amor.
Foi com esta solicitude que o Senhor veio em busca dos homens dispersos e afastados de Deus, pelo pecado. Tanto os amou que deu a vida por eles. Disse São João Paulo II: “Como Rei, vem para revelar o amor de Deus, para ser o Mediador da Nova Aliança, o Redentor do homem. O Reino instaurado por Jesus Cristo atua como fermento e sinal de salvação a fim de construir um mundo mais justo, mais fraterno, mais solidário, inspirado nos valores evangélicos da esperança e da futura bem-aventurança a que todos estamos chamados. Por isso, no Prefácio da Missa de hoje, fala-se de Jesus que ofereceu ao Pai um Reino de verdade e de vida, de santidade e de graça, de justiça, de amor e de paz.”
A festa de hoje é como uma antecipação da segunda vinda de Cristo em poder e majestade, a vinda gloriosa que se apossará dos corações e secará toda a lágrima de infelicidade. Mas é, ao mesmo tempo, uma chamada e um incentivo para que todas as coisas à nossa volta se deixem impregnar pelo espírito amável de Cristo, pois “a esperança de uma nova terra, longe de atenuar, deve antes estimular a solicitude pelo aperfeiçoamento desta terra, na qual cresce o corpo da nova família humana que já nos pode oferecer um certo esboço do novo mundo.
Assim é o Reino de Cristo, do qual somos chamados a participar e que somos convidados a dilatar mediante um apostolado fecundo. O Senhor deve estar presente nos nossos familiares, amigos, vizinhos, companheiros de trabalho… “Perante os que reduzem a religião a um cúmulo de negações, ou se conformam com um catolicismo de meias-tintas; perante os que querem pôr o Senhor de cara contra a parede, ou colocá-Lo, num canto da alma… temos de afirmar, com as nossas palavras e com as nossas obras, que aspiramos a fazer de Cristo um autêntico Rei de todos os corações…, também dos deles” (São Josemaria Escrivá, Sulco, nº 608).
A atitude do cristão não pode ser de mera passividade em relação ao reinado de Cristo no mundo. Nós desejamos ardentemente esse reinado. “Venha a nós o vosso Reino”, rezamos na oração do Pai-Nosso. É necessário que Cristo reine em primeiro lugar na nossa inteligência, mediante o conhecimento da sua doutrina e o acatamento amoroso dessas verdades reveladas. É necessário que reine na nossa vontade, para que se identifique, cada vez mais plenamente, com a vontade divina. É necessário que reine no nosso coração, para que nenhum amor anteponha ao amor de Deus. É necessário que reine no nosso corpo, templo do Espírito Santo; no nosso trabalho profissional, caminho de santidade… ” (Papa Pio XI).
O Evangelho (Jo 18, 33b – 37) propõe-nos uma parte do dramático interrogatório ao qual Pôncio Pilatos submeteu Jesus, quando lhe foi entregue com a acusação de ter usurpado o título de “Rei dos Judeus”.
Às perguntas do governador romano, Jesus respondeu, afirmando que era rei, mas não deste mundo (Jo 18, 36). Ele não veio para dominar sobre os povos e territórios, mas para libertar os homens da escravidão do pecado e reconciliá-los com Deus. E acrescentou: “Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da Verdade. Todo aquele que é da Verdade escuta a minha voz (Jo 18, 37). Não sendo deste mundo, o Reino de Cristo começa já nesta terra. O seu reinado expande-se entre os homens quando eles se sentem filhos de Deus, quando se alimentam d’Ele (na Eucaristia) e vivem para Ele.
Um ladrão foi o primeiro a reconhecer a sua realeza: “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu Reino” (Lc 23, 42).
Ouvimos o Senhor dizer-nos na intimidade do nosso coração: “Eu tenho claro meu desígnio em relação a vós – oráculo do Senhor! É um desígnio de paz, não de sofrimento: eu vos darei futuro e esperança!” (Jr 29,11). E fazemos o propósito de corrigir no nosso coração o que não estiver de acordo com o querer de Cristo.
Ao mesmo tempo, pedimos-lhe que nos reforce a vontade de colaborar na tarefa de estender o seu reinado ao nosso redor e em tantos lugares em que ainda não o conhecem. “Foi para isso que nós, os cristãos, fomos chamados, essa é a nossa tarefa apostólica e a preocupação que deve consumir a nossa alma: conseguir que o Reino de Cristo se torne realidade, que não haja mais ódios nem crueldades, que estendamos pela terra o bálsamo forte e pacífico do amor” (São Josemaria Escrivá, É Cristo que passa, 183).
“Venha a nós o vosso Reino”. Que esse Reino venha de fato ao nosso coração e ao coração de todos os homens: Reino de Verdade e de Vida; Reino de Santidade e de Graça; Reino de Justiça, de Amor e de Paz…
Sejamos mensageiros desse Reino, na família, na rua, na sociedade, no ambiente de trabalho… Nós colaboramos na propagação do reinado de Jesus quando procuramos tornar mais humano e mais cristão o pequeno mundo que frequentamos diariamente.
