Homilia do D. Anselmo Chagas de Paiva – III Semana do Tempo Comum – Ano B

Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo

 

Mc 1,14-20

Caros irmãos e irmãs

No Evangelho deste domingo aparece em cena Jesus que percorre os povoados e montanhas da Galileia, anunciando o Evangelho. O texto nos mostra a primeira frase que ele pronuncia, como alerta da sua pregação: “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!” (v. 15). O Evangelista São Marcos frisa que Jesus começou a pregar “depois que João Batista foi preso” (v.14). Precisamente no momento em que a voz profética de João, que anunciava a vinda do Reino de Deus, é abafada por Herodes, que o mandou degolar no cárcere (cf. Mc 6,14-29), Jesus começa a percorrer os caminhos da sua terra para levar a todos “o Evangelho de Deus” (v. 14).

O texto evangélico nos apresenta dois pedidos “Convertei-vos” (v. 14), no sentido de mudar o modo de pensar, deixando a má conduta moral e “Crede no evangelho” (v.14), ou seja, na Boa Nova que Cristo veio ensinar. O tempo assinalado para o estabelecimento do reino havia chegado e todos eram exortados a se preparar para nele entrar, mediante o arrependimento e a aceitação da boa nova anunciada por Cristo.

A inserção no Reino de Deus exige a conversão.  O apelo de Jesus à conversão soava como uma exigência de abrir mão da própria vontade para abraçar um novo modelo de vida proposta por Ele.  A conversão colocaria o futuro discípulo diante das exigências objetivas do Evangelho.  Crer no Evangelho supunha aceitar a mensagem de Jesus como palavra de Deus, com toda a sua força de salvação.  Abrir-se para estes apelos haveria de ser o primeiro passo da longa caminhada de testemunho transparente de adesão ao Reino e aos seus valores, que foram os de Jesus.

Na Sagrada Escritura vamos encontrar muitos exemplos de conversão, dentre eles, podemos citar a do apóstolo São Paulo. No caminho de Damasco aconteceu com ele aquilo que Jesus pede no Evangelho de hoje: Saulo converteu-se porque, graças à luz divina, “acreditou na Boa Nova”. É nisto que consistem a sua e a nossa conversão: acreditar em Jesus morto e abrir-se à iluminação da sua graça divina. Naquele momento, Saulo compreendeu que a sua salvação não dependia das boas obras realizadas segundo a lei, mas do fato de que Jesus tinha morrido também por ele, que foi um perseguidor dos cristãos. Esta verdade, que graças ao Batismo ilumina a existência de cada cristão, inverte completamente o nosso modo de viver. Converter-se significa, também para cada um de nós, acreditar que Jesus “se entregou por mim” morrendo na cruz (cf. Gl 2, 20).

O convite à conversão ressoa hoje também para cada um de nós e implica no desejo e no propósito de mudar de vida, com a esperança da misericórdia divina e a confiança na ajuda da sua graça.  A conversão é, antes de mais, obra da graça de Deus, a qual faz com que os nossos corações se voltem para Ele: “Convertei-nos, Senhor, e seremos convertidos” (Lm 5,21). Deus é quem nos dá a coragem de começar de novo. É ao descobrir a grandeza do amor de Deus que o nosso coração é abalado pelo horror e pelo peso do pecado, e começa a ter receio de ofender a Deus pelo pecado e de estar separado dele. O coração humano converte-se, ao olhar para aquele a quem os nossos pecados trespassaram (cf. Jo 19,37). A conversão envolve uma mudança radical no próprio modo de pensar.

A segunda parte do trecho evangélico (v. 16-20), nos relata o chamado dos primeiros quatro discípulos, convocados a se tornarem, depois da ressurreição de Jesus, mensageiros do evangelho.  O episódio está dividido em duas fases paralelas, que correspondem aos chamados das duas duplas de irmãos: Simão e André (v. 16-17); e Tiago e João (v. 19-20).

O chamado duplo não tem apenas valor simbólico.  O relato guarda uma preciosa recordação da primeira hora.  Evidentemente, o nosso texto evangélico tem uma forte intenção teológica.  Mas ainda no tempo de Paulo são estes os grandes apóstolos, chamados de colunas da Igreja.  São eles que reconhecem “a graça de Deus que foi dada a Paulo” (Gl 2,9).

