Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – XXIX Domingo do Tempo Comum – Ano C

A parábola da viúva e do juiz.

Lc 18,1-8

Meus caros amigos

As Leituras bíblicas deste domingo têm como tema principal a oração, ou seja, a “necessidade de rezar sem jamais se cansar”, como diz o Evangelho (cf. Lc 18,1). Na primeira leitura temos a narração da batalha entre os israelitas e os amalecitas (cf. Ex 17,8-13). Enquanto Josué e o seu grupo enfrentavam os adversários no campo, Moisés estava no alto da colina com as mãos levantadas, em oração. Estas mãos erguidas garantiram a vitória de Israel. Deus estava com o seu povo, mas pode-se condicionar esta intervenção do Senhor às mãos levantadas de Moisés e sua prece. Também nós, na nossa batalha pessoal, precisamos permanecer de braços abertos para vencermos a luta contra o mal.

O texto evangélico, por sua vez, nos apresenta a parábola do juiz e da viúva (v. 2-5). A viúva, pobre e injustiçada, passava a vida a queixar-se do seu adversário e a exigir justiça; mas o juiz, “que não temia Deus nem aos homens” (v.2), não lhe prestava qualquer atenção.  Na Sagrada Escritura a viúva é o símbolo da pessoa desamparada, alguém que vive em situação de debilidade. A viúva e o órfão são as categorias mais necessitadas, porque são pessoas indefesas e sem meios de subsistência.

Na parábola, a viúva vai ter com o juiz e lhe suplica justiça. As suas possibilidades de ser ouvida são praticamente nulas, porque o juiz a despreza e ela não consegue fazer qualquer pressão sobre ele. Nem sequer pode apelar para os princípios religiosos, uma vez que o juiz não teme a Deus. Mas ela insiste, pede sem se cansar, é inoportuna, e assim, finalmente, consegue obter um resultado do juiz. No entanto, o juiz, apesar da sua dureza e insensibilidade, acabou por fazer justiça à viúva, a fim de se livrar definitivamente da sua insistência, que já o incomodava.

Esta parábola quer nos mostrar o valor e a eficácia da oração, com a qual devemos e podemos invocar a Deus. Com efeito, Deus é Pai e misericordioso, portanto, está sempre disposto a acolher as nossas orações. Por conseguinte, nunca devemos desesperar, mas insistir sempre na oração, que deve ser a expressão da nossa fé, pois caso contrário não é verdadeira oração. Quem não crê na bondade de Deus não pode rezar de modo verdadeiramente adequado. A fé é essencial e constitui a base da oração.  Se até um juiz prepotente e insensível acaba por fazer justiça a quem lhe pede com insistência, com muito mais motivo Deus, que é rico em misericórdia, estará atento às súplicas dos seus filhos. É nesse diálogo que Deus transforma os nossos corações. É nesse diálogo que aprendemos a nos entregar nas mãos de Deus e a confiar nele.

A conclusão do trecho evangélico sublinha também a importância da fé: “Quando o Filho do Homem vier, acaso encontrará a fé sobre a terra?” (Lc 18,8). Qual será a nossa resposta a esta inquietante interrogação?  Trata-se de uma pergunta que nos faz suscitar em nós um aumento de fé. A oração é também uma profissão de esperança, uma vez que a fé nos assegura que Deus ouve a nossa oração e nos atende no momento oportuno.  A oração é o grande meio que a bondade de Deus colocou em nossas mãos, para que, através dela, entrássemos em comunicação com Ele.  Orar é conversar com Deus, é aproximar-se dele em um colóquio franco e sincero.

Em muitos outros textos da Sagrada Escritura o Senhor Jesus volta a nos mostrar a necessidade da oração, quando ele mesmo, antes dos momentos decisivos de sua missão, se coloca em oração: Antes de realizar por sua Paixão o plano de amor do Pai (Lc 22,41-44); antes de escolher e chamar os Doze Apóstolos (Lc 6,12) e para que a fé de Pedro não desfaleça na tentação (Lc 22,32).  Jesus muitas vezes se retirava para um lugar mais isolado, de manhã ou durante a noite, para orar:  “De madrugada, estando ainda escuro, ele se levantou e retirou-se para um lugar deserto.  E ali orava” (Mc 1,35).