Orígenes (séc. III), no Opúsculo sobre a Oração, cap. 25, comenta a expressão “Venha a nós o teu reino”: “ Se, como afirma nosso Senhor e Salvador, o Reino de Deus não virá espetacularmente, nem anunciarão que está aqui ou está ali, mas o Reino de Deus está dentro de nós, pois a palavra está junto de nós, nos lábios e no coração, sem dúvida, quando pedimos que venha o Reino de Deus, o que pedimos é que este Reino de Deus, que está dentro de nós, saia, produza fruto e se aperfeiçoe. Efetivamente, Deus já reina em cada um dos santos, já que estes se submetem à sua lei espiritual, e, dessa forma, Deus habita neles, como em uma cidade bem governada. Na alma perfeita está presente o Pai, e Cristo reina nela, junto com o Pai, de acordo com aquelas palavras do Evangelho: viremos a ele e nele faremos a nossa morada.
Este Reino de Deus, que está dentro de nós, chegará, com a nossa cooperação, à sua plena perfeição, quando se realizar o que diz o apóstolo, isto é, quando Cristo, depois de submeter a ele todos os seus inimigos, entregue a Deus Pai o seu Reino, e, assim, Deus será tudo em todos. Por isso, rogando incessantemente com aquela atitude interior que se torna divina pela ação do Verbo, digamos a nosso Pai que está nos céus: Santificado seja o teu nome, venha a nós o teu Reino.
Com respeito ao Reino de Deus, também se deve ter isto em consideração: do mesmo modo que não existe relação entre a luz e as trevas, nem a justiça com a maldade, nem pode haver acordo entre Cristo e o diabo, assim também não podem coexistir o Reino de Deus e o reino do pecado.
Portanto, se queremos que Deus reine em nós, procuremos que, de forma alguma, o pecado continue dominando o nosso corpo mortal; antes, mortifiquemos tudo o que de terreno existe em nós, e frutifiquemos pelo Espírito; dessa forma, Deus passeará por nosso interior como por um paraíso espiritual e reinará em nós somente com o seu Cristo, o qual se sentará em nós à direita daquela virtude espiritual que desejamos alcançar: sentar-se-á até que todos os seus inimigos, que existem em nós, sejam colocados por escabelo de seus pés, e sejam reduzidos a nada, em nós todos, os principados, todos os poderes e todas as forças.
Mesmo contra a corrente, a nossa vida, as nossas opções, as nossas relações, devem ser marcadas por uma contínua atitude de seguir Jesus. Como quis que a expressão do Reino também dependesse dos cristãos, Jesus espera que façamos a nossa parte, confiando em suas palavras: “Buscai o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo vos será dado por acréscimo”.
Ao celebrarmos Cristo Rei do Universo, devemos redescobrir e interiorizar esta realidade: Jesus, o nosso Rei. Portanto, cabe perguntar: Para nós, de fato, Jesus é o centro da história? Que impacto tem a sua proposta na construção do nosso mundo pessoal? Jesus está no centro da nossa vida? Ele é a referência? Os seus valores e ensinamentos condicionam a nossa vida, a nossa forma de ver o mundo e a história?
Para tornarmos realidade os nossos desejos, recorremos a Nossa Senhora. “Maria, a Mãe Santa do nosso Rei, a Rainha do nosso coração, a Rainha da Família, cuida de nós como só Ela o sabe fazer. Mãe compassiva, trono da Graça: nós te pedimos que saibamos compor na nossa vida e na vida dos que nos rodeiam, verso a verso, o poema singelo da caridade, como um rio de paz. Pois Tu és um mar de inesgotável misericórdia” (É Cristo que passa, 187).
Com a realeza de Cristo foi associada de maneira muito singular a Virgem Maria. A Ela, humilde jovem de Nazaré, Deus pediu que fosse a Mãe do Messias, e Maria correspondeu totalmente a esta chamada, unindo o seu “Sim” incondicionado ao do Filho Jesus e tornando-se obediente com Ele até ao sacrifício. Por isso Deus a exaltou acima de cada criatura, e Cristo coroou-a Rainha do Céu e da Terra. Confiamos à sua intercessão a Igreja e a humanidade inteira, para que o amor de Deus possa reinar em todos os corações e se cumpra o seu desígnio de justiça e de paz.
Acolhamos o Rei do Universo, no nosso pequeno reino, que é a nossa vida, para depois sermos, por Ele, acolhidos no Reino da sua glória. E que brote, de nosso coração, uma prece humilde e sincera, parecida com a do ladrão arrependido: “Jesus, lembra-te de mim no teu Reino!” Amém.
Mons. José Maria Pereira