Homilia do Mons. José Maria – IV Domingo do Advento (Ano B)

Aprender com São José e com Maria! 

Estamos a poucos dias do Santo Natal e precisamos prepará-lo. A preparação que Deus espera de cada um de nós é a interior, o nosso coração disposto a acolher Jesus. O anúncio do Anjo a Maria dá o verdadeiro sentido da festa: vamos celebrar o mistério do nascimento do Salvador, Deus que se fez homem. Nos últimos dias do Advento, a Liturgia convida-nos a contemplar, de modo especial, a Virgem Maria e São José, que viveram com intensidade singular o período da expectativa e da preparação do nascimento de Jesus.

No ano de 2021, em toda a Igreja, celebrou-se o “Ano de São José”, comemorando os 150 anos da declaração do Esposo de Maria como Padroeiro da Igreja Católica. Por ocasião da convocação, o Papa Francisco publicou a Carta Apostólica “Patris Corde – Com o coração de Pai”. O Ano especial dedicado ao Pai putativo de Jesus foi de 8 de dezembro de 2020 até 8 de dezembro de 2021. A Carta Apostólica do Papa Francisco fala de São José, “o homem que passa desapercebido, o homem da presença cotidiana discreta e escondida”. E mesmo assim, o seu é “um protagonismo sem paralelo na história da salvação”. Com efeito, São José expressou concretamente a sua paternidade ao ter convertido a sua vocação humana “na oblação sobre-humana de si mesmo ao serviço do Messias”. E por isto, “foi sempre muito amado pelo povo cristão”.

Em São José, “Jesus viu a ternura de Deus”, que nos faz aceitar a nossa fraqueza”, através da qual se realiza a maior parte dos desígnios divinos. Deus, de fato, “não nos condena, mas nos acolhe, nos abraça, nos ampara e nos perdoa”. José é pai também na obediência a Deus: com o seu ‘fiat’, salva Maria e Jesus e ensina a seu Filho a “fazer a vontade do Pai”, cooperando “ao grande mistério da Redenção”.

Ao mesmo tempo, José é “pai no acolhimento”, porque “acolhe Maria sem colocar condições prévias”, um gesto importante ainda hoje – afirma o Papa Francisco – “neste mundo onde é patente a violência psicológica, verbal e física contra a mulher”. Mas, o Esposo de Maria é também aquele que, confiante no Senhor, acolhe na sua vida os acontecimentos que não compreende com um protagonismo “corajoso e forte”, que deriva “da fortaleza que nos vem do Espírito Santo”.

Através de São José, é como se Deus nos repetisse: “Não tenhais medo!”, porque “a fé dá significado a todos os acontecimentos, sejam eles felizes ou tristes”. O acolhimento praticado pelo pai de Jesus “convida-nos a receber os outros, sem exclusões, tal como são, com uma predileção especial pelos mais frágeis”.

Continua o Papa Francisco: “Honesto carpinteiro, o Esposo de Maria nos ensina também o valor, a dignidade e a alegria de comer o pão fruto do próprio trabalho”. Esta acepção do pai de Jesus oferece ao Papa a ocasião para lançar um apelo a favor do trabalho, que se tornou uma “urgente questão social” até mesmo nos países com certo nível de bem-estar.

No texto evangélico, do Quarto Domingo do Advento (Lc 1, 26-38), São Lucas apresenta a Virgem Maria como “desposada com um homem chamado José, da casa de Davi” (Lc 1,27). Porém, é o evangelista São Mateus que oferece o melhor destaque ao pai putativo de Jesus, ressaltando que, através dele, o Menino estava legalmente inserido na descendência de Davi e assim realizava as Escrituras, em que o Messias era profetizado como “filho de Davi”. Contudo, o papel de José não pode, certamente, reduzir-se a este aspecto legal.

Ele é modelo do homem “justo” (Mt 1,19), que em perfeita sintonia com a sua esposa acolhe o Filho de Deus que se fez homem e vela sobre o seu crescimento humano. Por isso, nos dias que precedem o Natal, é mais oportuno do que nunca estabelecer uma espécie de colóquio espiritual com São José, para que ele nos ajude a viver em plenitude este grande Mistério da fé.

São João Paulo ll, que era muito devoto de São José, deixou-nos uma admirável meditação   a ele dedicada, na Exortação Apostólica Redemptoris Custos, (“Guardião do Redentor”). Entre os numerosos aspectos que salienta, dedica uma evidência particular ao silêncio de São José.

