Homilia do D. Anselmo Chagas de Paiva – XXI Domingo do Tempo Comum (Ano C)

Procurai entrar pela porta estreita!” (Lc 13,24).

Lc 13,22-30

 

Prezados irmãos e irmãs,

 

O Evangelho deste domingo nos convida a meditar sobre o tema da salvação. Jesus está em direção à cidade de Jerusalém e, ao longo do caminho, alguém aproxima-se dele e o interroga: “Senhor, são poucos os homens que se salvam?” (v. 23). Uma pergunta que sempre aparece na curiosidade dos que refletem sobre a vida eterna: são muitos ou poucos os que se salvam?  Este interrogar-se pela salvação e desejar a vida eterna é consequência lógica da nossa fé na vida futura, que é também o objeto de nossa esperança.

 

Esta pergunta fazia parte da preocupação dos contemporâneos de Jesus. Os hebreus restringiam a salvação unicamente aos membros do povo eleito e aos seus descendentes pela via do sangue de Abraão e dos patriarcas.  Para eles, a circuncisão, a observância material da lei e a prática do culto era não só o sinal, mas garantia de salvação.

 

Diante da pergunta deste interlocutor anônimo, Jesus não responde diretamente à questão apresentada, mas começa por uma exortação catequética, preferindo apresentar uma norma de salvação, ilustrando com a parábola da porta que se fecha para alguns e abre para outros, para o acesso à vida eterna.  Com isto, usando a imagem da porta estreita, Jesus mostra a todos o caminho da salvação: “Procurai entrar pela porta estreita; porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão” (v. 24).

 

A imagem da porta volta várias vezes no Evangelho e evoca a porta da casa, do lar, onde encontramos segurança, amor e tranquilidade. Jesus nos diz que existe uma porta que nos faz entrar na família de Deus, no calor da sua casa, na comunhão com Ele. Esta porta é o próprio Jesus, pois Ele disse: “Eu sou a porta” (Jo 10,9).  Cristo é a porta da vida em plenitude. Através dele encontramos a nós mesmos e encontramos os outros. Ele nos ajuda a abrir as portas do nosso coração aos outros. E Cristo ainda completa: “Quem entrar por mim tem a vida!” (Jo 10,9). Quem entrar por Ele não fica desiludido, não sairá defraudado e encontrará orientação para a vida. Cristo é a porta que dá sentido à vida; uma porta sempre aberta.

 

Sendo Cristo a porta, também Ele é a passagem para a salvação que nos conduz ao Pai. Uma porta que permanece aberta e para todos, sem distinções, sem exclusões nem privilégios. Porque Jesus não exclui ninguém. Ele nos espera junto a esta porta. Precisamos ter coragem para entrar por esta porta. Todos estão convidados a passar por ela, para estar com Cristo, para que Ele transforme a nossa vida, a renove e infunda em nós a alegria plena e duradoura.

 

Podemos passar diante de muitas portas que nos convidam a entrar, prometendo uma felicidade passageira.  Não tenhamos medo de passar pela porta da fé que é Jesus, de deixar que Ele entre cada vez mais na nossa vida.  Abramos de par em par a porta para ele entrar e iluminar a nossa existência com uma luz que jamais se apaga.  A Sagrada Escritura fala da Sua vinda diária a cada pessoa: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele comigo” (Ap 3,20).

 

Sabemos que a porta é estreita, e, por isto, para passarmos por ela, precisamos fazer-nos pequenos. Para reconhecermos que somos pecadores e que somos necessitados da sua salvação, do seu perdão, do seu amor, precisamos ter a humildade de acolher a sua misericórdia e de nos deixarmos renovar por Ele.  Mas, como a porta é estreita, muitos procurarão entrar, mas não conseguirão (v.24), para poder entrar, é preciso lutar, esforçar-se, fazer-se pequeno.

 

Na realidade, para todos a porta é “estreita”, por isto, a necessidade de empenho e mortificação. Seguindo os ensinamentos de Jesus, entrar no “Reino” é, em primeiro lugar, esforçar-se por “entrar pela porta estreita” (v. 24). A imagem da “porta estreita” é sugestiva para significar a renúncia ao erro e ao pecado que impedem ao homem de viver em conformidade com as leis de Deus. O homem é sempre chamado a evitar o egoísmo, o orgulho, a riqueza, a ambição, o desejo de poder e de domínio que nos separa de Deus.

