Homilia do D. Anselmo Chagas de Paiva – V Domingo de Páscoa – Ano B

Permanecei em mim e eu permanecerei em vós

Jo 15,1-8

Caros irmãos e irmãs,

A  Liturgia deste quinto Domingo da Páscoa nos apresenta Jesus como a verdadeira videira plantada por Deus.  O texto evangélico nos exorta a permanecermos unidos a Cristo, pois é dele que recebemos a vida em plenitude. 

No Antigo Testamento, a “videira” e a “vinha” eram símbolos do Povo de Deus. O vinho é símbolo da alegria e do amor. Israel é muitas vezes comparado com a vinha fecunda, quando é fiel a Deus; mas, se se afasta dele, torna-se estéril, incapaz de produzir aquele “vinho que alegra o coração do homem”, como canta o Salmo 104. A vinha verdadeira de Deus é Jesus que, com o seu sacrifício de amor, nos oferece a salvação, nos abre o caminho para fazermos parte desta vinha.

A videira, escolhida aqui como elemento de comparação, é uma das plantas mais importantes no Oriente antigo.  Por trás do mistério do vinho encontra-se a realidade de que Ele se fez fruto e vinho para nós, que o seu sangue, na Eucaristia, torna realidade esta grande efetividade da videira.  Jesus exorta os seus discípulos a permanecer unidos a Ele como os ramos à videira.  Trata-se de uma parábola verdadeiramente significativa, porque expressa com grande eficiência que a vida cristã é mistério de comunhão com Jesus: “Quem permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15,5).

Um ramo que não dá fruto é um ramo improdutivo, um ramo morto.  E para dar frutos necessitamos da seiva da videira, que é Cristo.  Sem Ele nada podemos fazer, porque sem a seiva os ramos secam. O segredo da fecundidade espiritual é a união com Deus, união que se realiza sobretudo na Eucaristia.  Deus se torna corpo conosco e sangue conosco, com isto, permanecemos na comunhão com o próprio Deus: “Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e Eu nele” (Jo 6,56).

Se aceitamos permanecer com Jesus, Ele nos introduz na sua intimidade. Então podemos dar frutos que terão o sabor de Jesus. Isso se cumpre de modo pleno na Eucaristia, pela qual somos alimentados com o seu corpo e o seu sangue de Ressuscitado. Ele coloca em nós o poder da sua Vida, que passa pelo pão e pelo vinho, que vão vivificar cada célula do nosso corpo, isto é, cada detalhe da nossa vida, cada uma das relações que criamos com os outros.

E o trecho do Evangelho nos chama a permanecer na vinha do Senhor, a ser servidores do seu mistério. O verbo “permanecer” aparece várias vezes no evangelho. O ramo é uma extensão e um prolongamento da videira. O ramo que não permanece unido à videira, resseca e não dá fruto, é cortado e jogado ao fogo; não serve realmente para nada.  Os discípulos são os “ramos” que estão unidos à “videira” que é Jesus e que dela recebem a vida. Estes “ramos”, no entanto, não têm vida própria e não podem produzir frutos por si próprios; eles necessitam da seiva que lhes é comunicada por Jesus. Por isso, são convidados a permanecer em Jesus (v. 4). 

Com efeito, o ramo vive em virtude de sua união com a videira, e a construção se mantém, graças à firmeza de sua base, portanto, faltando-lhe apoio, desmoronar-se-á.  Nós não devemos apenas nos unir a cristo, mas também nos incorporarmos plenamente a ele, pois qualquer separação nos causará a morte (cf. S. JOÃO CRISÓSTOMO, Homilias, PG 61-72-73).  Para os discípulos, que são “os ramos”, interromper a relação com Jesus significa cortar a relação com a fonte de vida e condenar-se à esterilidade.

