Homilia de Mons. José Maria Pereira – Vll Domingo do Tempo Comum – Ano C

Uma Revolução: Amar os inimigos!
O Evangelho deste domingo (Lc 6, 27-38) contém uma das palavras mais típicas e fortes da
pregação de Jesus: “Amai os vossos inimigos” (Lc 6, 27). É tirada do Evangelho de Lucas, mas se
encontra também no Evangelho de Mateus (5,44), no contexto do discurso programático que
se abre com as famosas “Bem – Aventuranças”. Jesus pronunciou-o, na Galileia, no início da
sua vida pública: quase uma “declaração” apresentada a todos, com a qual Ele pede a adesão
dos seus discípulos, propondo-lhes em termos radicais o seu modelo de vida. Mas qual é o
sentido desta sua palavra? Por que Jesus pede para amar os próprios inimigos, isto é, um amor
que excede as capacidades humanas? O amor ao inimigo constitui o núcleo da “revolução
cristã”, uma revolução baseada não em estratégias de poder econômico, político ou midiático.
A revolução do amor, um amor que, definitivamente, não se apoia nos recursos humanos, mas
é dom de Deus que se obtém confiando, unicamente e sem reservas, na sua bondade
misericordiosa. Eis a novidade do Evangelho, que muda o mundo sem fazer rumor. Eis o
heroísmo dos “pequenos”, que creem no amor de Deus e o difundem até à custa da vida.
Na realidade, a proposta de Cristo é realista, pois considera que, no mundo, existe demasiada
violência, demasiada injustiça, e, portanto, não se pode superar esta situação, exceto se lhe
contrapuser um algo mais de amor, um algo mais de bondade. Este “algo mais” vem de Deus: é
a sua misericórdia, que se fez carne em Jesus e que, sozinha, pode “inclinar” o mundo do mal
para o bem, a partir daquele pequeno e decisivo “mundo” que é o coração do homem.  
Para isso, o Evangelho convida-nos a ser magnânimos, a ter um coração grande, como o de
Cristo. Manda-nos a bendizer aqueles que nos amaldiçoam; orar pelos que nos injuriam…;
praticar o bem, sem esperar nada em troca; ser compassivos, como Deus é compassivo;
perdoar a todos; ser generosos, sem calculismos. E termina com estas palavras do Senhor: “Dai
e vos será dado. Uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante será colocada no vosso
colo”. E alerta-nos: “Com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis
medidos” (Lc 6, 38). 
A virtude da magnanimidade, muito relacionada com a virtude da fortaleza, consiste na
disposição de realizar coisas grandes, e São Tomás chama-a “ornato de todas as virtudes”. É
uma disposição que acompanha sempre uma vida santa.
O magnânimo (tem alma grande) propõe-se ideais altos e não se encolhe perante os
obstáculos, as críticas ou os desprezos; quando é necessário enfrentá-los por uma causa
elevada. Não se deixa intimidar de forma alguma pelos respeitos humanos e pelas
murmurações; importa-lhe muito mais a verdade do que as opiniões, frequentemente falsas e
parciais.
A grandeza de alma demonstra-se também pela disposição de perdoar o que quer que seja das
pessoas próximas ou afastadas. Não é próprio do cristão ir pelo mundo afora com uma lista de
agravos no coração, com rancores e recordações que lhe amesquinham o ânimo e o
incapacitam para os ideais humanos e divinos a que o Senhor nos chama.
Assim como Deus está disposto a perdoar tudo de todos, a nossa capacidade de perdoar não
pode ter limites, nem pelo número de vezes, nem pela magnitude da ofensa, nem pelas
pessoas das quais nos advém a suposta injúria: “Nada nos assemelha, tanto a Deus, como
estarmos sempre dispostos a perdoar. Na Cruz, Jesus cumpria o que havia ensinado: Pai,