 

Jesus nos chama a “entrar pela porta estreita” que, por sua vez, significa fazer-se simples, humilde, servidor, capaz de amar os outros até ao extremo e de fazer da vida um dom. Em outras palavras, significa seguir Jesus no seu exemplo de amor e de entrega. Jesus mesmo é o modelo para todos aqueles que querem “entrar pela porta estreita”. É o seu exemplo que é proposto a todos os seus discípulos.

 

Como nos domingos anteriores, o Evangelho uma vez mais nos convida a considerar o futuro que nos espera e para o qual devemos nos preparar durante nossa peregrinação terrena. Jesus Cristo é o único Redentor e nos chama para o banquete da vida imortal. Mas com uma única e igual condição: a de esforçar-se em segui-lo e imitá-lo, carregando, como Ele fez, a própria cruz e dedicando a vida ao serviço do próximo. Portanto, é esta a condição para entrar na vida celestial.

 

No último dia, nos recorda também a Sagrada Escritura, seremos julgados segundo as nossas obras.  E se realizamos o bem, ele nos dirá: “Vinde benditos de meu Pai, recebei por herança o Reino preparado para vós… porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber.  Era forasteiro e me acolhestes…” (Mt 25,31ss). Isto sintetiza que a verdadeira amizade com Jesus se expressa na forma de viver:  a bondade do coração, a misericórdia, o amor e o empenho sincero e honesto pela paz e a reconciliação. Tudo isso, podemos dizer, é o que nos qualifica como bons operários do Senhor e nos permitirá entrar pela porta estreita, para termos acesso à vida eterna.

 

Como de fato, a tarefa da salvação é árdua e supõe empenho e sacrifício da nossa parte.  Em nenhum lugar se fala de facilidades.  Ao contrário, se fala de uma permanente luta contra o mal.  O livro de Jó nos dirá: “A vida do homem na terra é uma batalha” (Jó 7,1). E, embora a luta seja árdua, jamais nos faltará a graça de Deus para vencer as dificuldades.

 

O Apóstolo São Paulo nos lembra que os atletas, nas olimpíadas, se submetem a um rigoroso regime e uma forte preparação com exercícios para conseguir ganhar uma medalha (cf. 1Cor 9,24-25).  Nós somos convidados também a percorrer um caminho de luta para conseguir um prêmio de eternidade.  É a severa disciplina que todos nós somos convidados a tomar parte.

 

A mensagem do Evangelho deste domingo é para todos um convite de Jesus à conversão radical do coração, a fim de conquistar o Reino de Deus, porque somente se formos esforçados o alcançaremos (cf. Mt 11,12).  A conversão deve ser urgente, antes que a porta venha a fechar; amanhã poderá ser tarde.  Temos uma sensação muito desagradável quando perdemos o trem, o ônibus ou o avião, numa viagem previamente planejada, sobretudo se isto ocorre por nossa culpa, por isso, devemos nos empenhar para não chegarmos demasiadamente atrasados para obtermos a vida eterna, para chegarmos ao Reino de Deus.

 

Em cada Santa Missa é o próprio Cristo que vem ao nosso encontro, para ser Ele mesmo o alimento que comunica vida: “Se não comerdes a carne do Filho Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós” (Jo 6,53). Façamos de cada Eucaristia uma ocasião de abrir a porta do nosso coração para Jesus entrar, fazer morada e comunicar a sua vida conosco. Ao entrar pela porta de Jesus, a porta da fé e do Evangelho, saibamos deixar para trás atitudes mundanas, os maus costumes e os erros.

 

Se queremos verdadeiramente passar por esta porta estreita, devemos ainda nos empenhar em conhecer os ensinamentos do Senhor e colocá-los em prática, a exemplo dos santos e a exemplo de Maria, a mãe de Jesus e nossa.  E que ela, invocada pelo povo cristão como Porta do Céu, possa nos guiar a cada dia pelos caminhos que nos levam a esta porta e, ao chegarmos, que ela possa estar aberta para cada um de nós. Assim seja.

 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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