Homilia do Mons. José Maria – VI Domingo do Tempo Comum – Ano C

Manifestações Progressivas de Soberba!   
Mons. José Maria Pereira
Na primeira leitura (Jr 17, 5-8), diz o Senhor: “Maldito o homem que confia no homem e faz
consistir sua força na carne humana, enquanto o seu coração se afasta do Senhor; bendito o
homem que confia no Senhor, cuja esperança é o Senhor.” Jeremias mostra a situação do
homem, e em que consiste a sua riqueza, e compara esse homem a uma árvore plantada ao
longo de um riacho, que estende suas raízes para a torrente; não teme o calor, suas folhas
continuam verdes e ele produz frutos. A imagem, repetida também no Salmo 1, intercalada
com o refrão do Salmo 40(39),5: “É feliz quem a Deus se confia!”. Essa imagem descreve o
homem que plantou sua vida na fé em Deus, como sobre uma fonte inexaurível de consolação
e esperança. Quanto mais afunda nele suas raízes, ou seja, quanto mais aprofunda seu
mistério e confia nele, mais verdejante é sua existência e produz frutos, mesmo quando ao seu
redor perdura a seca. O homem, que constrói sua vida, que projeta seu futuro, tudo e somente
em função de si mesmo e com seus meios, como se o Reino de Deus não existisse, é,
exatamente, alguém que constrói sobre a areia: basta uma tempestade, isto é, uma
desventura qualquer, ou uma doença para que todas suas seguranças sejam abaladas, e ele se
encontre sem fundamento, desprotegido contra o vendaval.
No Evangelho (Lc 6, 17. 20-26), Jesus, dirigindo o olhar aos seus discípulos, diz: “Bem-
aventurados os pobres… bem-aventurados vós, que agora tendes fome… bem-aventurados
vós, que chorais… bem-aventurados vós, quando os homens… desprezarem o vosso nome”
por minha causa. Por que os proclama bem-aventurados? Porque a justiça de Deus fará com
que eles sejam saciados, alegrados, libertos de qualquer falsa acusação, numa palavra, porque
os acolhe desde já no seu reino. As bem-aventuranças baseiam-se no fato de que existe uma
justiça divina, que exalta, quem foi humilhado injustamente, e rebaixa, quem se exaltou (Lc
14,11). De fato, o evangelista Lucas, depois dos quatro “bem-aventurado vós”, acrescenta
quatro admoestações: “ai de vós, os ricos… aí de vós, que estais, agora, fartos… ai de vós, que,
agora, rides e ai de vós, quando todos os homens disserem bem de vós” porque, como afirma
Jesus, as coisas inverter-se-ão, os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos
(Lc 13,30).
Nas bem-aventuranças, Jesus apresenta paradoxos. É a verdadeira situação do fiel cristão no
mundo. Experimentará a alegria à medida que se entrega, experimentando a ligação íntima
entre Cruz e Ressurreição. Nos seus enviados, Cristo continua a sofrer e, todavia, é o
Ressuscitado. Apesar de o enviado de Jesus, nesse mundo, estar ainda imerso na paixão de
Cristo, nisto mesmo, porém, é perceptível o esplendor da ressurreição que lhe proporciona
uma alegria, uma “bem-aventurança” maior do que a felicidade que podia ter provado
anteriormente nos caminhos do mundo. Só então se experimenta o que é a verdadeira
felicidade, a verdadeira “bem-aventurança”. Ao mesmo tempo, reconhece-se quão pálido e
mísero era tudo aquilo que, segundo os critérios mundanos, considera-se satisfação e
felicidade.
Sede, para mim, a rocha do meu refúgio, Senhor: a humildade pessoal e a confiança em Deus
caminham sempre juntas. Só o humilde procura a sua felicidade e a sua fortaleza no Senhor.
Um dos motivos pelos quais os soberbos andam à cata de louvores e se sentem feridos por
qualquer coisa, que possa rebaixá-los na sua própria estima ou na dos outros, é a falta de
firmeza interior; o seu único ponto de apoio e de esperança são eles próprios.