perdoa-lhes. E imediatamente a desculpa: porque não sabem o que fazem (Lc 23, 34). São
palavras que mostram a grandeza de alma da sua Humanidade Santíssima. E, ainda, lemos no
trecho do Evangelho (Lc 6, 27-28): “Amai os vossos inimigos…, orai pelos que vos caluniam”.
Vamos concentrar-nos num ponto importante do discurso de Jesus: “Não julgueis, e não sereis
julgados; não condeneis, e não sereis condenados; perdoai, e sereis perdoados” (Lc 6, 37). O
sentido não é: não julgueis os homens e assim os homens não vos julgarão; mas, antes: não
julgueis e não condeneis o irmão e assim Deus não vos condenará.
Quem és tu para julgar um irmão? Somente Deus pode julgar, porque Ele conhece os segredos
do coração, os “porquês”, as intenções e os objetivos de uma ação. Mas, nós, o que sabemos
daquilo que se passa no coração da pessoa, quando faz uma determinada ação? O que
sabemos sobre os condicionamentos que influem, nessa ação, sobre os meandros de suas
intenções? Querer julgar, para nós, é realmente uma operação assaz arriscada, é como lançar
uma pedra de olhos fechados sem saber a quem irá atingir: nós nos expomos a ser injustos,
impiedosos, unilaterais. Basta olhar para nós: como é difícil julgar a nós mesmos e quantas
trevas envolvem nosso pensamento, para entender que é totalmente impossível descer nas
profundidades de outra existência, em seu passado, em seu presente, na dor que
experimentou…
Diz São Paulo: “Ó homem, tu que julgas os que praticam tais coisas e, no entanto, as fazes
também tu, pensas que escaparás ao julgamento de Deus?” (Rm 2, 3). O motivo aduzido por
São Paulo é: Tu que julgas, fazes as mesmas coisas! É um traço característico da psicologia
humana, julgar e condenar nos outros, sobretudo, o que nos desagrada, em nós mesmos, mas
que não ousamos enfrentar. O avarento condena a avareza; o sensual vê, em tudo, pecados de
luxúria; o orgulhoso só vê, nos outros, pecados de soberba. Projeta-se o próprio mal e a
própria intenção deturpada nos outros, iludindo-nos, assim, de libertar-nos de modo indolor.
Mas, isso é uma mentira e uma hipocrisia; é uma forma de alienação (alienação de nosso “eu”
doentio): Hipócrita –diz Jesus, quando assim me comporto -, tira primeiro a trave do teu olho e
depois o cisco do olho de teu irmão! (Mt 7, 5). Há pessoas que se assemelham a juízes em
sessão permanente: de manhã levantam e sentam no tribunal, permanecendo aí o dia todo
emitindo sentenças. Ouvem uma notícia e já têm um julgamento; chega uma pessoa e, apenas
sai, jogam-lhe nas costas um julgamento.
Mais perto de nós, nos relacionamentos cotidianos, na família e no ambiente de trabalho: não
julgar, não condenar! O melhor é falar, expressar com clareza o próprio desacordo, uma
desaprovação. Jesus condena o juízo, não a correção; quando você corrige o irmão lhe faz dois
favores: mostra que ele é capaz de aceitar a correção e lhe dá uma possibilidade de defesa.
Isso não humilha a pessoa, mas dá-lhe a certeza de que é valorizada, considerada capaz de
aceitar uma crítica e de melhorar.
Em tudo é importante que cultivemos a virtude da magnanimidade, muito próxima da virtude
da fortaleza! Ser magnânimo! Ter alma grande!
Jesus, sempre, pediu essa grandeza de alma aos seus. O primeiro mártir, Santo Estêvão,
morrera pedindo perdão para aqueles que o mataram (At 7, 60). E nós, não saberemos
perdoar as pequenezas de cada dia? E, se alguma vez, chega a difamação ou a calúnia, não
saberemos aproveitar a ocasião para oferecer a Deus algo tão valioso? Melhor ainda seria se, à
imitação dos santos, nem sequer chegássemos a ter que perdoar – por nunca nos sentirmos
ofendidos.

Santa Teresa dizia: “Não deixeis que a vossa alma e o vosso ânimo se encolham, porque
poderão perder-se muitos bens… Não deixeis que a vossa alma se esconda num canto, porque,
ao invés de caminhar para a santidade, terá muitas outras imperfeições mais” (Caminho de
Perfeição, 72, 1). 
A magnanimidade dilata o coração e torna-o mais jovem, com maior capacidade de amar. É
virtude que é fruto de um íntimo relacionamento com Jesus Cristo. Uma vida interior rica e
exigente, repleta de amor, sempre se faz acompanhar de uma disposição de empreender
grandes tarefas por Deus. É uma atitude habitual que se baseia na humildade e que traz
consigo “uma esperança forte e inquebrantável, uma confiança quase provocativa e a calma
perfeita, de um coração sem medo”, que “não se escraviza perante ninguém: é servo
unicamente de Deus” (J. Pieper, As Virtudes Fundamentais).
O magnânimo (é generoso) atreve-se ao que é grande porque sabe que o dom da Graça eleva
o homem a tarefas que estão acima da sua natureza, e as suas ações ganham então uma
eficácia divina: esse homem apoia-se em Deus, que é poderoso para fazer nascer das pedras
filhos de Abraão (Mt 3, 9); e é audaz nas suas iniciativas apostólicas, porque é consciente de
que o Espírito Santo se serve da palavra do homem, como instrumento, mas que é Ele quem
aperfeiçoa a obra (Cf. São Tomás, Suma Teológica, 2 – 2, q. 171, a. 2). Caminha e trabalha com
a segurança de quem sabe que toda a eficácia procede de Deus, pois é Ele quem dá o
crescimento (1 Cor 3, 7). 
A Virgem Maria conceda-nos a grandeza de alma que Ela teve nas suas relações com Deus e
com os irmãos. Dai e vos será dado… Não nos apouquemos, não nos encolhamos. Jesus
presencia a nossa vida!


Mons. José Maria Pereira

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