Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – Festa da Apresentação do Senhor (Ano A)

FESTA DA APRESENTAÇÃO DO SENHOR

Lc 2,22-40

 

Caros irmãos e irmãs,

Quarenta dias após o nascimento de Cristo, a Sagrada Família dirigiu-se ao Templo de Jerusalém para que a Virgem Imaculada fosse purificada, segundo as prescrições da Lei, e o Menino Jesus fosse entregue e consagrado a Deus. A festa que celebramos neste domingo, ainda imbuída do espírito de Natal, é a encenação da apresentação de Jesus ao Senhor Deus, conforme prescrevia a lei judaica para os primogênitos masculinos (cf. Ex 13,11-16).

A apresentação da criança ao santuário era facultativa; quem o faz, dá prova de ser judeu piedoso. A apresentação, no caso de Jesus, se realizou no quadragésimo dia, coincidindo com o sacrifício da purificação da mãe, igualmente uma instituição antiga (cf. Lv 12,1-8).

O sacrifício era um cordeiro de um ano e um par de rola ou pombinho em sacrifício pelo pecado, conceito mítico da impureza sexual. No caso de pessoas pobres podia ser substituído por um par de rolas ou pombinhos. É o que Maria ofereceu. Maria e José chegaram ao Templo dispostos a cumprir fielmente o que estava estabelecido na Lei. Apresentaram como resgate simbólico a oferenda dos pobres: duas pombas.  São Lucas esclarece que Maria e José oferecem o sacrifício dos pobres (cf. 2,24), para evidenciar que Jesus nasceu em uma família de pessoas simples, humildes, mas fiéis: uma família pertencente àqueles pobres de Israel que formam o verdadeiro povo de Deus.

O texto do Evangelho nos revela o mistério do Filho de Maria, que veio ao mundo para cumprir fielmente a vontade do Pai. Simeão apresenta Jesus como “luz para iluminar as nações” (Lc 2,32) e anuncia com palavra profética a sua oferta suprema a Deus e a sua vitória final (cf. Lc 2,32-35).

E a liturgia desta festa quer manifestar, com efeito, que a vida do cristão é como uma oferenda ao Senhor, trazida na procissão das velas acesas que se consomem pouco a pouco, enquanto iluminam. Cristo é profetizado como a Luz que tira da escuridão o mundo mergulhado nas trevas. A luz, na linguagem corrente, é símbolo da vida: “dar à luz, “ver a luz pela primeira vez” expressões ligadas ao nascimento. As trevas, pelo contrário, indicam a solidão, desorientação, erro… Cristo é a Vida do mundo e dos homens, Luz que ilumina todos os povos.

A liturgia evoca fortemente a idéia da purificação, não tanto a partir da purificação de Maria – uma lei do Antigo Testamento, que já perdeu sua atualidade – mas antes, a partir do texto de Ml 3,1-4, que descreve o efeito purificador da visita de Javé a seu templo.

Nossa Senhora preparou o seu coração, como só ela o podia fazer, para apresentar o seu Filho a Deus e oferecer-se ela mesma com ele. Ao fazê-lo, renova o seu “faça-se” e coloca uma vez mais a sua vida nas mãos de Deus. Jesus foi apresentado ao seu Pai pelas mãos de Maria.

No texto do evangélico vemos também que o velho Simeão, depois de se referir ao Menino, se dirigiu inesperadamente a Maria, vinculando de certo modo a profecia relativa ao Filho com outra que se relacionava com a mãe: “Uma espada atravessará a tua alma” (v. 35). Com estas palavras do ancião, o nosso olhar desloca-se do Filho para Mãe. É admirável o mistério deste vínculo pelo qual ela se uniu a Cristo. Com estas palavras dirigidas à Virgem Maria, anunciava que ela estaria intimamente unida à obra redentora do seu Filho.  A “salvação” que Jesus traz ao seu povo, e que encarna em si mesmo, passa pela Cruz, através da morte violenta que Ele vencerá e transformará com a oblação da vida por amor.

O texto apresenta o velho Simeão como um homem “justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel” (v. 25). As palavras e os gestos de Simeão são particularmente sugestivos. Ele  toma Jesus nos braços e O apresenta ao mundo como “a salvação” que Deus quer oferecer “a todos os povos”, “luz para se revelar às nações e glória de Israel” (v. 28-32). Jesus é, assim, reconhecido pelo Israel fiel como esse Messias, o Salvador, a quem Deus enviou, não só ao seu povo, mas a todos os povos da terra.

Em concomitância com esta festa litúrgica, o Papa São João Paulo II, a partir de 1997, quis que fosse celebrada em toda a Igreja um dia especial da Vida Consagrada. Como de fato, a oblação do Filho de Deus, simbolizada pela sua apresentação no Templo, é modelo para todo homem e mulher que consagra toda a sua vida ao Senhor. Tríplice é o objetivo deste dia: sobretudo louvar e agradecer ao Senhor pelo dom da vida consagrada; em segundo lugar, promover o conhecimento e a estima pela Vida Consagrada por parte de todo o Povo de Deus; e convidar os que dedicaram plenamente a própria vida à causa do Evangelho a celebrar as maravilhas que o Senhor realizou em cada consagrado (Cf. BENTO PP XVI, Homilia para o dia mundial da vida consagrada, aos 02 de fevereiro de 2010).

As pessoas consagradas a Deus pelos conselhos evangélicos são chamadas a dar um testemunho profético ligado a uma dupla atitude contemplativa e ativa.  Neste contexto, a vida consagrada é no mundo e na Igreja sinal visível da face de Deus e um testemunho alegre e árduo da busca assídua e sábia da vontade divina.

A vida consagrada nasce do acolhimento da Palavra de Deus e do Evangelho como sua norma de vida. Vivendo sob as pegadas de Jesus casto, pobre e obediente é de tal modo uma exigência vivente da Palavra de Deus, sendo, no mundo, um testemunho cristão luminoso e coerente.  É preciso que os consagrados sejam luz e conforto para cada pessoa, velas acesas que ardem com o próprio amor de Cristo, luz que ilumina as sombras do mundo e que profeticamente anuncia a aurora de uma nova realidade. Possamos pedir em oração neste dia por todos os consagrados, para que possam continuar sendo no mundo exalando o bom odor de Cristo.

A celebração da Apresentação do Senhor nos impulsiona também a imitar a humildade de Virgem Maria, lembrando que a humildade é o caminho que leva à paz duradoura e nos aproxima de Deus.  E no âmbito dessa festa que hoje estamos celebrando, fica também um ensinamento aos pais, para que saibam ensinar os filhos a seguir o Senhor, mostrando o caminho em que devem andar e que possam, assim como fez Maria e José, apresentar os seus filhos na casa do Senhor, para que possam estar sob os cuidados do Senhor, que a todo momento nos chama a uma vida nova, tendo como base a fé e a santidade. Assim seja.

 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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