O seu silêncio é permeado de contemplação do Mistério de Deus, em atitude de total disponibilidade à Vontade divina. Em síntese, o silêncio de São José não manifesta um vazio interior, mas, ao contrário, a plenitude de fé que ele traz no coração, e que orienta todos os seus pensamentos e todas as suas ações. Um silêncio graças ao qual José, em uníssono com Maria, conserva a Palavra de Deus, conhecida através das Sagradas Escrituras, comparando-a continuamente com os acontecimentos da vida de Jesus; um silêncio impregnado de oração constante, de oração de bênção do Senhor, de adoração da sua santa Vontade e de confiança sem reserva na sua Providência. Não é exagero, se se pensa que precisamente do “pai” José, Jesus adquiriu no plano humano aquela vigorosa interioridade, que é o pressuposto da justiça autêntica, da “justiça superior”, que um dia Ele ensinará aos seus discípulos  (Mt 5,20). Deixemo-nos “contagiar” pelo silêncio de São José! Temos tanta necessidade disto, num mundo muitas vezes demasiado ruidoso, que não favorece o recolhimento, nem a escuta da voz de Deus.

A liturgia da palavra apresenta-nos, hoje, uma das mais importantes profecias messiânicas e a sua realização. O rei Davi desejava construir uma casa, um templo para o Senhor; mas o Senhor manda-lhe dizer, pelo profeta Natã, que a Sua vontade é diferente: o próprio Senhor se preocupará da casa de Davi, isto é, prolongando a sua descendência, porque dela nascerá o Salvador. A tua casa e a tua realeza permanecerão diante de Mim para sempre. O teu trono será consolidado eternamente (2 Sam 7,16). Muitas vezes, através das vicissitudes da história, pareceu que a linhagem davídica esteve prestes a extinguir-se, mas Deus salvou-a sempre até que dela nasceu José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama Cristo (Mt 1,16). O Senhor Deus dar-Lhe-á o trono do Seu Pai Davi, reinará eternamente… e o Seu reino não terá fim (Lc 1, 32-33). Tudo o que Deus tinha prometido se cumpriu apesar dos acontecimentos adversos da história, dos pecados dos homens e das culpas e impiedade dos próprios sucessores de Davi. Deus é sempre fiel: Fiz uma aliança com o meu eleito, jurei a Davi, Meu servo… Eternamente lhe assegurarei o Meu favor e a Minha aliança com ele será fiel (Sl 89, 4.29).

Paralela à fidelidade de Deus, a liturgia apresenta-nos a fidelidade de Maria, em quem se cumpriram as Escrituras. Tudo estava previsto nos planos eternos de Deus e tudo estava já preparado para a encarnação do Verbo no seio de uma virgem descendente da casa de Davi; mas, no momento em que este projeto devia fazer-se história, o Pai das misericórdias quis que a aceitação, por parte da que Ele predestinara para mãe, precedesse a encarnação (LG. 56). S. Lucas refere o diálogo sublime entre o anjo e Maria e que termina com a humildade e incondicional aceitação da Virgem: Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). O faça-se de Deus criou do nada todas as coisas; o faça-se de Maria deu origem à redenção de todas as criaturas. Maria é o templo da Nova Aliança, imensamente mais precioso do que aquele que Davi desejava construir ao Senhor, templo vivo que encerra em si, não a arca santa, mas o Filho de Deus. Maria é a fidelíssima, totalmente disponível à vontade do Altíssimo; e, precisamente pela sua fidelidade, atualiza-se o mistério da salvação universal em Cristo Jesus.

Nossa Senhora fomenta na alma a alegria, porque, quando procuramos a sua intimidade, leva-nos a Cristo. Ela é Mestra de esperança. Maria proclama que a chamarão bem-aventurada todas as gerações (Lc. 1, 18).

Dentro de poucos dias veremos Jesus reclinado numa manjedoura, o que é uma prova de misericórdia e do amor de Deus. Um menino nos será dado! O grande presente, o maior presente que Deus poderia nos dar!

Poderemos dizer: “Nesta noite de Natal, tudo pára dentro de mim. Estar diante dEle; não há nada mais do que Ele na branca imensidão. Não diz nada, mas está aí… Ele é o Deus amando-me. E se Deus se faz homem e me ama, como não procurá-Lo? Como perder a esperança de encontrá-Lo, se é Ele que me procura? Afastemos todo o possível desalento; as dificuldades exteriores e a nossa miséria pessoal não podem nada diante da alegria do Natal que se aproxima.