Jesus chama estes primeiros discípulos no momento em que estavam exercendo a sua profissão.  Eram eles pescadores. Também a vocação do profeta Eliseu aconteceu em circunstâncias semelhantes. Elias o convida para segui-lo enquanto se encontra a arar a terra (cf. 1Rs 19,19-21).  É o próprio Jesus que vai a procura dos seus apóstolos e os convida a permanecer com ele.

Esse “seguir” significa ir atrás de alguém, pisando nas suas pegadas, percorrer o seu caminho, o que pede, sobretudo, uma imensa confiança Nele. Seguir Jesus não é só aceitar sua doutrina, mas entregar-se incondicionalmente à sua pessoa, colaborar na sua missão, partilhar do seu destino que inclui a morte e glorificação. Seguir Jesus, por isso, supõe o abandono confiante Nele, isto é, uma confiança total, doação completa à pessoa de Jesus.

 

Chama a nossa atenção o fato de que o Evangelista São Marcos mostra Jesus ao iniciar a sua grande atividade pública, congrega em torno de si os seus discípulos.  Este gesto faz parte da proclamação evangélica. Os apóstolos e os outros discípulos serão parte constitutiva deste último tempo.  Ele os convoca para, juntamente com eles, e perante os olhos deles, iniciar a proclamação e inauguração do Reino de Deus, porque, posteriormente, eles serão os continuadores dessa missão.  Jesus chama estes primeiros apóstolos para que fiquem ao seu lado e experimentem algo da sua divina intimidade (cf. Mc 3,13).

Pedro, André, Tiago e João respondem imediatamente ao chamado: abandonam tudo para acompanhar Jesus. Isto mostra que, mediante o chamado de Jesus, a resposta deve ser dada imediatamente e deve manifestar-se em ações concretas: Eles abandonam tudo para seguir o Mestre, porque a missão para a qual estão sendo convocados é diferente.

O atrativo da chamada de Jesus é irresistível e os faz capazes de renunciar à sua família e ao seu trabalho para seguir Jesus. Esta ruptura com a própria família tinha implicações muito distintas das que têm hoje o abandono do lar familiar. Não era somente nem principalmente uma ruptura afetiva, e sim uma ruptura com todas as seguranças. A casa e a família eram, até então, o grupo de apoio mais sólido desde o ponto de vista social, os que careciam de uma família careciam de honra e prestígio. Economicamente, a família era a principal unidade de produção e o grupo em que se exercia a mútua solidariedade. Ao deixar sua família e sua casa, aqueles discípulos faziam uma opção muito radical: deixavam verdadeiramente tudo para seguir Jesus (cf. Mt 19,27-29).

O que certamente impulsionou os Apóstolos a seguir Jesus, no início e no decorrer dos tempos, foi sempre “o amor de Cristo” (cf. 2Cor 5,14). Como fiéis servidores da Igreja, dóceis à ação do Espírito Santo, muitos missionários, ao longo dos séculos, seguiram as pegadas dos primeiros discípulos e também ouviram este chamado de Cristo.  Ao longo da história da Igreja muitos foram aqueles que se dedicaram totalmente a serviço do Evangelho.  Podemos recordar de muitos sacerdotes que são chamados para anunciar a Palavra de Deus, administrar os sacramentos, especialmente a Eucaristia e a Reconciliação, dedicados ao serviço dos mais débeis, dos doentes, dos sofredores, dos pobres e dos que passam por momentos difíceis, em regiões da terra onde ainda hoje existem multidões que não tiveram um verdadeiro encontro com Cristo. Para estes, os missionários levam o primeiro anúncio do seu amor redentor.  Desta forma, através dos seus sacerdotes, Jesus se faz presente entre os homens de hoje, até às mais distantes extremidades da terra.

Peçamos a intercessão da Virgem Maria para que saibamos responder com entusiasmo o chamado de Cristo a segui-lo, a exemplo dos apóstolos e de inúmeros sacerdotes, religiosos e religiosas.  Maria, que também soube viver plenamente a sua unidade com o Senhor, nos faça obter o dom de uma verdadeira conversão.  Assim seja.

 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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