Homilia do Mons. José Maria – II Domingo da Quaresma – Ano B

Transfiguração: Experiência de Oração!  

O Evangelho (Mc 9, 2-10) apresenta a fé dos Apóstolos, fortalecida na Montanha, pela Transfiguração de Jesus. O Mistério da Transfiguração não deve ser separado do contexto do caminho que Jesus está a percorrer. Ele já se orientou decididamente para o cumprimento da sua missão, sabendo bem que, para alcançar a Ressurreição, deverá passar sempre através da Paixão e da Morte de Cruz. Disso falou abertamente aos discípulos, os quais, contudo, não compreenderam, aliás, recusaram essa perspectiva, porque não pensam segundo Deus, mas segundo os homens (Mt 16, 23). Por isso, Jesus leva consigo três deles ao monte e revela a sua Glória divina, esplendor de Verdade e de Amor. Jesus quer que esta luz possa iluminar os seus corações quando atravessarem a escuridão espessa da sua Paixão e Morte, quando o escândalo da Cruz for para eles insuportável. Deus é luz, e Jesus deseja doar aos seus amigos mais íntimos a experiência dessa luz, que habita n’Ele. Assim, depois deste acontecimento, será neles luz interior, capaz de os proteger dos assaltos das trevas. Também na noite mais escura, Jesus é a lâmpada que nunca se apaga. Santo Agostinho resume este Mistério com uma expressão lindíssima; diz: “Aquilo que o sol que vemos é para os olhos do corpo, o mesmo é [ Cristo ] para os olhos do coração” (Sermão 78, 2).

A transfiguração de Jesus é uma catequese que revela aos discípulos e a nós Quem é Jesus: O Filho Amado de Deus! É um momento antecipado de luz que nos ajuda também a nós, a fitarmos a Paixão de Jesus com o olhar da fé. Sim, ela é um mistério de sofrimento, mas é inclusive a “Paixão bem-aventurada” porque é – no núcleo – um mistério de amor extraordinário de Deus; é o êxodo definitivo que nos abre a porta para a liberdade e a novidade da Ressurreição, da salvação do mal. Temos necessidade disso no nosso caminho quotidiano, muitas vezes, marcado também pela escuridão do mal! Agora, Jesus leva consigo os três discípulos, para ajuda-los a compreender que o caminho para alcançar a glória, a vereda do amor luminoso que vence as trevas, passa através do Dom total de Si, passa pelo escândalo da Cruz. E, sempre de novo, o Senhor deve levar – nos consigo também a nós, pelo menos para começarmos a compreender que este é o caminho necessário.

Em nossa caminhada para a Páscoa, somos convidados a subir com Jesus a montanha e, na companhia dos três discípulos, viver a alegria da comunhão com Ele. As dificuldades da caminhada não podem nos desanimar. No meio dos conflitos, o Pai mostra-nos, desde já, sinais da Ressurreição, e, do alto daquele monte, Ele continua a nos gritar: “Este é o Meu Filho Amado, escutai-O”.

Quero sublinhar que Transfiguração de Jesus foi substancialmente uma experiência de oração  (Lc 9, 28 – 29). Com efeito, a oração atinge o seu ápice, e, por isso, torna – se fonte de luz interior, quando o espírito do homem adere ao de Deus, e as suas vontades se fundem, como que para formar uma só unidade. Jesus viu delinear – se diante de si a Cruz, o sacrifício extremo, necessário para libertar-nos do domínio do pecado e da morte. E, no seu coração, mais uma vez, repetiu o seu “Amém”. Disse sim, eis – me, seja feita, ó Pai, a tua Vontade de amor. E, como tinha acontecido depois do Batismo no Jordão, vieram do Céu os sinais do agrado de Deus Pai: a luz, que transfigurou Cristo, e a voz que O proclamou “Filho muito amado” (Mc 9,7). A transfiguração é um momento antecipado de luz que nos ajuda, também a nós, a fitarmos a Paixão de Jesus com o olhar da fé. Sim, ela é um mistério de sofrimento, mas é inclusive a “Paixão bem-aventurada” porque é – no núcleo – um mistério de amor extraordinário de Deus; é o êxodo definitivo que nos abre a porta para a liberdade e a novidade da Ressurreição, da salvação do mal. Temos necessidade disso no nosso caminho quotidiano, muitas vezes marcado, também pela escuridão do mal!

Não desanimemos diante das dificuldades! Os Planos de Deus não conduzem ao fracasso, mas à Ressurreição, à vida definitiva, à felicidade sem fim! Com efeito, a existência humana é um caminho de fé e, como tal, progride mais na penumbra que na plena luz, não sem momentos de obscuridade e até de total escuridão. Enquanto estamos aqui em baixo, o nosso relacionamento com Deus realiza-se mais na escuta do que na visão; e a própria contemplação tem lugar, por assim dizer, de olhos fechados, graças à luz interior acesa em nós pela Palavra de Deus. 

