Homilia de Mons. José Maria Pereira – V Domingo de Páscoa – Ano A

Seguir o Caminho

 

No Evangelho deste domingo ( Jo 14, 1 – 12 ), o Quinto da Páscoa, Jesus diz aos seus Apóstolos que depositem n’Ele a sua confiança, porque Ele é “o Caminho, a Verdade e a Vida” ( Jo 14, 6 ). Cristo é o Caminho que conduz ao Pai, a Verdade que dá significado à existência humana, a fonte daquela Vida que é alegria eterna com todos os Santos no Reino dos Céus. Levemos a sério o Senhor! Renovemos a fé n’Ele e coloquemos todas as nossas esperanças nas suas promessas!

Jesus propõe um duplo mandamento sobre a fé: crer em Deus e crer em Jesus. De fato, o Senhor diz aos seus discípulos: “Credes em Deus, crede também em Mim” ( Jo 14, 1 ). Não são dois atos separados, mas um único ato de fé, a plena adesão à salvação realizada por Deus Pai mediante o seu Filho Unigênito. O Novo Testamento pôs fim à invisibilidade do Pai. Deus mostrou o seu rosto, como confirma a resposta de Jesus ao Apóstolo Filipe: “Quem me viu, viu o Pai” ( Jo 14, 9 ). O Filho de Deus, com a sua Encarnação, Morte e Ressurreição, libertou-nos da escravidão do pecado para nos doar a liberdade dos filhos de Deus e fez-nos conhecer o rosto de Deus que é amor: Deus pode ser visto, é visível em Cristo. Santa Teresa de Ávila escreve que “não devemos afastar-nos do que constitui todo o nosso bem e o nosso remédio, ou seja, da Santíssima Humanidade de Nosso Senhor Jesus Cristo”   (Castelo Interior, 7, 6 ). 

Hoje e sempre encontramos multidões que têm fome e sede de Deus.  O desejo de Deus está inscrito no coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus; e Deus não cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar: Ensina o Concílio Vaticano ll, na Gaudium et Spes, 19: O aspecto mais sublime da dignidade humana está nesta vocação do homem à comunhão com Deus. Este convite que Deus dirige ao homem, de dialogar com Ele, começa com a existência humana. Pois se o homem existe, é porque Deus o criou por amor e, por amor, não cessa de dar-lhe o ser, e o homem só vive plenamente, segundo a verdade, se reconhecer livremente este amor e se entregar ao seu Criador.   Continuam a ser atuais as palavras de Santo Agostinho no início de suas Confissões: “Criaste-nos, Senhor, para Ti e o nosso coração está inquieto enquanto não descansar em Ti. ”O coração da pessoa humana foi feito para procurar e amar a Deus. E o senhor facilita esse encontro, pois ele também procura cada pessoa através de inúmeras graças, de atenções cheias de delicadeza e de amor. A sua sede de salvar os homens é tal que declara: “ Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6). Tal declaração tem a sua origem na pergunta de Tomé o qual, ao não compreender tudo o que Jesus afirmara acerca de Seu regresso ao Pai, lhe perguntara: “Senhor, não sabemos para onde vais. Como é que sabemos o caminho?”  (Jo 14,5). O apóstolo pensava num caminho material, mas Jesus indica-lhe um espiritual, tão sublime que se identifica com a Sua Pessoa: “Eu sou o caminho”; e não lhe mostra apenas o caminho, mas também a meta- “ a verdade e a vida”- à qual conduz e que é também Ele mesmo. Jesus é o caminho que conduz ao Pai: “Ninguém vai ao Pai senão por Mim” (Jo 14,6); é a verdade que O revela: “Quem Me viu, viu o Pai” (Jo 14,9); é a vida que comunica aos homens a vida divina: “Assim como o Pai tem a vida em Si mesmo,”  assim a tem o Filho e dá-a “àquele que quer” (Jo 5, 26. 21). “Eu estou no Pai e o Pai está em Mim”(Jo 14,11). Sobre esta fé em Cristo, verdadeiro homem e verdadeiro Deus, caminho que conduz ao Pai e igual em tudo ao Pai, fundamenta-se a vida do cristão e a de toda a Igreja.

Jesus, com a sua resposta, está “como que a dizer: Por onde queres ir? Eu sou o caminho. Para onde queres ir? Eu sou a Verdade. Onde queres permanecer? Eu sou a Vida. Todo o homem consegue compreender a Verdade e a Vida; mas nem todos encontram o Caminho. Os sábios do mundo compreendem que Deus é vida eterna e verdade cognoscível; mas o Verbo de Deus, que é Verdade e Vida junto ao Pai, fez-Se caminho ao assumir a natureza humana. Caminha contemplando a Sua humildade e chegarás até Deus” (Santo Agostinho).

As palavras do Senhor continuam a ser misteriosas para os Apóstolos, que não acabam de entender a unidade do Pai e do Filho. Daí a insistência de Filipe. Por isso Jesus repreende o apóstolo porque ainda O não conhece, quando é claro que as Suas obras são próprias de Deus: caminhar sobre as ondas, dar ordens aos ventos, perdoar pecados, ressuscitar os mortos. Este é o motivo da repreensão: o não ter conhecido a Sua condição de Deus através da Sua natureza humana.

