Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva – Santíssima Trindade – Ano B

Caros irmãos e irmãs

Celebramos neste domingo a solenidade litúrgica da Santíssima Trindade, na qual somos chamados a contemplar o mistério da identidade de Deus Uno e Trino. A Liturgia da Palavra que a Igreja indica para este dia nos convida a aprofundar a nossa fé trinitária, colocando em evidência que Deus veio falar de si mesmo ao homem, revelando quem Ele é.

Na primeira Leitura, extraída do Livro do Deuteronômio (cf. Dt 4,32-34.39-40), escutamos as palavras de Deus a Moisés, que lembram como Deus escolheu um povo e a ele se manifestou de modo particular. Com isso, Israel se torna o destinatário da sua manifestação. E, através de Moisés, falou ao povo eleito: “Interroga os tempos antigos que te precederam, desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra… se houve jamais um acontecimento tão grande, ou se ouviu algo semelhante. Existe, porventura, algum povo que tenha ouvido a voz de Deus falando-lhe do meio do fogo, como tu ouviste, e tenha permanecido vivo?” (cf. Dt 4,32-33).

Com estas palavras, Moisés recorda a manifestação de Deus no Monte Sinai e a entrega dos dez mandamentos, como também a sua experiência pessoal no Monte Horeb. Naquela ocasião, Deus se revelou por meio de uma sarça ardente e confiou a esse mensageiro a missão de libertar Israel da escravidão do Egito, e lhe revelou o próprio nome: “Eu sou Aquele que sou!” (cf. Ex 3,1ss). O texto oferece uma rica meditação sobre a história salvífica, que consolida a fé no único Deus, e recorda a sua misericórdia para com seu povo.

Na segunda leitura, vemos que São Paulo ensina a dimensão trinitária da existência cristã (Rm 8,14-17). O primeiro aspecto desta existência é nossa condição filial. O Apóstolo proclama que recebemos no Batismo o Espírito Santo, que de tal modo nos une a Cristo e nos liga ao Pai como filhos e, por isto, podemos dizer “Abá, ó Pai!” (v. 15). Com esse Sacramento da iniciação somos inseridos na comunhão trinitária. Cada cristão é batizado em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo sendo, assim, imerso na vida de Deus. Um grande dom e um grande mistério!

Em consequência disso, compreendemos nossa filiação divina: “Se somos filhos, somos também herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo” (v. 17). Isto é, como filho, o cristão participa da vida divina, usufruindo dos bens oferecidos. Observa-se que o termo herdeiro não tem a concepção moderna de dispor dos bens após a morte do proprietário, mas tem o sentido de tomar posse. Aliás, a herança que Deus concede a Israel é precisamente a posse de uma nova terra (cf. Is 60,21). Somos co-herdeiros da glorificação de Cristo, na medida em que também sofremos com Ele. E como filhos de Deus, haveremos de herdar a glória divina, esplendor da vida de Deus na pessoa de Cristo.

A partir do batismo, o cristão estabelece uma relação específica com Deus, em cada uma das pessoas divinas. A propósito, é possível fazer uma ligação desta segunda leitura com o texto evangélico, no encontro entre Jesus e os seus Apóstolos. A eles Jesus afirma que lhe foi dado todo o poder no céu e na terra (v. 18). Esta expressão “céu e terra”, para os antigos, englobava a criação inteira. Como de fato, a Sagrada Escritura começa dizendo que “no começo Deus criou o céu e a terra” (Gn 1,1-2). Portanto, isto indica que Jesus recebeu de Deus um poder que abrange todo o universo. Mas Jesus não guarda para si este poder que o Pai lhe confiou; comunica-o aos seus discípulos, aos quais cabe a missão de dar continuidade à sua obra, fazendo chegar a salvação a todos, pela pregação evangélica e pelo batismo. E, neste momento, os envia para evangelizar os povos e batizar “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28, 18-19).

Na teologia paulina Deus se manifesta como aquele que dá a vida por meio de Cristo, único Mediador. Da mesma forma o fazemos na nossa profissão de fé, ao confessar que o Espírito Santo é Senhor e dá a vida. Por obra do Espírito Santo os crentes são constituídos filhos no Filho, como escreve São João no seu Evangelho (cf. Jo 1,13). Por isto, com o batismo, somos inseridos na comunhão trinitária.

O mistério da Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida cristã. É o mistério de Deus em si mesmo, portanto, fonte de todos os outros mistérios da fé, é a luz que nos ilumina. Deus deixou vestígios do seu ser trinitário na sua obra de Criação e na sua Revelação ao longo do Antigo Testamento. Mas a intimidade do seu ser, contemplado em três pessoas, constitui um mistério inacessível à pura razão e até mesmo à fé de Israel antes da Encarnação do Filho de Deus e da missão do Espírito Santo.

São Paulo, em suas cartas, faz referência à Santíssima Trindade: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós!” (2Cor 13,12). Também o Evangelista São João: “O Pai e eu somos um” (Jo 14,9-10). O Apóstolo Filipe certa vez pediu a Jesus para lhe mostrar o Pai e Jesus lhe respondeu: “Tu não me conheces, Filipe? Quem me vê, vê o Pai… Não crês que estou no Pai e o Pai está em mim?” (Jo 14,8ss). Quanto ao Espírito, Ele é o sopro mesmo de Deus, a realidade pela qual Deus se comunica pela mediação eterna do Filho.

Estes textos bíblicos nos guiam para aprofundar o mistério trinitário, que conduz desde Moisés até Cristo. O mistério manifestado a Moisés junto da sarça ardente foi revelado plenamente em Cristo na sua referência trinitária. Por meio dele, de fato, nós descobrimos a unidade da divindade, a trindade das Pessoas.

A Igreja repete incessantemente este louvor à Santíssima Trindade. A oração cristã inicia com o sinal da Cruz, ao mesmo tempo em que dizemos: “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, e conclui-se, com frequência, com a doxologia trinitária: “Por nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos”. Quando professamos a nossa fé, dizemos: “Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai; e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: Ele que falou pelos profetas” (Credo Niceno-Constantinopolitano).

Por várias vezes os monges, após a recitação de cada Salmo, inclinam em sinal de adoração à Santíssima Trindade dizendo: “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo”. Também quando começamos a Santa Missa, fazemos o Sinal da Cruz dizendo: “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”; e com frequência o sacerdote saúda os fiéis lembrando as três pessoas da Santíssima Trindade: “A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco”. E, mais uma vez, ao concluir a Santa Missa, o sacerdote abençoa os fiéis invocando a Santíssima Trindade.

As últimas palavras do texto evangélico deste domingo são confortadoras, pois Jesus promete aos seus discípulos a sua assistência: “Eis que estou convosco todos os dias até o fim do mundo” (v. 20). No começo ele fora anunciado como o “Emanuel”, isto é, como o “Deus conosco” (Mt 1,23) e agora, após a ressurreição, ele continua sendo o “Deus conosco!”. Ele continua presente pela sua Palavra e pela Eucaristia.

Uma vez mais peçamos a intercessão da Virgem Maria por cada um de nós. Nela, Deus preparou para si uma morada digna, para que fosse completado o mistério da salvação e foi no seu seio que o Salvador do mundo se fez homem e veio habitar entre nós. Maria, a humilde serva do Senhor, acolheu a vontade do Pai e concebeu o Filho por obra do Espírito Santo. Que o seu exemplo de santidade e vida nos ajude a crescer sempre mais na fé e na santidade. Assim seja.

D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ

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