São Leão Magno diz que “o fim principal da transfiguração foi desterrar das almas dos discípulos o escândalo da Cruz”. Os Apóstolos jamais esquecerão esta “gota de mel” que Jesus lhes oferecia no meio da sua amargura. Jesus sempre atua assim com os que o seguem. No meio dos maiores padecimentos, dá-lhes o consolo necessário para continuarem a caminhar.

Essa centelha da glória divina inundou os Apóstolos de uma felicidade tão grande que fez Pedro exclamar: “Senhor, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas…” Pedro quer prolongar a situação! O que é bom, o que importa, não é estar aqui ou ali, mas estar sempre com Cristo, em qualquer parte, e vê-Lo por trás das circunstâncias em que nos encontramos. Se estamos com Ele, tanto faz que estejamos rodeados dos maiores consolos do mundo ou prostrados na cama de um hospital, padecendo dores terríveis. O que importa é somente isto: Vê-Lo e viver sempre com Ele! Essa é a única coisa verdadeiramente boa e importante na vida presente e na outra. Desejo ver-Te, Senhor, e procurarei o Teu rosto nas circunstâncias habituais da minha vida!

A vida dos homens é uma caminhada para o Céu, que é a nossa morada (2 Cor 5,2). Uma caminhada que, às vezes, torna-se áspera e difícil, porque, com frequência, devemos remar contra a corrente e lutar com muitos inimigos interiores ou de fora; mas, o Senhor quer confortar-nos com a esperança do Céu, de modo especial nos momentos mais duros ou quando se torna mais patente a fraqueza da nossa condição: “À hora da tentação, pensa no Amor que te espera no Céu. Fomenta a virtude da esperança, que não é falta de generosidade” (São Josemaria Escrivá, Caminho, nº 139).

O pensamento da glória, que nos espera, deve animar-nos na nossa luta diária. Nada vale tanto como ganhar o Céu. Ensina Santa Teresa: “ E se fordes sempre avante com esta determinação de antes morrer do que desistir de chegar ao termo da jornada, o Senhor, mesmo que vos mantenha com alguma sede nesta vida, na outra, que durará para sempre, vos dará de beber com toda a abundância e sem perigo de que vos venha a faltar” (Caminho de Perfeição, 20,2).

“Este é o meu Filho amado, no qual pus o meu agrado. Escutai-O!” (Mt 17,5). E Deus Pai fala através de Jesus Cristo a todos os homens de todos os tempos. A sua voz faz-se ouvir em todas as épocas, sobretudo através dos ensinamentos da Igreja…

Nós devemos encontrar esse Jesus na nossa vida corrente, no meio do trabalho, na rua, nos que nos rodeiam, na oração, quando nos perdoa no Sacramento da Penitência (Confissão), e, sobretudo na Sagrada Escritura, onde se encontra verdadeira, real e substancialmente presente. Devemos aprender a descobri-Lo nas coisas ordinárias, correntes, fugindo da tentação de desejar o extraordinário.

Escutar e anunciar!

Não podemos ficar no Monte… de braços cruzados… O seguidor de Cristo deve descer do monte para enfrentar o mundo e os problemas dos homens!

Cada domingo, ao participar da Santa Missa, subimos a Montanha, para contemplar o Cristo transfigurado (ressuscitado) e escutar a sua voz.

Depois, ao descer a Montanha (tendo participado da Missa, ao sair da Igreja) devemos prosseguir a nossa caminhada, sendo sal da Terra e luz do mundo.

Todos nós precisamos de luz interior para superar as provas da vida. Esta luz vem de Deus, e é Cristo quem a concede, Ele, no qual habita a plenitude da divindade (Cl 2, 9). Subamos com Jesus ao monte da oração e, contemplando o seu rosto cheio de amor e de verdade, deixemo-nos encher interiormente pela sua luz.

Quaresma, tempo de penitência e de renovação interior, conversão, mudança de vida, voltar para Deus, arrependido e confiando na misericórdia divina. Tempo de revitalizar a nossa vida, de recuperar a saúde de nossa alma, de entrar no coração e purificá –lo. Tempo da salvação, intenso, cheio de graça, para ser vivido profunda, interior e pessoalmente. É um convite insistente para purificar a nossa alma e recomeçar. Dirigir-nos a Ele, fonte da vida, da paz e da alegria. Temos salvação e um Salvador!

Que, neste tempo de Quaresma, possamos encontrar momentos de silêncio, possivelmente de Retiro, para rever a própria vida à luz do desígnio de amor do Pai celeste. Deixemo-nos guiar nesta escuta mais intensa de Deus pela Virgem Maria, mestra e modelo de oração. Ela, também na extrema obscuridade da Paixão de Cristo, não perdeu, mas conservou na sua alma a luz do Filho divino. É por isso que a invocamos como Mãe da confiança e da esperança! Que Maria, nossa guia no caminho da fé, ajude-nos a viver o tempo da Quaresma, encontrando todos os dias alguns momentos para a oração silenciosa e para a Palavra de Deus. Ela, que acompanhou o seu Filho Jesus até à Cruz, nos ajude a ser discípulos fiéis de Cristo, cristãos maduros, para podermos participar juntamente com Ela na plenitude da alegria pascal. Amém!

Mons. José Maria Pereira

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