A fé em Jesus exige que O sigamos quotidianamente, nas simples ações que compõem o nosso dia. Santo Agostinho afirma que “era necessário que Jesus dissesse: ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida’ ( Jo 14, 6 ), porque quando se conhece o caminho, só falta conhecer a meta”, e a meta é o Pai. Portanto, para os cristãos, para cada um de nós, o Caminho para o Pai é deixar-nos guiar por Jesus, pela sua Palavra de Verdade, e acolher o Dom da sua Vida. Façamos nosso o convite de São Boaventura: “Abre, portanto, os olhos, põe à escuta o ouvido espiritual, abre os teus lábios e dispõe o teu coração, para que tu possas em todas as criaturas ver, ouvir, louvar, amar, venerar, glorificar, honrar o teu Deus” ( Itinerário da Mente para Deus, 1, 15 ).

Em At 6, 1-7 temos a escolha dos diáconos para ajudarem os Apóstolos no atendimento da comunidade que crescia cada dia, pois a Palavra de Deus ia se espalhando cada vez mais. Disseram os Apóstolos: “Quanto a nós entregar-nos-emos assiduamente à oração e ao serviço da Palavra” (At 6,4).

Assim como o Mestre passava longas horas em oração individual, também o apóstolo reconhece a necessidade de alcançar forças novas na oração pessoal, feita em íntima união com Cristo, pois só assim será eficaz o seu ministério e poderá levar ao mundo a palavra e o amor do Senhor.

São João Paulo II viveu e pregava: “A oração é para mim a primeira tarefa e como o primeiro anúncio; é a primeira condição de meu serviço à Igreja e ao mundo.”

Ensinou São Josemaria Escrivá: “… a nossa vida de apostolo vale o que valer a nossa oração” (Caminho, nº 108). E, continua o Santo: “ Se não és homem de oração, não acredito na retidão de tuas intenções quando dizes que trabalhas por Cristo” (Caminho, nº 109). Porém, é importante unir fé e vida, oração e ação. Diz o Papa Francisco na Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate: “Não é saudável amar o silêncio e esquivar o encontro com o outro, desejar o repouso e rejeitar a atividade, buscar a oração e menosprezar o serviço. Tudo pode ser recebido e integrado como parte da própria vida neste mundo, fazendo parte do caminho de santificação. Somos chamados a viver a contemplação mesmo no meio da ação, e santificamo-nos no exercício responsável e generoso da nossa missão ( n.26 ). 

O apostolado é fruto do amor a Cristo. Ele é a luz com que iluminamos, a verdade que devemos ensinar, a Vida que comunicamos. E isto só será possível se formos homens e mulheres unidos a Deus pela oração. “Por isso, nós, como discípulos e missionários de Jesus, queremos e devemos proclamar o Evangelho, que é o próprio Cristo. Os cristãos somos portadores de boas novas para a humanidade, não profetas de desventuras” ( Doc. De Aparecida, 30 ). Somos felizes porque encontramos e seguimos Aquele que é o Caminho, Jesus Cristo! “Ser cristão não é uma carga, mas um dom: Deus Pai nos abençoou em Jesus Cristo seu Filho, Salvador do mundo. Desejamos que a alegria que recebemos no encontro com Jesus Cristo, a quem reconhecemos como o Filho de Deus encarnado e redentor, chegue a todos os homens e mulheres feridos pelas adversidades… A alegria do discípulo não é um sentimento de bem estar egoísta, mas uma certeza que brota da fé, que serena o coração e capacita para anunciar a Boa Nova do Amor de Deus. Conhecer a Jesus Cristo é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber; tê-Lo encontrado foi o melhor que ocorreu em nossas vidas, e fazê-Lo conhecido com nossa palavra e obras é nossa alegria” ( Doc. Aparecida, 29 ). Para São Paulo, a alegria é a característica do cristão. Assim exortava os cristãos: “Alegrai-vos sempre no Senhor! Repito, alegrai-vos! Seja a vossa bondade conhecida de todos! O Senhor está próximo. Não vos preocupeis com coisa alguma, mas, em toda ocasião, apresentai a Deus os vossos pedidos, em orações e súplicas, acompanhadas de ação de graças” ( Fl 4, 4-6). Sem oração, não há alegria verdadeira. A oração é a fonte de nossa alegria e de nossa serenidade porque nos une a Deus. Ele que é a nossa força. Um homem triste não é um discípulo de Cristo. Em sua Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho, escreve o Papa Francisco: “Com Jesus a alegria nasce e renasce sempre”. O Papa mostra que é necessário orar diariamente para não perder essa doce plenitude. Daí, para permanecermos no seguimento de Cristo que é o Caminho, temos que orar sempre!    

A oração nunca deixa de dar os seus frutos. Dela tiraremos a coragem necessária para enfrentar as dificuldades com a dignidade dos filhos de Deus, bem como para perseverar no convívio com os amigos que desejamos levar a Deus. Por isso a nossa amizade com Cristo há de ser cada dia mais profunda e sincera. Sem oração, o cristão seria como uma planta sem raízes; acabaria por secar, e não teria assim a menor possibilidade de dar fruto. A oração é o suporte de toda a nossa vida e a condição de todo o apostolado. “Persevera na oração.- Persevera, ainda que o teu esforço pareça estéril.- A oração é sempre fecunda” (Caminho, nº 101).

Alimentados pela Oração, tenhamos sempre presente que o compromisso de anunciar Jesus Cristo, “o Caminho, a Verdade e a Vida” ( Jo 14, 6 ), é a tarefa principal da Igreja. Invoquemos a Virgem Maria para que assista sempre os Pastores e quantos, nos diversos ministérios, anunciam a Mensagem jubilosa de salvação, para que a Palavra de Deus se difunda e o número dos discípulos se multiplique ( At 6, 7 ). 

 

Mons. José Maria Pereira

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