Por isso, o “agricultor”, Deus, atua no sentido de que o “ramo”, o discípulo, se identifique cada vez mais com a “videira”, Jesus Cristo, e produza frutos de amor, de doação e de serviço aos irmãos. A ação de Deus está no sentido de limpar o ramo, para que ele possa dar mais frutos. “Limpar” significa chamá-lo a um processo de conversão contínua que o leve a recusar caminhos de egoísmo e de fechamento, para se abrir ao amor. Dito de outra forma: a limpeza dos “ramos” se faz através de uma adesão cada vez mais fiel a Jesus e à sua proposta de amor (v. 2).

O cristão tem em Jesus a sua referência, se identifica e vive em comunhão com Ele. O cristão vive de Cristo, vive com Cristo e vive para Cristo.  Precisamos ficar atentos para nunca interrompermos a nossa união com Ele e tornarmos ramos secos e estéreis; e para não sermos “ramos” secos, é preciso renovarmos a cada dia o nosso “sim” a Jesus e às suas propostas.  Permanecendo nele, também as suas palavras permanecem em nós; peçamos então o que quisermos, pois tudo nos será concedido.  Se o que pedimos não nos é dado, é porque não o pedimos de acordo com a nossa permanência nele (cf. S. AGOSTINHO, Tractatus 81,4: CCL 36, 531-532). 

A vida de uma árvore se caracteriza pelos frutos que ela produz.  Cabe aos discípulos de Cristo produzir frutos de verdade. Não é possível continuar unido a Cristo e receber a vida de Cristo, estando em ruptura com os nossos irmãos.  Por isso, a Primeira Carta de João, que abre a liturgia da Palavra deste domingo, apresenta o tema do amor ao próximo. Os hereges afirmavam que o essencial da fé residia na vida de comunhão com Deus; mas, ocupados a olhar para o céu, negligenciavam o amor ao próximo (cf. 1Jo 2,9). A sua experiência religiosa era voltada para o céu, mas alienada das realidades do mundo. Para o Evangelista São João, o amor ao próximo é uma exigência central da vida cristã. Jesus demonstrou isto ao amar os homens até ao extremo de dar a vida por eles, na cruz. Também esta deve ser a atitude de cada discípulo de Jesus (cf. 1Jo 3,16). A realização plena do homem depende da sua capacidade de amar os irmãos.

O evangelista São João ainda ressalta que o amor se vive com ações concretas em favor dos irmãos (cf. v. 18).  Se os nossos gestos não derramam amor sobre aqueles que caminham ao nosso lado, se não construímos a paz, se não somos arautos da reconciliação e se não defendemos a verdade, estamos a trair Jesus e a missão que Ele nos confiou. A vida de Jesus tem de transparecer nos nossos gestos e atingir o mundo e os homens, a partir de nós.

O verdadeiro “permanecer” em Cristo deve estar relacionado ao amor aos irmãos, como também na eficácia da oração, que nos garante este permanecer com ele. Cada um de nós é um ramo, que só vive se fizer crescer, a cada dia, na oração, na participação nos Sacramentos e na caridade a sua união com o Senhor. E quem ama Jesus, videira verdadeira, produz frutos de fé para uma abundância espiritual.

O evangelista São João nos ensina sabiamente de que modo estamos em Cristo e ele em nós, quando diz: “A prova de que permanecemos nele, e ele em nós, é que ele nos deu algo de seu Espírito (1Jo 4,13).  Assim como a raiz faz chegar aos ramos sua seiva natural, também o Cristo Senhor concede àqueles que lhe estão unidos pela fé, o seu Espírito.  Ele os conduz à santidade perfeita (cf. S. CIRILO DE ALEXANDRIA, Comentário sobre o Evangelho de São João, PG 74, 331-334).

Um caminho seguro para nos mantermos unidos a Cristo, como ramos ligados à videira, é recorrer constantemente à intercessão da Virgem Maria, para que ela possa continuar a velar sobre cada um de nós para estarmos sempre unidos à videira, que é Cristo e possamos permanecer solidamente enxertados nele, que é o caminho, a verdade e a vida.  Assim seja.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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