Nos Evangelhos encontramos diversas orações de Jesus:  Antes de iniciar sua Paixão:  “Pai, chegou a hora; glorifica teu Filho para que teu Filho te glorifique…” (Jo 17,1-26).  E ainda a oração no Jardim das Oliveiras:  “Abba! Ó Pai!  A ti tudo é possível:  afasta de mim este cálice; faça-se porém, não o que eu quero, mas o que tu queres” (Mc 14,36).  Também as orações de Jesus na cruz: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,24);  “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?” (Mc 15,34) E ainda:  “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46).

Jesus, antes de tudo, deu um exemplo a ser seguido.  E, frequentemente retirava-se para orar.  Um dia, ao terminar a sua oração, um dos seus discípulos pediu-lhe: “Senhor, ensina-nos a rezar” (Lc 11,1).  E o Senhor ensinou-lhes a oração por excelência: a oração do Pai nosso.  Nesta oração Jesus nos ensina o que é oração e qual deve ser a nossa atitude quando rezamos. Rezar é dirigir a Deus como filhos. É um filho que fala com o próprio pai. E o Senhor Jesus nos assegura: “Todo aquele que pede, recebe; e aquele que busca, encontra; e a quem bate, abrir-se-lhe-á” (Lc 11,9).

A perseverança é uma das condições essenciais da oração.  Além da fé, da confiança e da humildade.  Quem reza se aproxima de Deus.  Ele é a luz do nosso caminho. Essa luz nos vai mostrando, cada vez mais, o que está faltando em nossa vida para merecermos ser atendidos por Deus, pois ele nunca fecha os ouvidos à nossa prece. Na verdade, nem sempre sabemos sintonizar nossa vontade com a vontade de Deus. Se insistirmos na oração bem feita, a sabedoria de Deus vai penetrando pouco a pouco em nós, até descobrirmos o que é realmente bom para nós. Isso vale sobretudo para descobrirmos o caminho da vida que devemos seguir.

Nisso podemos lembrar dos santos, e podemos citar Santo Agostinho, que quando jovem se entregou a todas as experiências de filosofias e de comportamentos, sem nunca chegar a ser feliz. Mônica, sua mãe, rezava incansavelmente por ele.  Até que ele encontrou o seu caminho: a fé cristã e o batismo. E tornou um mestre de fé e da santidade para toda a Igreja.

Seja qual for a linguagem da oração, gestos e palavras, é o homem todo que ora, ou melhor dizendo,  é o coração que ora. Se ele estiver longe de Deus, a expressão da oração será vã (cf. CIgC 2562). E seguindo este pensamento, podemos lembrar das exortações de São Bento em sua Regra, ao referir-se à oração dos Salmos: “A mente concorde com a voz” (RB 19,7).  Ou seja, coração é o nosso centro oculto, sede da verdade. É o lugar do encontro; é uma relação de aliança entre Deus e o homem em Cristo (cf. CIgC 2564).

Deus nos convida a rezar com insistência, pois, no nosso caminho quotidiano, especialmente nas dificuldades, na luta contra o mal fora e dentro de nós, o Senhor está ao nosso lado; nós lutamos, tendo-o conosco, e a nossa arma é precisamente a oração, que nos faz sentir a sua presença, a sua misericórdia e também a sua ajuda.

Portanto, aprendamos da viúva do Evangelho a rezar sempre, sem nos cansarmos. Esta viúva do Evangelho nos oferece um verdadeiro testemunho de fé e de coragem, um modelo de oração. A oração perseverante é expressão da fé num Deus que nos chama a combater com Ele, todos os dias, em cada momento, para vencer o mal com o bem. A liturgia da Palavra deste domingo nos traz um ensinamento fundamental: a necessidade de rezar sempre, sem desanimar.

Peçamos ao Senhor uma fé que se faz oração incessante, perseverante, como a oração da viúva da parábola, uma fé que seja nutrida Palavra de Deus e da participação na Eucaristia. Jesus disse: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6,56). É essencial para um ramo permanecer unido ao tronco, para que não seque, mas dê fruto abundante.  Que o Senhor nos inspire sempre para que possamos trilhar este caminho com fé e esperança.  Assim seja.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB.

Mosteiro de São Bento/RJ

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