Não é outra a razão por que, com muita frequência, mostram-se tão sensíveis à menor crítica,
tão insistentes em saírem-se com as suas, tão desejosos de serem conhecidos, tão ávidos de
consideração. Agarram-se a si próprios como o náufrago se agarra a uma pequena tábua que
não pode mantê-lo à superfície. E seja o que for que tenham conseguido na vida, sempre estão
inseguros, insatisfeitos, sem paz. Um homem assim, sem humildade, que não confia nesse
Deus que, como Pai que é, estende-lhe continuamente os braços, habitará na aridez do
deserto, em região salobra e desabitada (Jr 17,6). 
O cristão tem toda a sua esperança posta em Deus e, porque conhece e aceita a sua fraqueza,
não se fia muito de si próprio.
A humildade não consiste tanto no desprezo próprio – porque Deus não nos despreza, somos
obra saída das suas mãos –, mas no esquecimento de nós mesmos e na abertura total para
Deus: “Quando pensamos que tudo se afunda sob os nossos olhos, nada se afunda, porque Tu
és, Senhor, a minha fortaleza (Sl 42, 2). Se Deus mora na nossa alma, todo o resto, por mais
importante que pareça, é acidental, transitório. Em contrapartida, nós, em Deus, somos o
permanente” (São Josemaria Escrivá, Amigos de Deus, 92). 
Os maiores obstáculos que o homem encontra, para caminhar em seguimento de Cristo, têm a
sua origem no amor desordenado de si próprio, que o leva, umas vezes, a supervalorizar as
suas forças e, outras, a cair no desânimo e no desalento. É uma atitude permanente de
monólogo interior, em que os interesses próprios se agigantam ou se exorbitam e o eu sai,
sempre, enaltecido.
Quem está cheio de orgulho, exagera as suas qualidades, enquanto fecha os olhos para não
ver os seus defeitos, e acaba por considerar como uma grande qualidade o que, na realidade, é
um desvio do bom critério; persuade-se, por exemplo, de que tem um espírito magnânimo e
generoso porque faz pouco caso das pequenas obrigações de cada dia, esquecendo que, para
ser fiel no muito, tem de sê-lo no pouco. E por esse caminho chega a julgar-se superior,
rebaixando injustamente as qualidades de outros que o superam em muitas virtudes.
São Bernardo indica diferentes manifestações progressivas da soberba: “a curiosidade, o
querer saber tudo de todos; a frivolidade de espírito, por falta de profundidade na oração e na
vida; a alegria tola e deslocada, que se alimenta frequentemente dos defeitos dos outros e os
ridiculariza; a jactância; o prurido de singularidade; a arrogância; a presunção; o não
reconhecer jamais as falhas próprias, ainda que sejam notórias; a relutância em abrir a alma ao
Sacerdote na Confissão, por parecer que não se têm faltas… O soberbo é pouco amigo de
conhecer a autêntica realidade do seu coração e muito amigo de calcar os outros aos pés, seja
em pensamento, seja pelas suas atitudes externas.”
Se formos homens de oração, cresceremos em conhecimento próprio e não teremos nenhuma
vontade de comparar-nos com os outros e menos ainda de julgá-los. Dizia São Josemaria
Escrivá: “Se és tão miserável, como estranhas que os outros tenham misérias?” (Caminho,
446).
Juntamente com a oração, que é o primeiro meio de que devemos socorrer-nos, procuremos
ocasiões de praticar habitualmente a virtude da humildade: nos nossos afazeres, na vida
familiar, quando estamos sozinhos…, sempre!
Procuremos não estar excessivamente preocupados com as nossas coisas: com a saúde, com o
descanso, com o êxito profissional, econômico… E, na medida do possível, falar pouco de nós

mesmos, dos nossos assuntos, daquilo que nos exaltaria aos olhos dos outros…, procuremos
evitar sempre a ostentação de qualidades, bens materiais, conhecimentos…
Aceitemos as contrariedades, sem impaciência, sem mau-humor, oferecendo-as com alegria
ao Senhor; aceitemos, sobretudo, as pequenas humilhações e injustiças que se produzem na
vida diária, pensando sinceramente: “Que é isto, comparado com o que eu mereço?”
(Caminho, 690). 
Passemos por alto os erros alheios, desculpando-os e ajudando-os com uma caridade delicada
a superá-los; cedamos à vontade dos outros sempre que não esteja envolvido o dever ou a
caridade.
Esforcemo-nos, enfim, por gloriar-nos das nossas fraquezas, junto do Sacrário, aonde iremos
pedir ao Senhor que nos dê a sua Graça e não nos abandone; reconhecendo uma vez mais que
não há nada de bom em nós que não venha dEle, e que o nosso eu é, precisamente, o
obstáculo, o que tolhe a ação do Espírito Santo na nossa alma.
Aprenderemos a ser humildes se nos relacionarmos sempre mais intimamente com Jesus. A
meditação frequente da Paixão levar-nos-á a contemplar a figura de Cristo humilhado e
maltratado até o extremo por nós; Será aceso o nosso amor por Ele, e um desejo vivo de imitá-
Lo no seu aniquilamento.
O exemplo da Mãe de Deus e nossa, Escrava do Senhor, possa aumentar em nós o amor à
virtude da humildade. Recorramos a Ela, pois é, ao mesmo tempo, uma Mãe de misericórdia e
de ternura, a quem pessoa alguma jamais recorreu em vão. Peçamos à Maria que alcance para
nós a virtude da humildade, que Ela tanto apreciou. Tenhamos certeza de que Ela irá nos
atender! Maria pedirá a virtude da humildade para nós a esse Deus que eleva os humildes e
reduz ao nada os soberbos; e, como Maria é onipotente junto do seu Filho, será ouvida com
toda a certeza.
Mons. José Maria Pereira

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