Homilia do Mons. José Maria – IV Domingo da Quaresma – Ano B

Meditar na Cruz, Fonte de Alegria!

Hoje é o domingo da alegria! O motivo de nossa alegria é: Deus ama-nos! Diz São Paulo: “Por causa do grande amor com que nos amou, quando estávamos mortos por causa de nossas faltas, Ele nos deu a vida com Cristo. É por graça que vós sois salvos!” (Ef 2, 5).

 No nosso itinerário, rumo à Páscoa, chegamos ao quarto domingo da Quaresma. É um caminho, com Jesus, através do “deserto”, ou seja, um tempo durante o qual ouvir em maior medida a voz de Deus e também desmascarar as tentações que falam dentro de nós. No horizonte deste deserto, perfila-se a Cruz. Jesus sabe que ela é o ápice da sua missão: com efeito, a Cruz de Cristo é o auge do amor, que nos concede a salvação. É Ele mesmo que nos diz, no Evangelho: “Como Moisés elevou a serpente no deserto, assim também é necessário que o Filho do Homem seja elevado, a fim de que todo o que nele crer tenha a vida eterna” (Jo 3, 14-15). A referência é ao episódio em que, durante o êxodo do Egito, os judeus foram atacados por serpentes venenosas, e muitos morreram; então, Deus ordenou que Moisés fizesse uma serpente de bronze e que a pusesse sobre um poste: se alguém fosse mordido pelas serpentes, olhando para a serpente de bronze, ficava curado (Nm 21, 4-9). Também Jesus será elevado sobre a Cruz, para que, quem quer que esteja em perigo de morte, por causa do pecado, dirigindo-se com fé a Ele, que morreu por nós, seja salvo.

E, no Evangelho (Jo 3, 14-21), João apresenta-nos a conclusão do diálogo de Jesus com Nicodemos: “ Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna, pois Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho único, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 17). A Palavra de Deus é uma Palavra de esperança sem limites. Deus nunca nos considera um caso perdido. Continua a convidar – nos para erguermos os olhos para um futuro de esperança, e promete – nos a força para o realizar.

Santo Agostinho comenta: “O médico, na medida das suas possibilidades, vem para curar o doente. Se alguém não seguir as prescrições do médico, arruína – se sozinho. O Salvador veio ao mundo… Se tu não quiseres ser salvo por Ele, arruína – te sozinho”. 

Portanto, se é infinito o amor misericordioso de Deus, que chegou a ponto de dar o seu único Filho em resgate pela nossa vida, grande é a nossa responsabilidade. Cada um deve reconhecer que está enfermo, para poder ser curado. Deve confessar o próprio pecado, para que o perdão de Deus, já conferido na Cruz, possa ter efeito no coração e na vida. 

Santo Agostinho escreve ainda: “Deus condena os teus pecados; e se também tu os condenares, unir – te- ás a Deus… Quando começa a desagradar – te aquilo que fizeste, então tem início as tuas boas obras, porque condenas as tuas obras más. As obras boas têm início com o reconhecimento das obras más”.

 Às vezes, o homem gosta mais das trevas do que da luz, porque está apegado aos seus pecados. Mas só abrindo – se à luz, só confessando sinceramente as suas culpas a Deus, encontrará a paz verdadeira, a alegria autêntica. Então, é importante aproximar – se com regularidade do Sacramento da Penitência (Confissão), em particular, na Quaresma, para receber o perdão do Senhor e intensificar o nosso caminho de conversão. Na Confissão, o Senhor devolve-nos o que tínhamos perdido por culpa própria: a graça e a dignidade de filhos de Deus. Ele estabeleceu este Sacramento da sua misericórdia para que pudéssemos voltar sempre ao lar paterno. E o retorno acaba sempre numa festa cheia de alegria. “Digo-vos que haverá alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se arrepende” (Lc 15, 10)

O amor de Deus é uma realidade única. É um amor eterno, indefectível (Jr 31, 3): Amo – te com eterno amor. Em Jesus, o amor de Deus se adequou à nossa condição humana, que tem necessidade de ver, de sentir, de tocar, de dialogar. O amor de Jesus pelos homens é forte, viril, terno, constante, até a prova suprema da vida, porque ninguém tem amor maior do que aquele que dá a própria vida por seus amigos (Jo 15, 13). E ele deu a vida!

