Homilia do D. Anselmo Chagas Paiva – XXVIII Domingo do Tempo Comum – Ano A

Parábola dos convidados para o banquete

(Mt 22,1-14)

Caros irmãos e irmãs

A liturgia da Palavra deste domingo utiliza a imagem do banquete para descrever a comunhão que Deus deseja estabelecer com todos. No ambiente sóciocultural do mundo bíblico, o banquete manifesta o momento da partilha, da convivência, da comunhão e do estabelecimento de laços familiares entre os convivas. Além de um acontecimento social, o banquete tem frequentemente, uma dimensão religiosa. Os banquetes sagrados celebram e potenciam a comunhão entre Deus e os fiéis, como nos relatam as passagens bíblicas dos sacrifícios de comunhão celebrados no Templo de Jerusalém (cf. Lv 3).

Quem organizava um banquete, procurava fazer uma seleção cuidadosa dos convidados: a presença de pessoas inadequadas poderia abalar, consideravelmente, o perfil da família; e, por outro lado, a presença à mesa de pessoas importantes realçava a sua relevância. Neste sentido, o profeta Isaías, na segunda leitura,  anuncia que Deus, no futuro, vai oferecer um banquete e todos serão convidados. Trata-se, portanto, de uma iniciativa de Deus. Os que aceitarem este convite, estarão em comunhão total com Deus (cf. Is 26,6-10).

No Evangelho, dando sequência ao tema do banquete, o evangelista São Mateus, nos apresenta duas parábolas diferentes: a dos convidados para o “banquete” (v. 1-10) e a do convidado que se apresentou sem o traje adequado (v. 11-14). As duas parábolas estão unidas pela mesma proposta.

A primeira parábola (vers. 1-10) ressalta a figura de um rei que organiza um banquete para celebrar o casamento do seu filho. Convidou várias pessoas, mas os convidados recusaram o convite, cada um apresentando as suas desculpas.  Trata-se de um quadro gravíssimo: recusar o convite era uma ofensa grave. Mas, entretanto, como se isso não bastasse, esses convidados manifestaram um desprezo inconcebível pelo rei, matando os seus servos.  O convite do rei encontra inclusive reações hostis, agressivas; mas isto não faz diminuir a sua generosidade. Ele não desanima, e envia os seus servos a convidar muitas outras pessoas. A recusa dos primeiros convidados tem como efeito a extensão do convite a todos, sem nenhuma exceção. O rei resolveu, apesar de tudo, manter a festa e mandou que fossem trazidos para o “banquete” todos os que estivessem nas “encruzilhadas dos caminhos”. Todos foram convidados para sentar junto à mesa do rei.

Na parábola, Deus é o rei que convidou Israel para o “banquete” do encontro, da chegada dos tempos messiânicos; para as bodas do seu filho, uma alusão a Jesus Cristo. Os sacerdotes, os escribas, os doutores da Lei recusaram o convite. Então, Deus convidou todos para o banquete, inclusive os pecadores que, segundo a teologia oficial da época, estavam fora da comunhão com Deus.  Para Jesus, o sentar-se à mesa com os pecadores é uma forma privilegiada de lhes dizer que Deus os acolhe com amor e que quer estabelecer com eles relações de familiaridade, sem excluir ninguém do seu convívio. Mas, a mensagem da parábola também é esta: trata-se de um convite urgente à conversão.

A segunda parábola é a parábola do convidado que se apresentou na festa sem o traje nupcial (11-14). Segundo o protocolo oriental, o rei não participava no banquete, porém, num certo momento entrava na sala para receber o obséquio e o agradecimento dos convidados. No Oriente, desde os tempos remotos, os reis costumavam presentear aos seus hóspedes com roupas idôneas para a solenidade das suas audiências ou para o privilégio do comparecimento diante deles. O homem da parábola que não tinha o traje da festa, não quis prover-se desta veste, que ficava na entrada do palácio, o que indica uma falta de respeito não menos grave que a daqueles que rejeitaram o convite do Rei. O rei que organizou o banquete mandou, então, lançá-lo fora da sala onde se realizava a festa.  Assim como aqueles que recusaram o convite, ele também foi condenado ao inferno.

