Homilia do Mons. José Maria – II Domingo do Advento

Tempo de endireitar os Caminhos!

Advento! Tempo de se preparar para acolher o Senhor que vem! Por mais escuro que esteja o horizonte à nossa frente, precisamos acreditar que dias melhores virão, pois Deus é fiel e não abandona seu povo. Este período do Ano Litúrgico põe em realce as duas figuras que desempenharam um papel saliente na preparação da vinda histórica do Senhor Jesus: a Virgem Maria e São João Batista. Precisamente sobre São João Batista se concentra o texto do Evangelho de hoje ( Mc 1, 1-8). De fato, o texto descreve a personalidade e a missão do Precursor de Cristo. Começando pelo aspecto externo, João é apresentado como uma figura muito ascética: vestido de pele de camelo, alimenta-se de gafanhotos e mel selvagem, que se encontra no deserto da Judeia (Mc 1,6). O próprio Jesus, certa vez, o contrapôs àqueles que se “encontram nos palácios dos reis” e que “usam roupas delicadas” (Mt 11, 8). O estilo de João Batista deveria chamar todos os cristãos a escolher a sobriedade como modelo de vida, especialmente em preparação para a festa do Natal, na qual o Senhor – como diria São Paulo – “sendo rico, Se fez pobre por vós, a fim de vos enriquecer pela pobreza” (2Cor8, 9).

Na linha da pregação de João Batista, acodem-me à mente as palavras do Profeta Isaías: “Uma voz clama: abri no deserto um caminho para o Senhor  […]. Que todo vale seja aterrado, que toda montanha e colina sejam abaixadas… Subi a uma alta montanha, para anunciar a boa nova a Sião. Elevai com força a voz…, dizei às cidades de Judá: “Eis o vosso Deus!” (Is 40, 1-5.9-11).

“Preparai o caminho do Senhor” (Is 40,3). Para Isaías, o caminho do Senhor é um caminho de conversão: “Todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão rebaixadas; as passagens tortuosas ficarão retas e os caminhos acidentados serão aplainados” (v. 4). Os Padres da Igreja associam esses vales, essas montanhas, essas tortuosidades às nossas paixões, a tudo o que turva a visão de nosso coração, impedindo-a de contemplar as coisas do alto (Cl 3,1).

Marcos e Isaías falam da mesma pessoa, porque “o nosso Deus” é um só e porque em Jesus Cristo é Deus mesmo que “visitou o seu povo” (Lc 7,16).

Está na hora de retomar a boa notícia sobre Jesus Cristo, Filho de Deus, para gritá-la com força (é o sentido do Kerigma!) em Jerusalém e nas cidades de Judéia, isto é, na Igreja e fora da Igreja.

João Batista nos oferece um esplêndido exemplo de proclamação do Evangelho. O que o Batista compreendeu a respeito de Jesus é que se trata de alguém de que ele não é sequer digno de aproximar-se para desatar-lhe as sandálias; que é “o mais forte”, aquele que batizará no Espírito Santo e que desafiará, por assim dizer, o mundo a ferro e fogo!

João Batista teve a capacidade de fazer sentir Cristo “perto”, às portas (Jo 1,26), como alguém que está “no meio” dos homens e não como uma abstração mental; como alguém que já tem na mão a pá (Mt 3,12) e se apresenta para atuar o juízo, por isso não há mais tempo a perder. A força de seu anúncio estava em sua humildade (Jo 3,30): Importa que ele cresça e eu diminua, em sua austeridade e em sua coerência.

No que diz respeito à missão de João, ela foi um apelo extraordinário à conversão: o seu batismo “está ligado a um convite fervoroso para uma nova forma de pensar e de agir, está ligado sobretudo ao anúncio do juízo de Deus” (Bento XVl, Jesus de Nazaré, 2007) e do iminente surgir do Messias, definido como “Aquele que é mais forte do que eu” e que “batizará no Espírito Santo” (Mc 1, 7. 8). O apelo de João vai, portanto,

além e mais em profundidade em relação à sobriedade do estilo de vida: exorta a uma mudança interior, a partir do reconhecimento e da confissão do próprio pecado. Enquanto nos preparamos para o Natal é importante que olhemos para nós próprios e façamos um exame sincero da nossa vida. Deixemo-nos iluminar por um raio da luz que provém de Belém, a luz d’Aquele que é “o Maior” e se fez pequeno, “o mais Forte” e se fez frágil.

Hoje precisamos de anúncios inspirados e corajosos, como os de Isaías e de João Batista; diante deles o mundo não poderia ficar insensível, como acontece quando se fala de Jesus Cristo só com sabedoria de palavras, com livros que não acabam mais, mas sem a força e sem a coerência de vida.

Toda a essência da vida de João, desde o seio materno, esteve subordinada a essa missão! João se entrega totalmente nessa missão, dedicando-se a ela, não por gosto pessoal, mas por ter sido concebido para isso. E vai realizar a sua missão até o fim, até dar a vida, no cumprimento da sua vocação.

