Homilia do Mons. José Maria – I Domingo da Quaresma – Ano B

Armas Para Fugir das Tentações! 

Começou a Quaresma. É um tempo de penitência e de renovação interior para prepararmos a Páscoa. Tempo da salvação, intenso, cheio de graça, para ser vivido profunda, interior e pessoalmente. Precisamos fomentar um desejo profundo e eficaz de voltar uma vez mais para Deus, estar mais perto dEle.

Na sua duração de quarenta dias, a Quaresma possui uma indubitável força evocadora. De fato, ela tenciona recordar alguns acontecimentos que cadenciaram a vida e a história do antigo Israel, voltando a propor-nos também a nós o seu valor paradigmático: pensemos, por exemplo, nos quarenta dias do dilúvio universal, que terminaram com o pacto de Aliança estabelecido por Deus com Noé, e assim com a humanidade; e nos quarenta dias de permanência de Moisés no Monte Sinai, aos quais se seguiu o dom das tábuas da Lei. O período quaresmal quer convidar-nos, sobretudo, a reviver com Jesus os quarenta dias por Ele transcorridos no deserto, rezando e jejuando, antes de empreender a sua missão pública. Hoje, também nós fazemos um caminho de reflexão e de oração com todos os cristãos do mundo, para nos dirigirmos espiritualmente ao Calvário, meditando os Mistérios centrais da fé. Assim, preparar-nos-emos para experimentar, depois do Mistério da Cruz, a alegria da Páscoa da Ressurreição.

 Neste primeiro Domingo da Quaresma, encontramos Jesus que, depois de ter recebido o Batismo de João Batista no rio Jordão (Mc 1, 9), sofre a tentação no deserto (Mc 1, 12-15). O deserto, que se fala no Evangelho, tem vários significados. Pode indicar a situação de abandono e de solidão, o “lugar” da debilidade do homem, onde não existem ajudas nem seguranças, onde a tentação se faz mais forte. Mas, ele pode indicar também um lugar de refúgio e de amparo, como foi para o povo de Israel que se livrou da escravidão egípcia, onde se pode experimentar, de modo particular, a Presença de Deus. Jesus, “permaneceu quarenta dias no deserto, onde foi tentado pelo demônio (Mc 1, 13).

Quaresma é para nós um tempo forte de conversão e renovação em preparação à Páscoa. É tempo de rasgar o coração e de voltar ao Senhor. Tempo de retomar o caminho e de se abrir à Graça do Senhor, que nos ama e nos socorre. É um tempo sagrado para aprofundar o Plano de Deus e para rever a nossa vida cristã. E nós somos convidados pelo Espírito ao DESERTO da Quaresma para nos fortalecer nas TENTAÇÕES, que frequentemente tentam nos afastar dos planos de Deus.

A Quaresma comemora os quarenta dias que Jesus passou no deserto, como preparação para esses anos de pregação que culminam na CRUZ e na glória da Páscoa. Quarenta dias de oração e de penitência que, ao findarem-se, desembocam na cena que Marcos narra no cap. 1, 12-15. É uma cena cheia de mistério, que o homem, em vão, pretende entender – Deus que se submete à tentação, que deixa agir o Maligno –, mas que pode ser meditada se pedirmos ao Senhor que nos faça compreender a lição que encerra. São Leão Magno comenta que “o Senhor quis padecer o ataque do tentador para nos defender com a sua ajuda e para nos instruir com o seu exemplo”. 

Que nos pode ensinar este episódio? Como lemos no Livro da Imitação de Cristo, “o homem nunca está totalmente isento da tentação, enquanto viver… mas é com a paciência e a verdadeira humildade que nos tornaremos mais fortes do que todos os inimigos” (Livro l, c. Xlll). Com paciência e com humildade, poderemos seguir o Senhor todos os dias, aprendendo a construir a nossa vida sem O excluir, ou como se Ele não existisse. No entanto, poderemos viver nele e com Ele, porque somente Ele é a fonte da vida verdadeira. A tentação de eliminar Deus, de pôr ordem sozinho em si mesmo e no mundo, contando unicamente com as próprias capacidades, está sempre presente na história do homem, todavia nunca deu certo.

