Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – XXVIII Domingo do Tempo Comum – Ano B

Caros irmãos e irmãs,

O Evangelho deste domingo nos fala de alguém que veio correndo ao encontro de Jesus e lhe faz uma pergunta: “Bom Mestre, o que devo fazer para alcançar a vida eterna?” (v.17). Com este questionamento tem início o breve diálogo de Jesus com um jovem, assim identificado no Evangelho de São Mateus (cf. Mt 19,6).  A pergunta do Evangelho contempla o futuro, mas é um compromisso com o presente: o sentido da vida. 

Antes de dar sua resposta, Jesus questiona a pergunta: “Por que me chamas de bom?” (v. 18).  Ao contrário dos rabinos e doutores da lei, que amavam títulos honrosos, Jesus dirige tudo a Deus: Somente Deus é bom no sentido pleno do termo.  Mas, aquele jovem, anônimo, percebeu que Jesus é bom e que é mestre. Um mestre que não engana. Quem reconhece o bem é sinal que ama. E quem ama, na feliz expressão de São João, conhece a Deus (cf. 1Jo 4,7). O jovem do Evangelho teve uma percepção de Deus em Jesus Cristo.  Ele se ajoelha diante de Jesus, mostrando o reconhecimento da divindade de Jesus Cristo.  Trata de uma pessoa bem intencionada, realmente preocupada com a obtenção da vida eterna.  Em um curto diálogo manifesta o seu desejo sincero de alcançar a vida eterna, vivendo a sua existência terrena de maneira honesta e virtuosa.

No Antigo Testamento, a ideia de vida eterna aparece, pela primeira vez em Dn 12,2. Para alguns teólogos da época do judaísmo helenístico, os justos que se mantiverem fiéis a Deus e à Lei não serão condenados ao sheol, local onde os espíritos dos mortos levam uma existência obscura, no reino das sombras, mas ressuscitarão para uma vida nova, de alegria e de paz (cf. 2Mac 7,9.14.36). A vida eterna, segundo os teólogos desta época, parece já incluir a ideia de imortalidade (cf. Sb 3,4; 15,3). Provavelmente é isto que inquieta o jovem e ele deseja saber o que é necessário fazer para ter acesso a essa vida imortal que Deus reserva aos justos. De acordo com a catequese feita pelos mestres de Israel, quem vivesse de acordo com os mandamentos da Lei, receberia de Deus a vida eterna. Reconhecendo a divindade de Jesus, o jovem quer certificar a verdade.

Em sua catequese Jesus mesmo explicita: “Conheces os mandamentos?”  O jovem explica a Jesus que desde sempre a sua vida foi vivida em consonância com os mandamentos da Lei de Deus (v. 20). É uma afirmação segura e serena, que o próprio Jesus não contesta. As questões por ele apresentadas mostram a sua inquietação, a sua procura, a sua busca da definição do verdadeiro caminho para a vida eterna. Jesus reconhece a sinceridade, a honestidade, a verdade da busca deste homem; por isso, olha para ele “com amor” (v. 21).

O Evangelho nos assegura que aquele jovem era muito rico. A própria juventude é uma riqueza singular. É preciso descobri-la e valorizá-la.  Jesus convida o homem rico a dirigir os seus passos em uma outra direção: segui-lo, pois para ganhar a vida eterna é preciso estar com Jesus.  Mas antes de fazer o convite a segui-lo, Jesus fixa nele um olhar cheio de amor: o olhar de Deus (cf. v. 21). E compreende qual é o ponto frágil daquele homem: precisamente o seu apego aos muitos bens que possui e, por isso, lhe propõe que dê tudo aos pobres, de modo que o seu tesouro já não esteja na terra, mas no céu. Aquele homem, porém, em vez de aceitar com alegria o convite de Jesus, sai entristecido (cf. v. 23), porque não consegue desapegar-se das suas riquezas.

É este olhar de amor que tudo transforma.  Jesus quer fazer compreender ao jovem rico que lhe falta o essencial: deixar-se amar em primeiro lugar, descobrir que todos os seus bens materiais nunca poderão preencher a necessidade vital de todo o homem que consiste em ser amado.  As riquezas podem ser um obstáculo ao amor. As riquezas do jovem o impediram de identificar o olhar de Jesus. Fechado em sua riqueza, ele partiu, saiu de perto de Jesus, mas Jesus não lhe retirou o seu amor, acompanhou-o sempre com o seu olhar de amor.

Com esta passagem, Jesus mostra aos seus discípulos a incompatibilidade entre o Reino e o apego às riquezas. Na perspectiva dos teólogos de Israel, as riquezas são uma bênção de Deus (cf. Dt 28,3-8); mas a catequese tradicional também está consciente de que colocar a confiança e a esperança nos bens materiais envenena o coração do homem, torna-o orgulhoso e auto-suficiente e o afasta de Deus e das suas propostas (cf. Sl 49,7-8; 62,11). 

Jesus nos ensina a não centralizar a própria vida nos bens passageiros deste mundo, mas assumir a partilha e a solidariedade para com os irmãos mais necessitados, seguir o próprio Jesus no seu caminho de amor e de entrega (v. 21). Apesar de toda a sua boa vontade, o jovem não está preparado para a exigência deste caminho e afasta-se triste. São Marcos explica que ele estava demasiado preso às suas riquezas e não estava disposto a renunciar a elas (v. 22).

Frente a reação alarmada e desorientada dos discípulos face a esta exigência de radicalidade, temos a pergunta: “Quem pode, então, salvar-se?” (v. 26). Neste momento, Jesus pronuncia palavras de conforto, apresentando o poder de Deus como incomparavelmente maior do que a debilidade humana: “Aos homens é impossível, mas não a Deus; porque a Deus tudo é possível” (v. 27). A ação de Deus, gratuita e misericordiosa, pode mudar o coração do homem.

Com esta passagem do Evangelho, Jesus ressalta que para um rico é muito difícil entrar no Reino de Deus, mas não impossível; de fato, Deus pode conquistar o coração de uma pessoa que possui muitos bens e levá-la à solidariedade. Somos chamados a estar no caminho de Jesus Cristo, o qual “sendo rico, fez-se pobre por vós, para que nos tornássemos ricos por meio da sua pobreza” (2Cor 8, 9).

O convite dirigido ao jovem “Vem e segue-me”, é hoje estendido também a cada um de nós.  Esta é a vocação cristã que brota de uma proposta de amor do Senhor, concretizada graças à nossa resposta de amor.  Muitos santos acolheram este convite exigente e se colocaram, com docilidade humilde, no seguimento de Cristo.

A história da Igreja nos apresenta relevantes exemplos de pessoas ricas, que usaram os próprios bens de modo evangélico, alcançando também a santidade. Pensemos em São Francisco de Assis, São Bento, Santa Isabel da Hungria, São Francisco Xavier e em muitos outros, que deixaram seus bens e seguiram o Cristo, que a todo momento nos chama à santidade.  Ao contrário do jovem rico do Evangelho, saibamos aceitar o convite de Jesus, para segui-lo com o coração desapegado dos bens terrenos, que não nos garantem a vida eterna.

E, para animar os nossos passos nesta direção, peçamos a Nossa Senhora Aparecida, padroeira do nosso Brasil, cuja solenidade celebramos no dia 12, que ela nos conduza, com seu auxílio materno, no caminho da perfeição e nos acompanhe ao longo de toda a nossa vida. E ela, a Mãe de Deus, a quem invocamos como Sede da Sabedoria, nos faça acolher com alegria o convite de Jesus para entrar na plenitude da vida.  Assim seja. 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento / RJ

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