Faltam poucos dias para que vejamos no presépio Aquele que os profetas predisseram, que a Virgem esperou com amor de mãe, que João anunciou estar próximo e depois mostrou presente entre os homens.

Desde o presépio de Belém até o momento da sua Ascensão aos céus, Jesus Cristo proclama uma mensagem de esperança. Ele é a garantia plena de que alcançaremos os bens prometidos. Olhamos para a gruta de Belém, em vigilante espera, e compreendemos que somente com Ele poderemos aproximar-nos confiadamente de Deus Pai.

Nas festas que celebramos por ocasião do Natal, lutemos com todas as nossas forças, agora e sempre, contra o desânimo na vida espiritual, o consumismo exagerado, e a preocupação quase exclusiva pelos bens materiais. Na medida em que o mundo se cansar da sua esperança cristã, a alternativa que lhe há de restar será o materialismo, do tipo que já conhecemos; isso e nada mais. Por isso, nenhuma nova palavra terá atrativo para nós se não nos devolver à gruta de Belém, para que ali possamos humilhar o nosso orgulho, aumentar a nossa caridade e dilatar o nosso sentimento de reverência com a visão de uma pureza deslumbrante.

O Espírito do Advento consiste em boa parte em vivermos unidos à Virgem Maria neste tempo em que Ela traz Jesus em seu seio.

A devoção a Nossa Senhora é a maior garantia de que não nos faltarão os meios necessários para alcançarmos a felicidade eterna a que fomos destinados. Maria é verdadeiramente “porto dos que naufragam, consolo do mundo, resgate dos cativos, alegria dos enfermos” (Santo Afonso M. de Ligório). Nestes dias que precedem o Natal e sempre, peçamos-Lhe a graça de saber permanecer, cheios de fé, à espera do seu Filho Jesus Cristo, o Messias anunciado pelos Profetas. Oremos a Maria Consoladora, nossa Mãe, Mãe da Igreja, para que nos infunda a coragem de pronunciar este “sim”, que nos conceda também esta alegria de estar com Deus e que nos oriente rumo ao seu Filho, à Vida verdadeira.

E para estarmos perto de São José, vamos reler a Carta Apostólica do Papa Francisco “Patris Corde”e aprofundar, interiorizar nossa devoção, nosso amor ao Esposo de Maria! Na décima nota da referida Carta, encontra-se um testemunho pessoal do Papa Francisco, um hábito: todos os dias o Papa reza uma oração ao Esposo de Maria, que se conclui com estas palavras: “Que não se diga que eu Vos invoquei em vão, e dado que tudo podeis junto de Jesus e Maria, mostrai-me que a Vossa bondade é tão grande como o Vosso poder”.

Belíssimo é o ensinamento de Santa Teresa d’Ávila, mística carmelita e doutora da Igreja, que diz: “E tomei por advogado e senhor ao glorioso São José e me encomendei muito a ele […] Não me lembro, até hoje, de haver-lhe suplicado nada que não me tenha concedido. É coisa que espanta as grandes mercês que me fez Deus por meio deste bem-aventurado santo, e dos perigos de que me livrou, tanto de corpo como de alma; que a outros santos parece que lhes deu o Senhor graça para socorrer em uma necessidade; mas a este glorioso santo tenho experiência de que socorre em todas, e quer o Senhor nos dar a entender, que assim como a ele esteve submetido na terra, pois como tinha nome de pai, sendo guardião, nele podia mandar, assim no Céu faz o quanto lhe pede”.

Aprendamos, também nós a recorrer, ainda com mais fervor, a São José e peçamos a ele que alcance de Deus a graça de imitarmos suas virtudes. Amém!

O Natal se aproxima! Um menino nos será dado! O maior presente que Deus poderia nos dar! Preparemos nosso coração e nossa vida.

E que presente daremos neste ano ao Menino que nasce? Seria estranho não darmos nada. Que te podemos oferecer, Jesus, em troca de haver-te feito homem por nós e por nossa salvação? Os anjos oferecem seu canto, os céus oferecem a estrela, os magos os seus dons, os pastores a adoração, a terra uma gruta. E nós? Pois nós te oferecemos, a humanidade inteira te oferece, Maria. E cada um deverá oferecer o seu amém, o pessoal e intransferível “faça-se em mim”.

 Mons. José Maria Pereira

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