Homilia de Mons. José Maria Pereira – I Domingo da Quaresma – Ano A

O que é e como viver a Quaresma? 

 Durante a Quaresma, revivemos os quarenta dias do Senhor no deserto. É tempo de renovação interior, de luta espiritual, para progredirmos nos caminhos do Senhor. Ele quer dar um novo impulso, um salto de qualidade na nossa vida de cristãos. Um bom lema quaresmal pode ser: “criai em mim um coração que seja puro, dai-me de novo um espírito decidido” (Salmo 50).

Na Quarta-feira passada, com o jejum e com o rito das Cinzas, entramos na Quarema. Mas o que significa “entrar na Quaresma”? Significa começar um tempo de compromisso particular no combate espiritual que nos opõe ao mal presente no mundo, em cada um de nós e à nossa volta. Significa enfrentar o mal e dispor-se a lutar contra os seus efeitos, sobretudo contra as suas causas, até à causa última, que é Satanás. Significa não descarregar o problema do mal sobre os outros, sobre a sociedade ou sobre Deus, mas reconhecer as próprias responsabilidades e ocupar-se delas conscientemente. A este propósito ressoa muito urgente, para nós cristãos, o convite de Jesus a assumir cada um a sua “Cruz” e a segui-Lo com humildade e confiança (Mt 16, 24). A “Cruz”, por mais pesada que seja, não é sinônimo de infelicidade, de desgraça a ser evitada o mais possível, mas oportunidade para se pôr no seguimento de Jesus e assim adquirir força na luta contra o pecado e o mal. Portanto, entrar na Quaresma significa renovar a decisão pessoal e comunitária de enfrentar o mal junto com Cristo. O caminho da Cruz é, de fato, o único que leva à vitória do amor sobre o ódio, da partilha sobre o egoísmo, da paz sobre a violência. Vista assim, a Quaresma é verdadeiramente uma ocasião de grande empenho ascético e espiritual fundado na Graça de Cristo. Em síntese, trata-se de seguir Jesus que se dirige decididamente rumo à Cruz, auge da sua missão de salvação.

O primeiro Domingo da Quaresma nos apresenta, todos os anos, o mistério do jejum de Jesus no deserto, seguido das tentações (Mt 4, 1-11).

Quaresma é para nós um tempo forte de conversão e renovação em preparação à Páscoa. É tempo de rasgar o coração e voltar ao Senhor. Tempo de retomar o caminho e de se abrir à graça do Senhor, que nos ama e nos socorre. É um tempo sagrado para aprofundar o Plano de Deus e rever a nossa vida cristã. E nós somos convidados pelo Espírito ao DESERTO da Quaresma para nos fortalecer nas TENTAÇÕES, que frequentemente tentam nos afastar dos planos de Deus.

A Quaresma comemora os quarenta dias que Jesus passou no deserto, como preparação para esses anos de pregação que culminam na CRUZ e na glória da Páscoa. Quarenta dias de oração e de penitência que, ao findarem, desembocam na cena que Mateus narra no cap. 4, 1-11. É uma cena cheia de mistério, que o homem em vão pretende entender – Deus que se submete à tentação, que deixa agir o Maligno –, mas que pode ser meditada se pedirmos ao Senhor que nos faça compreender a lição que encerra.

É a primeira vez que o demônio intervém na vida de Jesus, e faz isto abertamente. Põe à prova Nosso Senhor; talvez queira averiguar se chegou a hora do Messias. Jesus deixa-o agir para nos dar exemplo de humildade e para nos ensinar – diz São João Crisóstomo –, quis também ser conduzido ao deserto e ali travar combate com o demônio a fim de que os batizados, se depois do batismo sofrem maiores tentações, não se assustem com isso, como se fosse algo de inesperado. Se não contássemos com as tentações que temos de sofrer, abriríamos a porta a um grande inimigo: o desalento e a tristeza.