Foram muitos os que conheceram Jesus graças ao trabalho apostólico do Batista. Os primeiros discípulos seguiram Jesus por indicação expressa dele e muitos outros se prepararam interiormente para segui-Lo, graças à sua pregação.

É bela a Vocação de João Batista! A vocação abarca a vida inteira e leva a fazer girar tudo em torno da missão divina. Cada homem, no seu lugar e dentro das suas próprias circunstâncias, tem uma vocação dada por Deus; de que ela se cumpra dependem outras coisas queridas pela vontade divina!

“Eu sou a voz que clama no deserto!” João Batista não é mais do que a voz, a voz que anuncia Jesus. Essa é a sua missão, a sua vida, a sua personalidade. Todo o seu ser está definido em função de Jesus, como teria que acontecer na nossa vida, na vida de qualquer cristão. O importante da nossa vida é Jesus!

À medida que Cristo se vai manifestando, João procura ficar em segundo plano, ir desaparecendo. Dizia São Gregório: “João Batista perseverou na santidade porque se conservou humilde no seu coração.”

Como precursor, indica-nos o caminho que devemos seguir! Na ação apostólica pessoal- enquanto preparamos os nossos amigos para que encontrem o Senhor-, devemos procurar não ser o centro. O importante é que Cristo seja anunciado, conhecido e amado.

Sem humildade, não poderíamos aproximar os nossos amigos de Deus. E então a nossa vida ficaria vazia.

Não somos apenas precursores! Somos também testemunhas de Cristo. Recebemos, com a graça batismal e a Crisma, o honroso dever de confessar a fé em Cristo, com as nossas ações e com a nossa palavra.  Que tipo de testemunhas nós somos? Como é o nosso testemunho cristão entre os nossos colegas, na família?

Temos que dar testemunho e, ao mesmo tempo, apontar aos outros o caminho. “Também conduzir-nos de tal maneira que, ao ver-nos, os outros possam dizer: este é cristão porque não odeia, porque sabe compreender, porque não é fanático, porque está acima dos instintos, porque é sacrificado, porque manifesta sentimento de paz, porque ama” (É Cristo que passa, nº 122).

Nesse tempo do Advento, encontramos muitas pessoas olhando em outra direção, de onde não virá ninguém; ou onde outros estão debruçados sobre os bens materiais, como se fossem o seu último fim; mas eles jamais satisfarão o seu coração!  Cabe a nós apontar-lhes o Caminho. A todos! Diz-nos Santo Agostinho: “Sabeis o que cada um de nós tem que fazer em casa, com o amigo, com o vizinho, com os dependentes, com o superior com o inferior. Não queirais, pois, viver tranquilos até conquistá-los para Cristo, porque vós fostes conquistados por Cristo.”

A nossa família, os amigos, os colegas de trabalho, as pessoas que vemos com frequência, devem ser os primeiros a beneficiar-se do nosso amor por Deus. Com o exemplo e com a oração, devemos chegar até mesmo àqueles com quem não temos ocasião de falar habitualmente, porém, não devemos nos esquecer que é a graça de Deus, não as nossas forças humanas, que consegue levar as almas ao Senhor!

Que o Senhor nos ilumine para descobrirmos, em nossa vida, quais as estradas tortuosas temos que endireitar para chegar até Ele.  E quais os vales a preencher na vida profissional, na vida espiritual, na vida familiar, na vida de comunidade?

Possamos perceber que temos que abaixar nosso orgulho, nossa autossuficiência!

Deus quer servir-se de nós para preparar os homens de hoje para a vinda de Cristo no Natal desse ano.

Temos o mesmo espírito de João Batista? “Preparai o caminho de Senhor e endireitai suas estradas”. João aponta um caminho de purificação e de conversão!

Durante o tempo do Advento, preparando-nos para o Natal, busquemos o Sacramento da Penitência (Confissão) como um gesto que manifesta a vontade de conversão e esperança dos tempos novos. O Sacramento da Confissão é um encontro privilegiado com Deus que salva e perdoa! Busquemos, então, o Sacramento da Reconciliação e, na medida do possível, uma vivência regular da Eucaristia, o convívio familiar com a Palavra e, sempre, o amor e o perdão nas relações fraternas. Assim, estaremos preparando o caminho enquanto o Caminho nos prepara.

– Quais são os vales a serem preenchidos? (vazios, omissões…).

– Os montes a serem abaixados? (orgulho, vaidade, ambição…).

-Os caminhos a serem endireitados? (egoísmo, ganância, ódio…).

À intercessão materna de Maria, Mãe de Deus e nossa, confiemos o nosso caminho ao encontro do Senhor que vem, enquanto prosseguimos o nosso percurso de Advento para preparar no nosso coração e na nossa vida a vinda do Emanuel, o Deus conosco. Maria nos ajude a reconhecer no rosto do Menino de Belém, concebido no seu seio virginal, o divino Redentor que veio ao mundo para nos revelar o rosto de Deus.

Mons. José Maria Pereira

 

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