Homilia do D. Anselmo Chagas de Paiva – Domingo de Ramos – Ano B

Domingo de Ramos

Mc 14,1-15,47

Caros irmãos e irmãs,

A celebração da Semana Santa é sempre um momento propício para uma rica catequese, que já impressionava os cristãos desde os primeiros séculos. Celebrar a Semana Santa é reviver aquilo que constitui o coração da História: O mundo salvo por Cristo, pela sua obediência até a morte de cruz.  A Semana Santa, que começa com o domingo de Ramos, atualiza na comunidade cristã os mistérios centrais da Redenção: Paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo e, por esta razão, deve alcançar entre nós o nível de uma autêntica vivência da fé.  Toda a nossa vida é, em certo sentido, uma contínua Semana Santa, pois somos sempre chamados a ouvir o convite que Jesus dirigiu aos seus discípulos no horto das Oliveiras: “Ficai aqui e vigiai comigo” (Mt 26,38). 

A ação litúrgica deste domingo começa com a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, como o Messias, montado em um jumentinho, segundo fora profetizado há muitos séculos antes (cf. Zc 9,9).  Como nos narra o texto evangélico deste domingo (cf. Mc 11,1-10), Jesus chega a Jerusalém vindo de Betfagé e do Monte das Oliveiras, isto é, seguindo a estrada por onde deveria vir o Messias. Naquele momento, o entusiasmo apodera-se dos discípulos e também dos outros peregrinos. Muitos pegam os seus mantos e colocam sobre o jumentinho, enquanto os ramos de árvores são postos nos caminhos por onde Jesus iria passar.

Nesta entrada de Jesus em Jerusalém as pessoas recitam um versículo do Salmo 118: “Hosana ao Filho de Davi! Bendito seja Aquele que vem em nome do Senhor! Hosana nas alturas!” (Mt 21,9). Esta aclamação festiva, transmitida pelos quatro evangelistas, é um brado de bênção, um hino de exultação que exprime a convicção unânime de que, em Jesus, Deus visitou o seu povo e que o Messias finalmente chegou.

Jesus entra na Cidade Santa montado em um jumento, animal típico das pessoas simples do campo e, além disso, um jumento que não lhe pertencia, mas que Jesus havia pedido emprestado para esta ocasião, o que não o assemelhava aos poderosos do mundo, mas o fazia chegar de forma simples e humilde. O Evangelista João narra, inicialmente, que os discípulos não O compreenderam. Somente depois da Páscoa entenderam que Jesus, agindo deste modo, estava a cumprir os anúncios dos profetas, compreenderam que o seu agir derivava da Palavra de Deus e que a levava ao seu cumprimento.

O Domingo de Ramos é o grande portal de entrada na Semana Santa, semana em que o Senhor Jesus caminha até ao ponto culminante da sua existência terrena. Ele sobe a Jerusalém para dar pleno cumprimento às Escrituras e ser pregado no lenho da cruz, o trono de onde reinará para sempre, atraindo a Si a humanidade de todos os tempos e oferecendo a todos o dom da redenção. Sabemos, pelos Evangelhos, que Jesus dirigiu-se para Jerusalém juntamente com os Doze e que, pouco a pouco, se foi unindo a eles uma multidão cada vez maior de peregrinos. São Marcos ressalta que, já na saída de Jericó, havia uma “grande multidão” que seguia Jesus (cf. Mc 10, 46).  Assim também nós, pela procissão que realizamos neste dia, fazemos dele um dia particular em que devemos ir ao encontro de Cristo, desejando acompanhá-lo pelas nossas cidades, a fim de que Ele permaneça conosco e possa estabelecer sua morada em nós.

A liturgia deste domingo tem seu ápice na leitura da narrativa da paixão do Senhor (cf. Mc 14,1-15,47).  Para muitos cristãos é a única ocasião que têm para ouvir, no decurso de uma assembleia litúrgica, esta parte do Evangelho.  A celebração se abre com o “Hosana!” E culmina com o “Crucifica-o!”  Mas o texto evangélico nos convida a contemplar a paixão e morte de Jesus: É o momento supremo de uma vida feita a serviço do homem.  O relato do Evangelista São Marcos está fundamentado em acontecimentos concretos e apresenta Jesus como o Filho de Deus que aceita cumprir o projeto do Pai, mesmo quando esse projeto passa por um destino de cruz.

Pode-se destacar ainda no relato da paixão apresentado por São Marcos, o interrogatório ao qual Jesus é submetido no palácio do sumo sacerdote. Em um certo momento Jesus não hesita em esclarecer os fatos e em deixar clara a sua divindade. Quando o Sumo sacerdote perguntou a Jesus diretamente se Ele era “o Messias, o Filho de Deus bendito” (Mc 14,61), Jesus responde imediatamente: “Eu sou. E vereis o Filho do Homem sentado à direita do Todo poderoso vir sobre as nuvens do céu” (Mc 14,62). A expressão “eu sou” (egô eimi) nos leva ao nome de Deus no Antigo Testamento: “Eu sou aquele que sou” (Ex 3,14).  Na perspectiva do evangelista São Marcos, esta é a afirmação que confirma a divindade de Jesus. A referência ao “sentar-se à direita do Todo poderoso” e ao “vir sobre as nuvens” sublinha, também, a dignidade divina de Jesus, que um dia aparecerá como juiz soberano da humanidade inteira. O sumo sacerdote percebe perfeitamente o alcance da afirmação de Jesus, o que o faz manifestar a sua indignação rasgando as vestes e condenando Jesus como blasfemo.

O centurião romano, junto da cruz de Jesus, confirma: “Na verdade, este homem era Filho de Deus” (Mc 15,39). Mais do que uma afirmação histórica, esta frase deve ser vista como uma “profissão de fé” que o Evangelista São Marcos nos convida a fazer. Depois de tudo o que foi testemunhado ao longo do Evangelho em geral, e no relato da paixão, a conclusão é óbvia: Jesus é mesmo o Filho de Deus que veio ao encontro da humanidade para lhe apresentar uma proposta de salvação.

Ao perceber a morte próxima, Jesus faz uma oração dizendo: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” (Mc 15,34). Esta oração de Jesus indica que a sua natureza humana se une a cada um de nós.  Como qualquer outro ser humano, Jesus também experimenta a solidão, o abandono, o sentimento de impotência, a sensação de fracasso. No âmago do seu drama, Jesus sente que foi abandonado por Deus. Mas, com isto, parece se solidarizar com cada homem que sofre e experimenta a fragilidade, o drama e a debilidade que a vida pode oferecer. Em todos os relatos da paixão, Jesus aparece a enfrentar sozinho este abandono.  São Marcos sublinha a solidão de Jesus, nesses momentos dramáticos.

Abandonado pelos discípulos, escarnecido pela multidão, condenado pelos líderes, torturado pelos soldados, Jesus percorre na solidão e indiferença de todos, o seu caminho de morte.  Contudo, podemos frisar que apesar destes relatos, sublinhando como Jesus se comporta ao longo de todo o processo que conduz à sua morte, nota-se que ele nunca se descontrola, nunca recua, nunca resiste, mas está sempre sereno e digno, enfrentando o seu destino de cruz. A atitude de Jesus é a atitude de quem sabe e está decidido a cumprir a missão que o Pai lhe confiou.

Possamos nestes dias da Semana Santa estar unidos à Virgem Maria no Monte Calvário, permanecendo ela aos pés da Cruz, velando com ela o Cristo morto, aguardando também com ela o dia luminoso da ressurreição.  Que ela interceda por nós e nos faça direcionar os nossos passos no caminho da verdade e do bem.  Assim seja. 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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