A narrativa das tentações que Jesus sofreu mostra que Jesus “foi experimentado em tudo” (Hb 4, 15), comprovando também a veracidade da Encarnação do Verbo de Deus.

Diz Santo Agostinho que, na sua passagem por este mundo nossa vida não pode escapar à prova da tentação, dado que nosso progresso se realiza pela prova. De fato, ninguém se conhece a si mesmo sem ser experimentado, e não pode ser coroado sem ter vencido, e não pode vencer, se não tiver combatido e não pode lutar se não encontrou o inimigo e as tentações.

Por isso, a existência do ser humano nesta terra é uma batalha contínua contra o mal. É esta luta contra o pecado, a exemplo de Cristo, que devemos intensificar nesta Quaresma; luta que constitui uma tarefa para a vida toda.

O demônio promete sempre mais do que pode dar. A felicidade está muito longe das suas mãos. Toda a tentação é sempre um engano miserável! Mas, para nos experimentar, o demônio conta com as nossas ambições. E a pior delas é desejar a todo o custo a glória pessoal; a ânsia de nos procurarmos sistematicamente a nós mesmos nas coisas que fazemos e projetamos. Muitas vezes, o pior dos ídolos é o nosso próprio eu. Temos que vigiar, em luta constante, porque dentro de nós permanece a tendência de desejar a glória humana, apesar de termos dito ao Senhor que não queremos outra glória que não a dEle. Jesus também se dirige a nós quando diz: “Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás”. E é isto o que nós desejamos e pedimos: servir a Deus alicerçados na vocação a que Ele nos chamou.

O Senhor está sempre ao nosso lado, em cada tentação, e nos diz afetuosamente: “Confiai: Eu venci o mundo” (Jo16, 33). E com o Salmista podemos dizer: “O Senhor é minha luz e minha salvação: de quem terei medo?” (Sl 26, 1).

“Procuremos fugir das ocasiões de pecado, por pequenas que sejam, pois aquele que ama o perigo nele perecerá” (Eclo 3, 27). Como Jesus nos ensinou na oração do Pai Nosso: “Não nos deixeis cair em tentação”; é necessário repetir muitas vezes e com confiança essa oração!

Contamos sempre com a graça de Deus para vencer qualquer tentação. Usemos as armas para vencermos na batalha espiritual, que são: a oração contínua, a sinceridade com o diretor espiritual, a Eucaristia, o Sacramento da Confissão (Penitência), um generoso espírito de mortificação cristã, a humildade de coração e uma devoção terna e filial a Nossa Senhora.

Na Quaresma somos todos chamados ao deserto, para um confronto conosco mesmos, com Deus e com o próximo e os bens materiais. Somos chamados a despojar-nos de nós mesmos para nos revestir de Deus. Somos chamados a acolher a palavra do Profeta Joel: “… rasgai o coração, e não as vestes; e voltai para o Senhor, vosso Deus…” (Joel 2, 13). Façamos da palavra do Profeta uma síntese de todo nosso itinerário quaresmal.

Cada um deveria preparar um plano concreto de luta para esta Quaresma. Por exemplo: abstinência de falar mal dos outros; jejum da televisão, telefone, internet, de ouvir música no carro ou em casa, de festas e diversões. Não comer doce e beber refrigerante, exceto aos domingos. A esmola de visitar doentes, ajudar nas tarefas de casa. Fazer plano de vida diário de oração e leitura espiritual.  

No caminho de conversão quaresmal, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil nos apresenta a Campanha da Fraternidade com o tema “Fraternidade e Fome e o lema: “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,16). 

Invoquemos a ajuda maternal de Maria Santíssima para o caminho quaresmal que há pouco teve início, a fim de que seja rico de frutos de conversão.

Concluamos com a oração (Coleta) da Missa do dia: “Concedei-nos, ó Deus onipotente, que, ao longo desta Quaresma, possamos progredir no conhecimento de Jesus Cristo e corresponder a seu amor por uma vida santa”.

Mons. José Maria Pereira

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