Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – Solenidade de São Pedro e São Paulo

Solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo

Mt 16,13-19

 

Caros irmãos e irmãs,

 

Celebramos neste domingo a Solenidade litúrgica dos Apóstolos Pedro e Paulo, colunas da Igreja, no linguajar dos santos padres, com dois estilos diferentes para uma mesma vocação missionária.  Pedro, apóstolo dos judeus, Paulo dos gentios ou pagãos.  Originariamente o primeiro foi um singelo pescador da Galileia; o segundo, um douto fariseu de Tarso. Tocados por Cristo, converteram-se em dois apaixonados pela difusão da mensagem do Senhor até o martírio, em Roma, Pedro no ano 64 e Paulo em 67.

 

Pedro era um pescador da Galileia.  Com André, seu irmão, passava os dias no lago de Tiberíades.  Sempre o mesmo trabalho: lançar as redes para a pesca.  Foi precisamente em um desses momentos que Jesus o convida a segui-lo (cf. Mc 1,17).

 

O texto evangélico nos apresenta uma dupla interrogação feita por Jesus aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” e “E vós, quem dizeis que eu sou?”. Jesus os convida tomar consciência desta diferente perspectiva e ouve a resposta dos seus discípulos acerca do pensamento das pessoas, que o identificam como um profeta. Isto, entretanto, não basta, é necessário aprofundar, ir além, reconhecer a singularidade da sua pessoa, a sua novidade; é preciso reconhecer Jesus como o Messias, o filho de Deus vivo.  Diante da confusa resposta, Jesus transfere a pergunta aos seus discípulos; e Pedro, tomando a palavra, responde: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16).  Possamos também nós hoje, fazer nossa essa resposta de Pedro: “Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo” (Mt 16,16).

 

A resposta de Pedro não é fruto de seu próprio raciocínio, mas uma revelação do Pai ao humilde pescador da Galileia, como confirma o próprio Jesus, dizendo: “Não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu” (Mt 16, 17).  É por causa desta confissão que Jesus diz: “Tu és Pedro, e sobre esta Pedra construirei a minha Igreja” (v. 18).  Pedro estava tão próximo do Senhor que se tornou ele mesmo uma rocha de fé e de amor sobre a qual Jesus edificou a sua Igreja. Com efeito, o Senhor conclui dizendo: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16,19).

 

Com base nesta confissão de Pedro é conferida a ele uma tarefa particular, manifestada mediante três imagens: a da rocha que se torna pedra de fundamento ou pedra angular, a das chaves e a de ligar e desligar. Mediante estas imagens sobressai claramente o fato de que Pedro é inseparável do encargo pastoral que lhe foi confiado em relação ao rebanho de Cristo, o que vem a se concretizar no encontro de Cristo ressuscitado com Pedro, conforme nos narra o Evangelho de São João, quando o Senhor Ressuscitado confia a Pedro a missão de apascentar o seu rebanho (cf. 21,15-19).

 

O paralelismo entre Pedro e Paulo não pode diminuir o alcance do caminho histórico feito por Simão com o seu Mestre e Senhor que, desde o início, lhe atribuiu a característica de “rocha”.  Na verdade, Pedro será o cimento de rocha sobre a qual estará o edifício da Igreja; terá as chaves do Reino dos céus para abrir e fechar a quem lhe pareça justo; por último, poderá atar e desatar, ou seja, poderá estabelecer ou proibir o que considere necessário para a vida da Igreja, que é e continuará sendo de Cristo. É sempre a Igreja de Cristo e não de Pedro.

 

O poder conferido a Pedro não é um poder segundo as modalidades deste mundo. É o poder do bem, da verdade e do amor. Sua promessa é verdadeira: os poderes da morte e as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja que Cristo edificou sobre Pedro (cf. Mt 16,18) e que Ele, precisamente desta forma, continua a edificar.

 

Esta posição preeminente que Jesus quis entregar a Pedro, se constata também depois da sua ressurreição.  Por ocasião da ressurreição de Cristo, Maria Madalena corre a Pedro e a João para informar que a pedra foi removida da entrada do sepulcro (cf. Jo 20,2), e João lhe cederá o passo quando os dois chegam ao túmulo vazio (cf. Jo 20,4-6). Posteriormente, Pedro será entre os apóstolos, a primeira testemunha da aparição do Ressuscitado (cf. Lc 24,34; 1Cor 15,5). No Concílio de Jerusalém, Pedro ainda desempenha uma função diretiva (cf. At 15 e Gl 2,1-10), e, precisamente pelo fato de ser a testemunha da fé autêntica, o próprio Paulo reconhecerá nele um papel de “primeiro” (cf. 1Cor 15,5; Gl 1, 18; 2,7).