No deserto, os hebreus olhavam a serpente levantada por Moisés como sinal de cura e libertação. Faz lembrar a Cruz onde foi levantado o Filho do Homem. Da Cruz de Jesus brota a vida e a salvação para todos. Ao olhar com fé para esse sinal, ficamos curados…

Nesse tempo de conversão, que é a Quaresma, meditemos na Cruz, na alegria da Cruz! É sempre o mesmo júbilo de estar com Cristo: “Somente d’Ele é que cada um de nós pode dizer com plena verdade, juntamente com S. Paulo: “Ele me amou e se entregou por mim” (Gal 2,20). Daí deve partir a vossa alegria mais profunda, daí deve advir também a vossa força e o vosso ponto de apoio. Se, por desgraça, deveis encontrar amarguras, padecer sofrimentos, experimentar incompreensões e até cair em pecado, que o vosso pensamento se dirija rapidamente para Aquele que vos ama sempre e que, com o seu amor ilimitado, faz vencer todas as provas, preenche todos os nossos vazios, perdoa todos os nossos pecados e nos impele com entusiasmo para um caminho novamente seguro e alegre” (São João Paulo II).

A Igreja quer recordar-nos que a alegria é perfeitamente compatível com a mortificação e a dor. O que se opõe à alegria é a tristeza, não a penitência! Vivendo com profundidade o tempo da Quaresma, que conduz à Paixão – e, portanto, à dor -, compreendemos que aproximar-se da Cruz significa também aproximar-se do momento da Redenção, e por isso a Igreja e cada um dos seus filhos se enchem de alegria. A mortificação que procuramos viver nestes dias não deve ofuscar a nossa alegria interior, mas, pelo contrário, deve fazê-la crescer, porque está prestes a realizar-se essa prova máxima de amor pelos homens que é a Paixão, e é iminente o júbilo da Páscoa. Por isso queremos estar muito unidos ao Senhor, para que, também na nossa vida se repita o mesmo processo da sua: chegarmos, pela sua Paixão e Cruz, à glória e à alegria da sua Ressurreição.

Os sofrimentos e as tribulações acompanham todos os homens na terra, mas o sofrimento, por si só, não transforma nem purifica; pode até causar revolta e ódio. Alguns cristãos se separam do Mestre quando chegam até a Cruz, porque esperavam uma felicidade puramente humana, que estivesse isenta de dor e acompanhada de bens naturais.

Para O amarmos com obras, o Senhor pede-nos que percamos o medo à dor, às tribulações, e o procuremos onde Ele nos espera: na Cruz. A nossa alma ficará então mais purificada e o nosso amor mais forte. Então, compreenderemos que a alegria está muito perto da Cruz. Mais ainda: que nunca seremos felizes se não amarmos o sacrifício.

Essas tribulações que, à luz exclusiva da razão, parecem-nos injustas e sem sentido, são necessárias para a nossa santidade pessoal e para a salvação de muitas almas. No mistério da corredenção, a nossa dor, unida aos sofrimentos de Cristo, adquire um valor incomparável para toda a Igreja e para toda a Humanidade. A dor, quando lhe damos o seu verdadeiro sentido, quando serve para amar mais, produz uma paz íntima e uma profunda alegria. Por isso, em muitas ocasiões, o Senhor abençoa-nos com a Cruz.

Assim, temos que percorrer “o caminho da entrega: a Cruz às costas, com um sorriso nos lábios, com uma luz na alma” (São Josemaria Escrivá, Via Sacra, II º est.).

Sigamos Jesus com alegria, até Jerusalém, até o Calvário, até a Cruz. Além disso, “não é verdade que, mal deixas de ter medo à Cruz, a isso que a gente chama de Cruz, quando pões a tua vontade em aceitar a Vontade divina, és feliz, e passam todas as preocupações, os sofrimentos físicos ou morais?” (São Josemaria Escrivá, Via Sacra, IIº est.).

Dirigindo o olhar para Maria, “Mãe da santa alegria”, pedimos – lhe que nos ajude a aprofundar as razões da nossa fé, para que, como nos exorta a Liturgia, renovados no Espírito e com o coração exultante, possamos correr ao encontro das festas que se aproximam, cheios de fervor e exultando de fé.   

Mons. José Maria Pereira

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