Homilia de Dom Henrique Soares da Costa – XXVIII Domingo do Tempo Comum (Ano C)

2Rs 5,14-17
Sl 97
2Tm 2,8-13
Lc 17,11-19
Salta aos olhos a mensagem da Palavra de Deus neste Domingo: a gratidão, o reconhecimento
cheio de amor pela ação benéfica de Deus na nossa vida. Gratidão e ingratidão – eis o que
aparece nas leituras de hoje. Primeiro, a gratidão de Naamã, um pagão, inimigo de Israel, que,
no entanto, sabe ser agradecido a Deus. Curado de sua lepra, voltou para agradecer ao profeta
Eliseu e, como sinal de conversão ao Deus verdadeiro, levou terra de Israel para Damasco, sua
cidade, para, sobre essa terra, adorar a Deus. O reconhecimento pelo benefício de Deus fez
desse pagão um amigo do Senhor e salvou a sua existência de um caminho sem sentido.
Também a gratidão de outro pagão, o leproso samaritano que soube, reconhecido, voltar a
Jesus “para dar glória a Deus”. Mas também, hoje, aparece a ingratidão. Nove leprosos, filhos
do povo de Israel, que curados, não retornam para agradecer o dom… Dez foram curados,
somente um foi salvo, o leproso pagão e estrangeiro: “Levanta-te e vai! Tua fé te salvou!”
Estejamos atentos! Hoje, temos tudo… Chegamos a um alto grau de desenvolvimento
tecnológico e científico, compreendemos tantos dos processos e dinamismos da natureza e,
num mundo ativista e autossuficiente, temos a sensação ilusória que nos bastamos, que tudo é
nosso, que tudo é fruto de nossos esforços, que tudo foi conquista nossa, simplesmente.
Vamos nos tornando cegos para a presença cuidadosa, providencial e cheia de amor de um
Deus que sempre vela por nós. Vamos nos tornando gravemente insensíveis para perceber a
vida como dom, como graça, como presente. É impressionante como o mundo nos vai
tornando dormentes, insensíveis mesmo, para Deus! Se avida já não mais é percebida como
um dom, também do nosso coração já não mais brota a ação de graças. Mas, uma vida assim é
ela mesma, sem graça, ela mesma uma “desgraça”! Somente quando abrimos o coração e os
olhos da fé, podemos perceber que tudo é graça, imenso dom de um Amor sem fim e, então,
seremos realmente curados de uma vida sem sentido e libertos para correr livres nos
caminhos da existência. Poderemos ouvir a palavra de Jesus: “Levanta-te e vai! A tua fé te
salvou! Salvou-te de uma vida mesquinha, fechada, incapaz de olhar as estrelas, incapaz de
comunhão com o Pai do céu, incapaz de dizer “Pai nosso” e de reconhecer nos outros teus
irmãos…” Mas, para isso – nunca esqueçamos – é necessário um coração de pobre, um
coração humilde, que reconheça que tudo quanto possuímos foi recebido de Deus.
Vale, então, para nós, no corre-corre da vida, a advertência de São Paulo, na segunda leitura
de hoje: “Lembra-te de Jesus Cristo, ressuscitado de entre os mortos!” Lembrar-se de Cristo é
tê-lo como palavra última e total de amor que o Pai nos pronunciou. Lembrar-se de Jesus é
nunca esquecer que Deus está conosco, amando-nos, perdoando-nos e acolhendo-nos como
Deus providente e misericordioso. Lembrar-se de Jesus morto e ressuscitado é nunca duvidar
da misericórdia de Deus e de seu compromisso na nossa existência e na existência do
mundo. “Lembra-te de Jesus Cristo ressuscitado! Merece fé esta palavra: se com ele morremos,
com ele viveremos. Se com ele ficamos firmes, com ele reinaremos. Se nós o renegarmos,
também ele nos negará. Se lhe formos infiéis, ele permanece fiel, pois não pode negar-se a si
mesmo!” Aqui está o motivo último e irrevogável de toda a nossa gratidão a Deus: Jesus Cristo,
que nos é dado como carinho e fidelidade do Pai! É de tal modo este dom, tão irrevogável, tão
absoluto, que vale a pena morrer com ele para, nele, viver uma vida nova; vale a pena sofrer
com ele para, nele, reinarmos. É interessante como o Apóstolo sublinha a fidelidade amorosa

de Deus em Jesus: “Se lhe somos infiéis, ele permanece fiel!” Eis um Deus que não se
escandaliza com nossas debilidades, mas é sempre disposto a recomeçar conosco. “Se nós o
negamos, também ele nos negará”… Esta é a única atitude que nos faz perdê-lo para sempre: a
ingratidão de negá-lo em nossa vida, de fechar-se de tal modo para ele, que já não mais o
reconheçamos, que já não mais deixemos que ele seja o Senhor de nossa existência, que já não
mais percebamos que tudo é graça, tudo é presente de amor.
Cuidemos, então do modo como estamos construindo a nossa existência: como um fechar-se
sobre nós mesmos, na autossuficiência, ou como uma abertura livre e filial, pronta a acolher e
viver a vida como um dom do Senhor. Como cantam os focolares: “Se um dia perguntares
quem sou, não direi o meu nome. Direi: ‘Obrigado’, por tudo e pra sempre, ‘obrigado,
obrigado’”!
Dom Henrique Soares da Costa

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