 

Podemos ainda ressaltar o testemunho de fé e a árdua luta que os Apóstolos Pedro e Paulo tiveram de enfrentar pela causa do Evangelho. Também nisto seguiram com fidelidade o modelo de Cristo: deram a vida em prol do Evangelho. Estes dois Apóstolos, tendo o olhar fixo no mistério pascal, não duvidaram da necessidade de anunciar o Cristo, mesmo diante das dificuldades e dos desafios: era o início da realização do plano de Deus.

 

Era a vitória sobre as forças do mal, conquistada em primeiro lugar por Cristo e depois pelos seus discípulos, mediante a fé. E sobre esta base encontramos os fundamentos firmes da fé apostólica, sobre a qual está edificada a missão da Igreja.  A rocha representa a firmeza, não só no que se refere à duração, mas também no que tange à solidez dos seus ensinamentos, oriundos da Sagrada Escritura.

 

O Apóstolo Paulo, cujo nome antes da conversão era Saulo, era natural de Tarso. Foi inicialmente um fariseu zeloso, a ponto de perseguir e aprisionar os cristãos, sendo responsável pela morte de muitos deles. Mas o encontro com Cristo ressuscitado no caminho de Damasco marcou a mudança decisiva na vida de Paulo. Realizou-se então a sua completa transformação, uma verdadeira conversão espiritual. Tornou-se, de cruel perseguidor dos cristãos, a um fervoroso apóstolo do Evangelho. A partir daquele momento, tudo o que antes constituía para ele um valor tornou-se paradoxalmente, segundo as suas palavras, perda e lixo (cf. Fl 3,7-10). A partir daquele momento todas as suas energias foram postas ao serviço exclusivo de Jesus Cristo e do seu Evangelho.

 

Os Apóstolos Pedro e Paulo são testemunhas insignes da fé, dilataram o Reino de Deus com os seus diversos dons e, a exemplo do próprio Cristo, selaram com o sangue a sua pregação evangélica.  O exemplo destes grandes santos possa iluminar as nossas mentes e acender em nós o desejo de realizar todos os dias a vontade de Deus, a fim de que possamos permanecer fiéis ao Evangelho, para cujo serviço eles consagraram a sua própria vida, anunciando os ensinamentos do Cristo, caminho, verdade e vida, a todos os povos.  São Pedro e São Paulo, rogai por nós!  Amém.

 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

 

—————————————————————————————————————————————

 

 

 

 

 

Solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo

 

Mt 16,13-19

 

Caros irmãos e irmãs,

 

Celebramos neste domingo a solenidade dos santos Pedro e Paulo, que, por graça do Espírito Santo, tornaram-se as pedras fundamentais do cristianismo.  Esta solenidade nos faz recordar o martírio destes dois apóstolos, que foram mortos por ocasião da perseguição de Nero, por volta do ano 64.  

 

Pedro, que tinha o nome de Simão, foi um dos primeiros apóstolos a deixar as suas redes de pescador para seguir o Cristo e tornar-se pescador de homens (cf. Lc 5,1-11). E junto do apóstolo Pedro está São Paulo, que passou de perseguidor a perseguido por aceitar a missão para a qual Jesus o convidou. Missão que ele cumpriu com dedicação e especial criatividade: levar seus ensinamentos a todos os pagãos e também ao povo de Israel.

 

A referência a estes dois santos atravessa toda a liturgia da palavra deste domingo. A primeira e a segunda leituras falam, respectivamente, dos Santos Pedro e Paulo ressaltando precisamente a ação de Deus em relação a eles. Sobretudo o texto dos Atos dos Apóstolos descreve com abundância de pormenores a intervenção do anjo do Senhor, que liberta Pedro das correntes e o conduz para fora da prisão de Jerusalém, onde o rei Herodes o tinha feito encarcerar (cf. At 12, 1-11). Paulo, por sua vez, escrevendo a Timóteo quando já sentia próximo o fim da sua vida terrena, faz um balanço do qual sobressai que o Senhor lhe tinha estado sempre próximo, o libertou de tantos perigos e ainda o libertará introduzindo-o no seu Reino eterno (cf. 2Tm 4, 6-8.17-18).