Fica doloroso e chega até a ser contraditório perceber que em um certo momento da festa um homem é expulso de uma maneira tão violenta, porque não estava com a veste adequada.  Mas, o objetivo da parábola é apresentar uma advertência para aqueles que aceitaram o convite de Deus para a festa do Reino, aderiram à proposta de Jesus e receberam o batismo, mas é ainda necessário vestir um estilo de vida que ponha em prática os ensinamentos de Jesus. Quem foi batizado e aderiu ao banquete do Reino, mas recusa o traje do amor, do serviço e da misericórdia; e continua com as vestes do egoísmo, da arrogância, por isso, não pode participar da festa do encontro e da comunhão com Deus.  

São Gregório Magno, em um comentário sobre esta parábola, explica que aquele hóspede respondeu ao convite do Senhor para participar no seu banquete, de certa forma, tem a fé que lhe abriu a porta da sala, mas falta-lhe algo essencial: a veste nupcial, que é a caridade, o amor. Aqueles que foram chamados e comparecem, de alguma maneira, têm fé. É a fé que lhes abre a porta; mas falta-lhes o hábito nupcial do amor. Quem não vive a fé com amor, não está preparado para as núpcias e é expulso (cf. S. GREGÓRIO MAGNO, Homilia 38, 9; PL 76, 1287).  Quem estava sem a veste poderia ser um dos fariseus que não obedeceram ao Cristo.  Não aceitaram o convite à conversão que Ele veio trazer.

Nós também somos convidados para o banquete da Eucaristia, banquete da Igreja, banquete das núpcias do Cordeiro. Para participarmos deste banquete também necessitamos trajar a veste do Batismo, aquela veste branca, que deve ser o sinal da nossa pureza, manifestada pelo profundo amor a Deus e ao próximo e pelas boas obras que realizamos. Não podemos participar da Eucaristia, sendo portadores de ações contrárias aos princípios ensinados pelo Evangelho. Mediante a pergunta do Rei: “Amigo, como entraste aqui sem o traje de festa?”, observamos que “o homem nada respondeu!” (v. 12). Por esta razão a parábola termina dizendo: “Muitos são os chamados, poucos são os escolhidos” (Mt 22,14).  Um dia também teremos que prestar contas a Deus e a Ele pertence o julgamento; a nós, compete conservar pura a veste do nosso Batismo.

Pode-se ainda observar que os servos encarregados de levar o convite, estão divididos em três grupos.  Os primeiros dois grupos representam os profetas do Antigo Testamento, até João Batista.  Eles cumpriram a missão de preparar Israel para receber Jesus como o Messias.  O terceiro grupo representa os apóstolos e todos nós.  Os convidados recolhidos ao longo dos caminhos são identificados como bons e maus; são pessoas do mundo inteiro.  O povo de Deus é composto por gente boa e por gente má; é um campo onde encontramos o trigo e o joio; é uma rede onde pode apanhar todas as espécies de peixes.  Para nós, a parábola é um convite para abrir o coração e as portas das Igrejas a todas as pessoas, a todos aqueles que são rejeitados pela sociedade. 

O Banquete Eucarístico do qual participamos é o Banquete que o rei, o Pai eterno, nos preparou: Banquete da aliança do seu Filho com a humanidade. Conforme nos fala o Livro do Apocalipse: “Felizes aqueles que foram convidados para o banquete das núpcias do Cordeiro” (Ap 19,9).  Este Cordeiro, é o próprio Jesus dado e recebido em comunhão.

Possamos acolher com alegria este convite e sermos dignos de participar dessa mesa sagrada.  E que possamos estar entre os felizes convidados para a ceia do Senhor e que, dentre os muitos convidados, possamos nós estar entre os escolhidos.  E, ao participarmos desta ceia, possamos estar revestidos do homem novo, com modéstia, perdão mútuo e caridade. Assim seja.

D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento-RJ

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