É a primeira vez que o demônio intervém na vida de Jesus, e o faz isso abertamente. Põe à prova Nosso Senhor. Talvez o inimigo queira averiguar se chegou a hora do Messias. Jesus deixa-o agir para nos dar exemplo de humildade e para nos ensinar – diz São João Crisóstomo –. O Senhor quis também ser conduzido ao deserto e ali travar combate com o demônio a fim de que os batizados, que depois do batismo, sofrem maiores tentações, não se assustem com isso, como se fosse algo de inesperado. Se não contássemos com as tentações que temos de sofrer, abriríamos a porta a um grande inimigo: o desalento e a tristeza.

Jesus proclama que “o tempo se cumpriu, e o Reino de Deus está perto” (Mc 1, 15). Ele anuncia que nele acontece algo de novo: Deus dirige – se ao homem de modo inesperado, com uma proximidade singular, concreta, cheia de amor; Deus encarna – se e entra no mundo do homem para assumir sobre si o pecado, para vencer o mal e restituir o homem ao mundo de Deus. Todavia, este anúncio é acompanhado pelo pedido de corresponder a um dom muito grande. Com efeito, Jesus acrescenta: “Arrependei –vos e crede no Evangelho” (Mc 1, 15). Eis o convite a ter fé em Deus e a converter todos os dias a nossa vida à sua Vontade, orientando para o bem todas as nossas obras e pensamentos. O tempo da Quaresma é o momento propício para renovar e tornar mais sólida a nossa relação com Deus, através da oração quotidiana, dos gestos de penitência e das obras de caridade fraterna.

A narrativa das tentações que Jesus sofreu mostra que Jesus “foi experimentado em tudo” (Hb 4, 15), comprovando também a veracidade da Encarnação do Verbo de Deus.

Diz Santo Agostinho que, na sua passagem por este mundo, nossa vida não pode escapar à prova da tentação, dado que nosso progresso se realiza pela prova. De fato, ninguém se conhece a si mesmo sem ser experimentado, e não pode ser coroado sem ter vencido, e não pode vencer, se não tiver combatido, e não pode lutar se não encontrou o inimigo e as tentações.

Por isso, a existência do ser humano nesta terra é uma batalha contínua contra o mal. É essa luta contra o pecado, a exemplo de Cristo, que devemos intensificar nesta Quaresma; luta que constitui uma tarefa para a vida toda.

O demônio promete sempre mais do que pode dar. A felicidade está muito longe das suas mãos. Toda a tentação é sempre um engano miserável! Mas, para nos experimentar, o demônio conta com as nossas ambições. E, a pior delas é desejar a todo o custo a glória pessoal, a ânsia de nos procurarmos sistematicamente a nós mesmos nas coisas que fazemos e projetamos. Muitas vezes, o pior dos ídolos é o nosso próprio eu. Temos que vigiar, em luta constante, porque dentro de nós permanece a tendência de desejar a glória humana, apesar de termos dito ao Senhor que não queremos outra glória que não a dEle. Jesus também se dirige a nós quando diz: “Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás”. E é isto o que nós desejamos e pedimos: servir a Deus, alicerçados na vocação a que Ele nos chamou.

O Senhor está sempre ao nosso lado, em cada tentação, e nos diz afetuosamente: “Confiai: Eu venci o mundo” (Jo16, 33). E com o salmista podemos dizer: “O Senhor é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei?” (Sl 26, 1).

“Procuremos fugir das ocasiões de pecado, por pequenas que sejam, pois aquele que ama o perigo nele perecerá” (Eclo 3, 27). Como Jesus nos ensinou na oração do Pai Nosso: “Não nos deixeis cair em tentação”.  É necessário repetir muitas vezes e com confiança essa oração, porque “quem procura a Deus querendo continuar com os seus gostos, procura-O de noite e, de noite, não O encontrará” (São João da Cruz).

Que a Quaresma seja para todos os cristãos uma ocasião de conversão e de estímulo mais corajoso à santidade. “Converter-se quer dizer para nós, procurar novamente o perdão e a força de Deus no Sacramento da Reconciliação e assim recomeçar sempre, avançar diariamente” (São João Paulo ll). 

O Senhor pede-nos, de modo especial, na Quaresma, o jejum, pois o jejum “fortifica o espírito, mortificando a carne e a sua sensualidade; eleva a alma a Deus; abate a concupiscência, dando forças para vencer e amortecer as suas paixões, e prepara o coração para que não procure outra coisa senão agradar a Deus em tudo” (São Francisco de Sales). Estejamos atentos, pois a Quaresma oferece-nos a oportunidade de refletir mais uma vez sobre o cerne da vida cristã: o amor. Com efeito, este é um tempo propício para renovarmos, com a ajuda da Palavra de Deus e dos Sacramentos, o nosso caminho pessoal e comunitário de fé. Trata-se de um percurso marcado pela oração e a partilha, pelo silêncio e o jejum, com a esperança de viver a alegria pascal.