 

O tema é reforçado pelo Salmo responsorial (cf. Sl 33), e encontra um particular desenvolvimento também no trecho evangélico da confissão de Pedro, onde ele, antes de qualquer outro, reconhece Jesus como o Messias, e, com base nas suas palavras: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo” (Mt 16, 16), foi ele escolhido para ser a pedra fundamental da Igreja: “Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja” (16, 18). Com isto, é conferida a Pedro uma tarefa particular que ele deve desempenhar mediante as imagens da rocha que se torna a pedra de fundamento e do poder das chaves.

 

A promessa feita por Jesus a Pedro ocorre perto das fontes do Rio Jordão, em um momento que marca uma mudança decisiva no caminho de Jesus: agora o Senhor direciona os seus passos para Jerusalém e, pela primeira vez, diz aos discípulos que este caminho para a Cidade Santa é o caminho da cruz.  Contudo, sabendo que a sua morte estava próxima, Jesus institui a Eucaristia, e logo após a instituição deste sacramento, instrui os seus discípulos acerca do ministério que eles devem exercer e que deve ter como base o serviço, a exemplo do próprio Cristo que se encontra no meio deles como aquele que serve (cf. Lc 22,27ss).  Neste momento Jesus dirige a Pedro estas palavras: “Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como o trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua confiança não desfaleça; e tu, por tua vez, confirma os teus irmãos (Lc 22,31s).

 

O texto parece ressaltar que Satanás pediu para poder examinar os discípulos como o grão. Isto recorda um trecho do livro de Jó, no qual Satanás pede a Deus a permissão para provar Jó, exemplo do homem fiel a Deus (cf. Jó 1,6,22). O diabo quer colocar Deus à prova, que parecer permitir que o diabo exerça o seu domínio, aproveitando a fragilidade do homem.

 

No caso de Jó, Deus concede a Satanás a liberdade exigida, precisamente para poder com ela defender a sua criatura, o homem e a si mesmo. Acontece assim também com os discípulos de Jesus, onde  Deus dá uma certa liberdade ao diabo.  De fato Jesus fala a Pedro: “Mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça” (Lc 22,32). A oração de Jesus é o limite colocado ao poder do maligno. A oração de Jesus é a proteção da Igreja.

 

Jesus reza de modo especial por Pedro, visando a estabilidade da sua fé. Esta oração de Jesus guarda e protege a fé de Pedro, a mesma que ele confessou em Cesareia de Filipe: “Tu és Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16, 16), conforme sublinha o evangelho deste domingo.  Mas Pedro já havia dito antes a Jesus: “Retira-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador” (Lc 5,8); mostrando a Jesus a sua fragilidade enquanto ser humano.  Por isto, Jesus sabe que a fé de Pedro precisa ser fortalecida sempre de novo, precisamente também perante a cruz e todas as contradições do mundo. Jesus não reza só pela fé pessoal de Pedro, mas pela sua fé como serviço aos outros. É precisamente isto que ele pretende dizer com as palavras: “E tu, uma vez convertido, fortaleça os teus irmãos” (Lc 22, 32).

 

Estas palavras profetizam a debilidade de Simão que, perante uma criada, negará que conhece Jesus:  “E tu, uma vez convertido” o Senhor, que lhe prediz a queda, também lhe promete a conversão. E o evangelista São Lucas busca um pormenor que vale a pena recordar. A terceira negação de Pedro, coincide com o momento em que Cristo passa carregando a cruz e neste momento, “voltando-se, o Senhor fixou os olhos em Pedro…” (Lc 22, 61).  E neste instante, após experimentar o olhar de amor de Jesus, ele sai e chora amargamente (cf. Lc 22,62).

