Homilia de Dom Henrique Soares da Costa – XI Domingo do Tempo Comum (Ano C)

2Sm 12,7-10.13

Sl 31

Gl 2,16.19-21

Lc 7,36 – 8,3

Convém iniciar a meditação sobre a Palavra do Senhor deste Domingo recordando a primeira e principal das Bem-aventuranças; aquela que resume todas as demais: “Bem-aventurados os pobres de espírito porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5,3).

O Evangelho de hoje afirma que “Jesus andava por cidades e povoados, pregando e anunciando a Boa-nova do Reino de Deus”. Que Boa-nova é esta, que Jesus pregava? Que nele, Deus se revelava como Pai cheio de amor e misericórdia, que se volta para o homem, inclina-se em direção a ele, para acolhê-lo, perdoá-lo, e caminhar com ele. Este anúncio requer uma decisão nossa: a conversão, isto é, um coração aberto à Boa-nova de Jesus; um coração capaz de acolher a presença salvífica de Deus e, cheio do amor do Senhor, abrir-se também para os outros, sobretudo para os pobres sejam de que pobrezas forem. E por que Jesus afirma que é dos pobres o Reino dos Céus? Esta pergunta é a chave para compreender as leituras de hoje. Vejamos.

Quem é o pobre na Bíblia? De que pobre Jesus está falando? Pobre é todo aquele que se encontra numa situação extrema, situação de fraqueza e impotência; pobre é todo aquele que se encontra numa situação limite na vida. O gravemente doente é um pobre, o que não tem casa e comida é um pobre, o discriminado e perseguido é um pobre, o que se sente só e sem amor é um pobre, o aidético, o que foi derrotado, o que foi incompreendido, o que foi pisado pelo peso da existência… Notemos que a pobreza em si não é um bem. E por que Jesus proclama os pobres bem-aventurados, dizendo ser deles o Reino dos Céus? Porque o pobre, na sua pobreza, toca o que a vida humana é realmente: precária, débil, incerta, dependente de Deus. Normalmente, nossa tendência é esquecer essa realidade, procurando mil muletas, mil apoios, mil ilusões: bens materiais, saúde, prestígio, amigos, ninho afetivo, poder… e julgamo-nos auto-suficientes, senhores de nós mesmos, perdendo a atitude de criança simples e confiante diante de Deus. Assim, auto-suficiente, ricos para nós mesmos, não nos achamos necessitados de um Salvador, fechamo-nos para o Reino que Jesus veio anunciar. Só o pobre pode, com toda verdade, tocar a debilidade da vida com toda crueza e verdade e, assim, os pobres têm muito mais possibilidades de abrir-se para o Reino.

As leituras deste Domingo ilustram-nos esta realidade. Primeiro, a pobreza de Davi que, apesar de forte militarmente e rei de Israel, não hesita em reconhecer seu pecado com toda humildade diante do profeta do Senhor: “Pequei contra o Senhor” – diz o rei. Davi não usa máscara, não procura justificar-se com desculpas esfarrapadas. Reconhece-se pequeno, frágil, limitado… humilha-se ante o Senhor. A resposta do Senhor é imediata: “De sua parte, o Senhor perdoou o teu pecado, de modo que não morrerás”. Depois, as duas figuras contrapostas do Evangelho: de um lado Simão, cheio de si, de sua própria justiça, seguro de si próprio, julgando-se em dia com Deus e com seus preceitos e, por isso mesmo, fechado para a misericórdia e a delicadeza para com os outros. Jesus o desmascara: “Quando entrei na tua casa, tu não me ofereceste água para lavar os pés… Tu não me deste o beijo de saudação… Tu não derramaste óleo na minha cabeça”. Simão, cheio de si, nunca pensou de verdade que precisasse de um Salvador e, por isso, não foi aberto para Jesus e para o Reino. Recebeu Jesus exteriormente, mas não aderiu a ele interiormente, de todo coração! Por outro lado, a mulher pecadora, adúltera pública, derrama as lágrimas e o coração aos pés de Jesus, com toda simplicidade, com toda sinceridade, do fundo de sua miséria… Reconhece-se pecadora, quebrada, infiel; sem máscara nenhuma, mostra-se ao Senhor e suplica sua misericórdia. Por isso, pode ouvir: “Teus pecados estão perdoados. Vai e paz!”

Somente quando experimentamos, de fato, esta pobreza, podemos verdadeiramente acolher Deus que nos vem em Jesus como Salvador. Caso contrário, diremos que cremos nele, mas somente creremos de fato em nós e em nossas mil riquezas econômicas, afetivas, sociais, psicológicas, espirituais… Assim, do alto da nossa auto-suficiência, tornamo-nos incapazes de acolher de verdade o Reino. Não é este o drama do mundo? Com nossa ciência, com nosso divertimento, com nossa liberação total, com nossos bens de consumo… quem precisa de um Salvador? Temos tudo, somos ricos, estamos bem assim e, sozinhos, nos bastamos!

Pois bem: faz parte do núcleo da convicção cristã que não nos bastamos, que somos pobres e, sozinhos, jamais nos realizaremos plenamente. É o que são Paulo exprime na segunda leitura da Missa: aos cristãos de origem judaica, ele recordava que a salvação não vem das obras da Lei de Moisés, de nossa própria bondade, mas unicamente da fé em Jesus, presente de Deus, misericórdia de Deus para nós. É esta, muitas vezes, a nossa dificuldade: compreender que somos todos pobres diante de Deus; precisamos dele, a ele devemos abrir nossa mente, nosso coração, nossa vida. Aí, sim, o Reino de Deus começará a acontecer e Deus em Cristo reinará de verdade na nossa vida e, através de nós, na vida do mundo.

Que nos perguntemos: sou pobre ou sou rico? Reconheço devedor e dependente de Deus, realmente? Tenho-o como meu Salvador e minha riqueza? Aposto nele a minha vida? Tenho consciência que a vida não é minha de modo absoluto, mas é um do qual deverei prestar contas ao doador? O Senhor nos ajude e ilumine nosso coração e nossa mente!

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