Supliquemos, com fervor, à Maria Santíssima, a fim de que acompanhe o nosso caminho quaresmal com a sua tutela e nos ajude a imprimir, no nosso coração e na nossa vida, as palavras de Jesus Cristo, para nos convertermos a Ele.

Abre-se, agora, um tempo em que este recomeçar em Cristo irá apoiar-se numa particular graça de Deus. Por isso, a mensagem da Quaresma está perpassada de alegria e de esperança, ainda que seja uma mensagem de penitência e mortificação. É um convite insistente para purificar a nossa alma e recomeçar. O Senhor quer que nos desapeguemos das coisas da terra para que possamos dirigir-nos a Ele, quer que nos afastemos do pecado, que envelhece e mata, e retornemos à fonte da Vida e da Alegria.

Contamos sempre com a Graça de Deus para vencer qualquer tentação. “Não te esqueças, meu amigo, de que precisas de armas para vencer nesta batalha espiritual. As tuas armas serão: a oração contínua, a sinceridade e franqueza com o teu diretor espiritual, a Santíssima Eucaristia e o Sacramento da Confissão, um generoso espírito de mortificação cristã – que te levará a fugir das ocasiões e a evitar a ociosidade –, a humildade de coração e uma devoção terna e filial à Santíssima Virgem – Consoladora dos aflitos e Refúgio dos pecadores. Dirige-te sempre a Ela com confiança e diz-lhe: Minha Mãe, confiança minha!”

Mons. José Maria Pereira

Segue a Mensagem do Santo Padre, o Papa Francisco, sobre a Campanha da Fraternidade 2024: 

Queridos irmãos e irmãs do Brasil,

Ao iniciarmos, com jejum, penitência e oração, a caminhada quaresmal, uno-me aos meus irmãos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil num hino de ação de graças ao Altíssimo pelos 60 anos da Campanha da Fraternidade, um itinerário de conversão que une fé e vida, espiritualidade e compromisso fraterno, amor a Deus e amor ao próximo, especialmente àquele mais fragilizado e necessitado de atenção. Este

percurso é proposto cada ano à Igreja no Brasil e a todas as pessoas de boa vontade desta querida nação.

Neste ano, com o tema “Fraternidade e Amizade Social” e o lema “Vós sois todos irmãos e irmãs” (cf. Mt 23, 8), os bispos do Brasil convidam todo o povo brasileiro a trilhar, durante a Quaresma, um caminho de conversão baseado na Carta Encíclica Fratelli Tutti, que assinei em Assis, no dia 3 de outubro de 2020, véspera da memória litúrgica de São Francisco.

Como irmãos e irmãs, somos convidados a construir uma verdadeira fraternidade universal que favoreça a nossa vida em sociedade e a nossa sobrevivência sobre a Terra, nossa Casa Comum, sem jamais perdermos de vista o Céu, onde o Pai nos acolherá a todos como seus filhos e filhas.

Infelizmente, ainda vemos no mundo muitas sombras, sinais do fechamento em si mesmo. Por isso, lembro da necessidade de alargar os nossos círculos para chegarmos àqueles que, espontaneamente, não sentimos como parte do nosso mundo de interesses (cf. FT 97), de estender o nosso amor a “todo ser vivo” (FT 59), vencendo fronteiras e superando “as barreiras da geografia e do espaço” (FT 1).

Desejo que a Igreja no Brasil obtenha bons frutos nesse caminho quaresmal e faço votos que a Campanha da Fraternidade, uma vez mais, auxilie às pessoas e comunidades dessa querida nação no seu processo de conversão ao Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, superando toda divisão, indiferença, ódio e violência.

Confiando estes votos aos cuidados de Nossa Senhora Aparecida, e como penhor de abundantes graças celestes, concedo de bom grado a todos os filhos e filhas da querida nação brasileira, de modo especial àqueles que se empenham pela fraternidade universal, a Bênção Apostólica, pedindo que continuem a rezar por mim.

Roma, São João de Latrão, 25 de janeiro de 2024, festa litúrgica da conversão de São Paulo Apóstolo.

Franciscus, 

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