 

E depois, após a sua ressurreição, o Senhor vai confiar a Pedro a tarefa de apascentar os irmãos, tendo como base o amor. Jesus o interroga por três vezes: “Pedro, tu me amas?”; ao que ele, também por três vezes responde: “Eu te amo”, e Jesus, de imediato responde: “Apascenta as minhas ovelhas” (cf. Jo 21,15-19).  Mas este ofício confiado a Pedro, ancorado no amor, está também sedimentado na oração de Jesus: “Eu rezei por ti…” (Lc 22,32).  É isto que lhe dá a segurança da sua perseverança através de todas as misérias humanas. E o Senhor lhe confia esta missão no contexto da Ceia, simultaneamente ao dom da Eucaristia. A Igreja, fundada na instituição da Eucaristia, no seu íntimo é comunidade eucarística e desta forma comunhão com o Corpo do Senhor.  Mas mesmo neste contexto, Jesus prediz a Pedro que o seu caminho irá também em direção à cruz.

 

A promessa feita por Cristo de que o poder do inferno não prevalecerá sobre a sua Igreja, se justifica, pois foi ela edificada tendo como base o amor e a sua própria presença: “Eu estarei convosco todos os dias, até o final dos tempos” (Mt 28,20).  Estas palavras podem ter também um significativo valor ecumênico, dado que um dos efeitos típicos da ação do maligno é precisamente a divisão. De fato, as divisões são sintomas da força do pecado, que pode continuar agir. Mas a palavra de Cristo é clara: “Não prevalecerão” (Mt 16,18), pois a unidade da Igreja está radicada na sua união com Cristo (cf. BENTO PP XVI, Homilia na missa de 29 de junho de 2006).

 

Celebrar os Apóstolos Pedro e Paulo constitui um testemunho de fé na Igreja “una, santa, católica, apostólica”. Pedro é, efetivamente, a pedra que se apoia diretamente sobre a pedra angular que é Cristo. Pedro e Paulo representam duas vocações na Igreja, duas dimensões do apostolado, diferentes, mas complementares. A complementaridade dos dois “carismas” continua atual: a responsabilidade institucional e a criatividade missionária.

 

Possamos nós também imitar o exemplo destes dois grandes evangelizadores. Que o Senhor nos faça ter uma fé firme, como a de Pedro, e rica de impulso apostólico como a de Paulo, para sermos sal e luz em nossa sociedade, aceitando a mensagem de amor pela qual Pedro e Paulo sofreram o martírio. Também nos ajude a Virgem Maria, para que o nosso encontro com a Palavra do Senhor possa transformar completamente a nossa vida, para que estejamos dispostos a seguir com determinação o Mestre que deu a sua própria vida por cada um de nós. Assim seja.

 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ.

 

 

 

 

 

——————————————————————————————————————————————-

 

 

Mt 16,13-19
Caros irmãos e irmãs,
Celebramos neste domingo a Solenidade litúrgica dos Apóstolos Pedro e Paulo, colunas da Igreja, no linguajar dos santos padres, com dois estilos diferentes para uma mesma vocação missionária.  Pedro, apóstolo dos judeus, Paulo dos gentios ou pagãos.  Originariamente o primeiro foi um singelo pescador da Galiléia; o segundo, um douto fariseu de Tarso. Tocados por Cristo, converteram-se em dois apaixonados pela difusão da mensagem do Senhor até o martírio, em Roma, Pedro no ano 64 e Paulo em 67.

O evangelho nos lembra a promessa do Primado, ocorrida na região de Cesareia de Filipe, com  a confissão de fé de Pedro.  Jesus interroga aos discípulos a respeito do que pensam os homens sobre Ele.  Diante da confusa resposta, Jesus transfere a pergunta aos seus discípulos; e Pedro, tomando a palavra, responde: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16).

Com esta dupla interrogação: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” e “E vós, quem dizeis que eu sou?”, Jesus convida os discípulos a tomarem consciência desta diferente perspectiva e ouve a resposta dos seus discípulos acerca do pensamento das pessoas, que o identificam como um profeta. Isto, entretanto, não basta, é necessário aprofundar, ir além, reconhecer a singularidade da sua pessoa, a sua novidade; é preciso reconhecer Jesus como o Messias, o filho de Deus vivo.

Não podemos ignorar que historicamente o texto do primado de Pedro foi polêmico no campo da exegese bíblica e da teologia.  Polêmica que se acentua precisamente devido a estas palavras de Jesus:  “Tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16,19).

O texto tem enorme importância para a fundamentação bíblica e teológica da Cátedra de Pedro, e sua relação com o Colégio apostólico dos Bispos, assim como com as outras confissões cristãs.  A tradição católica sempre o aceitou como um texto autêntico.  Mas os teólogos da reforma protestante o interpretaram como uma referência à Igreja espiritual. Os autores da exegese crítica e racionalista da teologia protestante radical dos séculos XIX e princípios do século XX o consideraram como texto acrescentado no séc. II pela comunidade de Roma, para consolidar o Papado. Atualmente, entre os especialistas, esta passagem é comumente tida como autêntica, ou seja, como palavras ditas pelo próprio Jesus.

Segundo alguns estudiosos, a fórmula que aqui aparece pressupõe o contexto pós-pascal, e estaria até mesmo ligada a uma aparição pessoal de Jesus ressuscitado a Pedro; uma aparição análoga à que Paulo teve no caminho de Damasco. Na realidade, o ofício conferido pelo Senhor a Pedro está radicado no relacionamento pessoal que Jesus teve com o pescador Simão, a partir do primeiro encontro com ele, quando lhe disse: “Tu és Simão… chamar-te-ás Cefas (que quer dizer Pedra)” (Jo 1,42). O paralelismo entre Pedro e Paulo não pode diminuir o alcance do caminho histórico feito por Simão com o seu Mestre e Senhor que, desde o início, lhe atribuiu a característica de “rocha”.  Na verdade, Pedro será o cimento de rocha sobre o qual estará o edifício da Igreja; terá as chaves do Reino dos céus para abrir e fechar a quem lhe pareça justo; por último, poderá atar e desatar, ou seja, poderá estabelecer ou proibir o que considere necessário para a vida da Igreja, que é e continuará sendo de Cristo. É sempre a Igreja de Cristo e não de Pedro.

O poder conferido a Pedro não é um poder segundo as modalidades deste mundo. É o poder do bem, da verdade e do amor. Sua promessa é verdadeira: os poderes da morte e as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja que Cristo edificou sobre Pedro (cf. Mt 16, 18) e que Ele, precisamente desta forma, continua a edificar.

Esta posição preeminente que Jesus quis entregar a Pedro, se constata também depois da sua ressurreição.  Maria Madalena corre a ele e a João para informar que a pedra foi removida da entrada do sepulcro (cf. Jo 20,2), e João lhe cederá o passo quando os dois chegam ao túmulo vazio (cf. Jo 20,4-6). Posteriormente, Pedro será entre os apóstolos, a primeira testemunha da aparição do Ressuscitado (cf. Lc 24,34; 1Cor 15,5). No Concílio de Jerusalém, Pedro ainda desempenha uma função diretiva (cf. At 15 e Gl 2,1-10), e, precisamente pelo fato de ser a testemunha da fé autêntica, o próprio Paulo reconhecerá nele um papel de “primeiro” (cf. 1Cor 15,5; Gl 1, 18; 2,7).

Podemos ainda ressaltar o testemunho de fé e a árdua luta que os Apóstolos Pedro e Paulo tiveram de enfrentar pela causa do Evangelho. Também nisto seguiram com fidelidade o modelo de Cristo: deram a vida em prol do Evangelho. Estes dois Apóstolos, tendo o olhar fixo no mistério pascal, não duvidaram da necessidade de anunciar o Cristo, mesmo diante das dificuldades e dos desafios: era o início da realização do plano de Deus. Era a vitória sobre as forças do mal, conquistada em primeiro lugar por Cristo e depois pelos seus discípulos, mediante a fé. E sobre esta base encontramos os fundamentos firmes da fé apostólica, sobre a qual está edificada a missão da Igreja.  A rocha representa a firmeza, não só no que se refere à duração, mas também no que tange à solidez dos seus ensinamentos, oriundos da Sagrada Escritura.

Também a nós, os discípulos de hoje, Jesus repete a mesma pergunta: “E vós, quem dizeis que Eu sou?”.  Possamos fazer nossa a resposta de Pedro: “Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo” (Mt 16, 16). E que Ele mesmo nos conceda, a exemplo destes dois grandes santos, Pedro e Paulo, escutar os seus ensinamentos e os transmitir com fidelidade, a fim de que o anúncio evangélico chegue a todos os confins da terra.    Rezemos também nesta celebração pelo sucessor de Pedro, para que o Espírito Santo o ilumine e o torne cada dia mais capaz de nos confirmar na fé.  Assim seja. Um bom domingo para todos.

 

D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest
Pocket
WhatsApp

Veja Mais